A culpa da crise é dos economistas?

“Quem colocou o Brasil nesses problemas foram os economistas. O Pérsio Arida lá atrás, a Zélia e tantos outros que fizeram planos fracassados”, afirmou Jair Bolsonaro pré-candidato ao Planalto, em entrevista ao jornal Gazeta do Povo.

“É congelamento de preço, é tablita, o próprio Plano Real teve problema no meio do caminho que pouca gente fala. Qual foi o grande problema? Aquela facilidade para conter a inflação aumentou a taxa de juros. A dívida agora está chegando próxima a R$ 4 trilhões e é quase impagável”

O deputado, que é líder na corrida presidencial entre os candidatos que estão aptos a concorrer em outubro colocou no mesmo patamar os desastrosos planos econômicos da década de 80 com o exitoso Plano Real, que nos tirou da síndrome da inflação galopante dos anos anteriores.

Mas, vejam só. Eu concordo com Bolsonaro sobre uma certa culpa dos economistas na crise brasileira, mas não pelos mesmos motivos apresentados pelo ex-militar. Eu vejo que a ‘culpa’ dos economistas está na dificuldade de transmitir a população leiga – aquela que não tem tempo a perder com nebulosos termos – os conceitos mais básicos de economia que afetam o seu dia a dia. Alguns exemplos da nossa dificuldade estão a seguir.

1. Demoramos demais como economistas para alertar sobre a situação insustentável da previdência brasileira. Embora parte da população já tenha percebido o grau de urgência da reforma, outra parte permanece alheia à discussão, invocando sempre os ‘direitos adquiridos’ como barreira para o bom debate. O postergamento dessa pauta pode ter consequências devastadoras sobre as contas públicas. O próximo governo, seja lá qual for, terá que lidar com essa questão em seu primeiro ano.

2. Adiamos demais a discussão acerca dos famosos benefícios concentrados e custos difusos. Leis como a da Meia Entrada, políticas de campeãs nacionais, ensino superior gratuito e para poucos, conteúdo nacional, entre outras. As políticas que são famosas em concentrar quem as usufrui mas que espalham seu custo por toda a sociedade. Esses grupos ‘vencedores’ fazem de tudo para manter o status quo, com força política para barrar qualquer tentativa de mudança. Muitas dessas políticas perpetuam a desigualdade, invertendo a lógica de intervenção estatal no conceito real de que mercados são imperfeitos. Mas lembre-se, sempre que alguém tem uma meia entrada, alguém paga duas entradas cheias – e, na média, todos pagamos mais do que deveríamos.

3. Tivemos dificuldades de mostrar os danos à economia de intervenções estatais desastradas. Como disse certa vez Marcos Lisboa, muitos daqueles que aplaudiram as medidas dos setor elétrico – famosa MP 579 – e os empréstimos a preço de banana fornecidos pelo BNDES são aqueles que hoje criticam o governo de 13 anos do PT. A população tem dificuldade de perceber que o governo não gera riqueza, e que se financia inteiramente com o dinheiro da população, via impostos e contribuições. O governo é financiado por você, e se você não usufrui das políticas públicas executadas, é porque tem alguém muito organizado extraindo o máximo que pode dos recursos públicos (seja de forma legal ou ilegal). Em termos nebulosos de economistas, isso é o famoso rent-seeking.

4. Ficamos enclausurados nas bibliotecas e encontros acadêmicos enquanto o Brasil se afundava com o resultado de políticas equivocadas. Esse ponto tem mudado nos últimos anos, mas temos que reconhecer que a Economia costumam ficar quase que irrestrita aos quadros acadêmicos, o que é muito ruim. A discussão passa longe do povo, num misto de ignorância gerada pela péssima estrutura educacional do país e em parte pelo total desinteresse dos economistas em buscarem se comunicar de forma eficiente com a sociedade.

5. Perdemos o ‘trem’ da explicação dos benefícios comprovados do comércio exterior. Grandes líderes, atualmente, mostram certo desdém pelo livre-comércio e sinalizam uma guerra comercial que não parece ter vencedores. Donald Trump ignora a história e agora culpa os produtos chineses pela “”estagnação”” (com muitas aspas) da indústria produtiva americana. No Brasil, a história é muito pior: temos uma das economia mais fechadas do mundo, e a sociedade sequer ver o dano dessa falta de abertura ao comércio internacional, como a qualidade dos produtos, preço e tecnologia. 

Você sabe muito bem que se sair no frio com uma roupa molhada tem grande probabilidade de ficar gripado, ou até com pneumonia. Você sabe com maestria que 37 graus é uma temperatura limítrofe entre a febre e a normalidade. Você também entende o básico da alimentação saudável: legumes e frutas fazem bem, carne vermelha e açúcares, nem tanto. Esse conhecimento está na população, é inerente ao dia a dia.

Mas se 87% da população é a favor da greve dos caminhoneiros e esse mesmo percentual é contra cortes no orçamento e/ou aumento de impostos para atender às reivindicações, conforme pesquisa Datafolha, ou que ainda 51% acham que a previdência é sustentável e outros 75% acreditam que o maior problema do sistema previdenciário é a corrupção, conforme levantamento do Fenaprevi, isso quer dizer que a população não sabe o básico de economia, e parece ainda acreditar que existe almoço grátis.

Essa falha só pode ser atribuída a nós, economistas. 

Arthur Solow
Editor do Terraço Econômico

Arthur Solow

Economista nato da Escola de Economia de São Paulo da FGV. Parente distante - diz ele - do prêmio Nobel de Economia Robert Solow, que, segundo rumores, utilizava um nome artístico haja vista a complexidade do sobrenome. Pós graduado na FGV em Business Analytics e Big Data, pois, afinal, a verdade encontra-se nos dados. Fez de tudo um pouco: foi analista de crédito e carteiras para FIDCs; depois trabalhou com planejamento estratégico e análise de dados; em seguida uma experiência em assessoria política na ALESP e atualmente é especialista em Educação Financeira em uma fintech. E no meio do caminho ainda arrumou tempo para fundar o Terraço Econômico em 2014 =)
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