A fé que move… a economia

Você no Terraço | por Clóvis Yamamoto

Desde que se há registro sobre o  período vigente da igreja cristã,  foi durante a Idade Média que a Igreja Católica se tornou uma instituição poderosa, interferindo nas decisões políticas e acumulando altas somas em dinheiro e terras, apoiada pelo sistema feudalista. Desta forma, ela se distanciou de seus ensinamentos, chegando  a vender indulgências, ou seja, um lugar ao sol “no paraíso” (o que seria o motivo  da contestação de Martin Luther – o reformador, que deflagrou a Reforma Protestante). A Igreja Católica pregava que qualquer cristão poderia comprar o perdão dos seus pecados.

Incluindo as pequenas reformas religiosas da Idade Média que tinham como base – além de cunho religioso – a insatisfação com as atitudes da Igreja Católica e seu distanciamento dos princípios fundamentais, a Reforma Protestante foi a maior e a mais importante. Outros fatores que contribuíram para a ocorrência das reformas foi o fato de a Igreja Católica condenar abertamente a acumulação de capitais (embora ela mesma a praticasse). Logo, a burguesia ascendente necessitava de uma religião que a redimisse dos pecados da acumulação de dinheiro. Junto a isso, havia o fato de que o sistema feudalista estava agora dando lugar às monarquias nacionais que começaram a despertar na população o sentimento de pertencimento que colocavam a nação e o rei acima dos poderes da Igreja.

Assim, Martin Luther, monge agostiniano, deflagrou a Reforma Protestante ao discordar publicamente da prática de venda de indulgências pelo Papa Leão X. Com o intuito de terminar a construção de Basílica de São Pedro, Leão X determinou a venda de indulgências a todos os cristãos. Luther, contrariado a tal movimento, afixou na porta da Igreja de Wittemberg (onde era mestre e pregador) 95 proposições em 31 de Outubro de 1517.

Em suas proposições, condenava a prática vergonhosa do pagamento de indulgências, o que fez com que Leão X exigisse dele uma retratação, fato que nunca aconteceu. Leão X então excomungou Luther que, em mais uma manifestação de protesto, rasgou a Bula Papal, queimando-a em público. O príncipe Frederico da Saxônia acolheu o reformador que foi apoiado por vários religiosos e governantes europeus, provocando uma revolução religiosa, iniciada na Alemanha, estendendo-se pela Suíça, França, Países Baixos, Reino Unido, Escandinávia e algumas partes do Leste Europeu, principalmente os Países Bálticos e a Hungria.

O resultado da Reforma Protestante foi a divisão da chamada Igreja do Ocidente, entre os cristãos romanos e os reformados, originando o Protestantismo, e trazendo consigo mudanças culturais e econômicas por toda a Europa. Nesse contexto, podemos entender um pouco sobre a ideia do acúmulo de dinheiro e bens em que o Ocidente estava inserido e veremos abaixo como uma outra figura da Reforma Protestante se destacou pregando sobre aquilo que se pode dizer: “com o suor do teu rosto comerás o teu pão”.

Jehan Cauvin (1509-1564).

Nascido em Noyon, nordeste da França, estudou teologia e humanidades (1523-1528) e, a seguir e por determinação de seu pai, foi estudar direito. Converteu-se ao protestantismo provavelmente em 1533 e após a morte de seu pai deu continuidade aos estudos humanísticos publicando sua primeira obra. Pastoreou igrejas e se interessou também por questões econômicas, fato que pode-se constatar em sua teologia que provavelmente contribuiu para uma nova atitude em relação ao trabalho e aos bens materiais.

A aceitação da posse de riquezas e da propriedade privada, a doutrina da “vocação” e sua insistência no trabalho foram alguns dos fatores que cooperaram para o surgimento do “capitalismo” e do ganho extra pelo trabalho honesto, ou seja, o lucro. Cauvin condenava a usura e ensinava sobre os limites em taxas de juros e costumava dizer que os empréstimos aos pobres deveriam ser isentos de encargos hiperbólicos.  Para o francês, o lucro, a propriedade e o trabalho eram ferramentas para ser utilizadas para o bem comum e para o serviço ao próximo. Com essa doutrina largamente ensinada a Europa se pôs a trabalhar arduamente e acumular riquezas no decorrer da história.

Tratado de Max Weber 

Passado o tempo, o interesse pelo tema se popularizou a partir dos estudos do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920). Em seu livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”[1] Weber concluiu – ao contrário de Karl Marx (O Manifesto Comunista e o Capital) – que a religião exerce grande influência sobre a vida econômica das pessoas. Especificamente, afirmou que a ética calvinista e a teologia cristã, foram fatores “essenciais” no desenvolvimento do capitalismo do norte da Europa e dos Estados Unidos.

Weber constatou em seus estudos que um número desproporcional de protestantes estavam envolvidos com ocupações ligadas ao capital, à indústria e ao comércio: a fé calvinista estava presente onde mais se floresceu o capitalismo.  Os puritanos e grupos influenciados por eles formaram o pensamento de fazer do lucro e do ganho um “dever”. Precisavam trabalhar arduamente e ter uma rotina de vida disciplinada, apegada ao trabalho e valorizando a poupança.

A secularização do espírito protestante gerou a mentalidade burguesa e as realidades do mundo dos negócios, trazendo acúmulo de riquezas para todo o continente. Nos dias hodiernos, ainda gozando da maneira de pensar e fazer negócios de acordo com a doutrina calvinista, a Europa  tem colhido bons frutos na seara econômica  mundial. Segundo o site oficial da União Europeia [2],  embora a Europa seja apenas 7% da população mundial, o volume de sua trocas comerciais com o resto do mundo corresponde a cerca de 20% do volume de exportações e importações. Mesmo com o comércio afetado por  grandes recessões mundiais, como a crise de 2008, a UE continua ser a maior potência comercial do mundo, representando 16,4% das trocas internacionais.

A Transição Religiosa: aumento do Islamismo

Contudo, o Velho Continente vive uma grande transição religiosa em especial, com o crescimento do Islamismo, que poderá  ocasionar grandes mudanças no campo econômico ao longo  do tempo, assim como aconteceu com a Reforma Protestante, dado os princípios da economia islâmica fundamentados no Alcorão, na Sharia, na Sunna e no Hádices [3], conceitos diferentes dos ocidentais, mais pendentes à secularização  da economia, enquanto que nos países islâmicos a religião ocupa o papel principal.

Nesse contexto, o Islã favorece e fomenta as relações comerciais com base na criação de riquezas, apesar de reprovar seu excesso, condenando a usura e incentivando a transferência de fundos chamados Hawala. Baseada na lei Islâmica clássica,  com características próprias e diferenciadas da economia Ocidental, a economia Islâmica procura  o progresso econômico com um porém: acima do dinheiro, defende a moral e os valores muçulmanos.

Ahmed Mohammed Ali, primeiro presidente do Banco Islâmico afirmou em 1975: “Em momentos em que os líderes mundiais estão pedindo reformas financeiras, é conveniente contar com nosso sistema financeiro construído sobre bases éticas e morais”.

Em palestra para diplomatas, Rubens Hannun, vice-presidente de Comércio Exterior da Câmara Árabe falou sobre a participação do consumidor Árabe no mundo Ocidental, em especial no Brasil. Pontuou que até 2018, a participação desses consumidores no setor alimentício e de cosmético terá um crescimento de 50%. Acrescentou que no Brasil  há uma população jovem muito forte e que 52,5% da população Islâmica tem menos de 24 anos, com tendência a ter muitas pessoas economicamente ativas por muito tempo [4]. O estilo de vida muçulmano, maneira de se vestir, comer, entreter e fazer negócios, possivelmente terá seu lugar de destaque no mundo.

A fé que move a economia… 

Apesar de a Igreja Católica ainda ser maioria no mundo Ocidental, parte de suas pregações com teor opressivo foi abolido (por exemplo a venda de indulgências) face às pressões. Protestantes que ainda vem ganhando novos adeptos mas demonstra perda de fôlego  por conta de teologias como a “Teologia da Prosperidade”, na qual se faz barganha material com Deus.

[caption id="attachment_4601" align="aligncenter" width="600"]mapa relig Mapa: tudashalo.com[/caption]

O resultado disso é mostrado em um site cristão [5] que indica que somente na Alemanha, mais de oitocentas igrejas foram fechadas (muitas delas transformadas em casas noturnas) desde o início da década de 1990 até os dias de hoje. Um estudo realizado pelo Instituto Hudson em 2011 mostrou que na Holanda, onde surgiu a Igreja Reformada, havia mais de 4.200 igrejas cristãs em 2011. Estima-se que 1.400 delas não existirão mais até 2020. De 1970 à 2013 mais de 900 igrejas foram fechadas na Europa.

Em face à perda de fiéis a cada ano, a Igreja Católica tem dialogado mais com o mundo, mostrando-se mais tolerante e flexível comparando-a com o passado. Entretanto, segue preocupada pela perda anual de seguidores.

Segundo Slantiev Romano professor da Universidade Estatal de Moscou  e estudioso das religiões [5], esses dados mostram que apesar do esforço católico, há uma tendência do cristianismo ser “extinto” na Europa como parte de uma rápida mudança no mundo, dada a abrangente ocupação religiosa do Estado Islâmico, que traz  consigo, além da religião, o estado, a peculiar economia, a cultura e as leis.

Clóvis Yamamoto Graduando em Economia pela Unip Interativa, residente da cidade de Hamamatsu, Japão.

Fontes:   [1] http://lelivros.red/book/baixar-livro-a-etica-protestante-e-o-espirito-do-capitalismo-max- weber-em-pdf-mobi-e-epub/ [2] http://europa.eu/about-eu/facts-figures/economy/index_pt.htm [3] http://pt.reingex.com/Islam-Economia.shtml [4] http://anba.com.br/noticia/21866124/diplomacia/mercado-islamico-tem-oportunidades-crescentes/ [5] http://noticias.gospelprime.com.br/o-fim-do-cristianismo-na-europa/ [6] http://www.icatolica.com/2015/03/o-crescimento-do-islamismo-no-mundo.html Auxiliaram no trabalho de pesquisa para este artigo os seguintes links: www.monergismo.com/textos/calvinismo/calvinismo_alderi.html www.mackenzie.br/7076.html

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4 Comentários

  1. Clovis, bem interessante a sua abordagem, mas tenho algumas observações no que diz respeito ao catolicismo. A indulgência nunca foi sinônimo de perdão dos pecados. Esse só se obtém pela confissão. A indulgência é o que em teologia se chama de “remissão da pena temporal”. O que a Igreja Católica ensina é que o penitente que se confessa tem sua culpa perdoada, mas sobra uma “pena a pagar”, uma purificação espiritual que ocorre no purgatório. A indulgência é uma espécie de graça que anula essa pena. Para receber a indulgência, o fiel precisa cumprir uma série de normas (se confessar, ir à missa) e cumprir uma determinada obra, que pode ser espiritual (rezar o terço em família, ou visitar um cemitério e rezar pelas almas dos falecidos) ou temporal (contribuir financeiramente para uma obra específica). Foi justamente esse último caso que deflagrou a Reforma protestante, pois a Igreja estava reconstruindo a Basílica de São Pedro e precisava de dinheiro. A contribuição financeira para a construção era recompensada com a concessão de uma indulgência (desde que cumpridas as outras exigências que descrevi).
    É verdade, que, na Baixa Idade Média, houve quem pensasse que indulgência e perdão dos pecados eram a mesma coisa, mas essa interpretação chegou até a ser condenada em concílios. Então, se alguém tentava conseguir contribuições financeiras com esse argumento, estava indo contra a interpretação oficial da Igreja, que nunca ensinou ser possível “comprar o perdão dos pecados”.
    Quanto ao lucro, posso estar enganado (sobre as indulgências eu estou bem certo), mas a explicação que conheço é a de que a Igreja condenava a cobrança de juros numa época anterior à existência de bancos centrais e instituições semelhantes, uma época em que não existiria inflação e o dinheiro tinha sempre o mesmo valor. Quando o dinheiro começou a se desvalorizar, a Igreja passou a aceitar a cobrança de juros, mas seguia condenando os juros abusivos (onde estava o limite entre o aceitável e o abusivo já não sei dizer).
    Por fim, recomendo conhecer também a contribuição dos escolásticos da Escola de Salamanca para a teoria econômica. Se não me engano, tem um capítulo só sobre isso em “Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental”, de Thomas Woods.

    1. Prezado leitor Marcio! São construtivos e de grande valor os seus comentários detalhando e completando parte do raciocínio do texto, obrigado pela valiosa contribuição.

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