A criança é prioridade no Brasil?

Um tempo atrás escrevi aqui no Terraço sobre a importância dos investimentos na primeira infância. Este tema tem ganhado notoriedade nos meios acadêmicos, da neurociência à economia, influenciando políticas públicas ao redor do mundo.

No Brasil, em meio à polarização política que tomou conta do país nos últimos meses, o tema educação teve pouco espaço no debate público, com a educação infantil figurando em um plano para além do secundário no processo eleitoral – apesar dos esforços pontuais de alguns candidatos em lançar luz sobre o tema.

Aproveito então este Dia das Crianças para convidar o leitor a fazer uma reflexão sobre o assunto. É verdade… as eleições parlamentares já foram, muitas estaduais também* e o futuro presidente deve assumir com uma das maiores taxas de rejeição da história.

Em janeiro, contudo, os eleitos terão a difícil tarefa de reconstruir um país dividido, marcado por uma economia estagnada, uma produtividade irrisória e desigualdades profundas. E caberá a nós, sobretudo após um período eleitoral conturbado, o monitoramento atento e a cobrança dos recém contratados. Inclua então este tema nas suas avaliações futuras.     

De modo geral, são três os principais argumentos a favor do maior direcionamento de recursos à educação infantil:

  1. Sob o ponto de vista econômico, os investimentos na primeira infância apresentam um retorno consideravelmente maior do que políticas destinadas a anos posteriores. Isto tanto para o indivíduo, como para a sociedade. Esta característica da primeira infância está relacionada ao desenvolvimento do sistema nervoso, cuja fundação é feita neste período. Pesquisas recentes apontam que uma infância desprovida de estímulos adequados (cognitivos e sociais) dificulta o desenvolvimento posterior de habilidades, ainda que as experiências futuras de aprendizado sejam adequadas.     
  2. Esta elevada influência da primeira infância sobre a trajetória de vida é a base para o segundo argumento. Diferenças nos ambientes iniciais de aprendizado são a demonstração mais clara da desigualdade de oportunidades e de como esta abre lacunas difíceis de serem superadas. Em discussões mais filosóficas, as pessoas tendem a concordar que a desigualdade de oportunidade é um dos principais problemas a ser combatido. As recompensas devem vir do esforço e não de características socioeconômicas fora do controle dos indivíduos. Se logo nos primeiros anos de vida as regras do jogo são tão díspares, quantos talentos não deixam de ser desenvolvidos e conquistas realizadas? Isto, por sua vez, tem efeitos sobre toda a sociedade, da produtividade à segurança pública. Esta é a justificativa moral (e também econômica) para maiores investimentos nos anos iniciais.   
  3. Por fim, a abertura de creches e pré-escolas (adequadas) tem efeitos importantes sobre o mercado de trabalho e no combate às desigualdades de gênero. Em geral, tal política está relacionada à uma maior taxa de emprego entre as mulheres.

Feitas estas considerações, como estamos atualmente?

O Brasil investe entre 5% e 6% do seu PIB em educação, patamar próximo ao de países desenvolvidos. A média dos membros da OCDE, por exemplo, está em 4,5%.

Apesar disso, historicamente, apresentamos resultados na educação básica bem abaixo do que seria esperado para o tamanho da nossa economia e dos nossos gastos. Parte deste cenário pode ser atribuída à elevada importância da educação superior na conta do governo, em detrimento do ensino infantil e do fundamental e médio.

O gráfico a seguir ilustra este ponto. Apesar de possuir um PIB per capita correspondente a quase um terço da média da OCDE, o Brasil gasta mais por aluno no ensino superior (em paridade de poder de compra) do que a média destes países. Por outro lado, os gastos com a educação básica estão bem aquém dos observados nas economias mais desenvolvidas e correspondem a menos de um terço do investimento por universitário.

Nos últimos anos, em linha com um movimento internacional, o Brasil tem direcionado maiores recursos aos anos iniciais da educação básica. Programas e iniciativas complementares têm sido adotados, criando bolsões de excelência no país.

É nítido, contudo, que ainda estamos muito longe das melhores práticas. Isso tanto em termos da divisão de recursos, como da eficiência na alocação destes. Além da readequação de prioridades, a análise das políticas públicas e a difusão de práticas bem-sucedidas são fundamentais ao país.

A maior atenção às crianças é uma questão de urgência. Além de moralmente justificáveis, por combaterem o exemplo mais claro de desigualdade de oportunidades, os investimentos na primeira infância são extremamente eficientes, com retornos à toda sociedade.

Nota

*A educação infantil no Brasil é de responsabilidade dos municípios, mas muitos dependem (se beneficiam) da coordenação estadual. Além disso, programas mais amplos são definidos em âmbito federal.

        

Daniele Chiavenato

Formada em Economia pela FEA-USP, é mestre na mesma área pela Universidade de Leuven (Bélgica). No Brasil, trabalhou em consultorias econômicas com pesquisa macro e com microeconomia aplicada. Atualmente, na boa companhia das cervejas e chocolates belgas, trabalha na Comissão Europeia com políticas de emprego e inclusão social.
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