As crianças de hoje e o PIB do amanhã

2014 é um ano decisivo, temos eleições e a economia começa a perder um pouco a sua estabilidade, com um PIB desanimador e inflação acelerando. Ajustes rumo a uma macro mais estável são necessários. Contudo, apenas estabilidade macroeconômica não basta para o Brasil. Precisamos realmente começar a nos preocuparmos com nosso crescimento de longo prazo, a nação que queremos nos próximos 50 anos e não no PIB dos próximos 5. Não me entendam mal, tal debate é importantíssimo, mas pensar o futuro é imprescindível; caso contrário, sempre seremos o cachorro correndo atrás do rabo, isto é, o país do futuro inalcançável.

Não vou reinventar a roda nesse texto, e muito menos ficar discutindo as minúcias dos modelos de desenvolvimento econômico. Quero apenas mostrar que estamos longe do caminho correto, considerando que ainda estamos sentados na areia da praia e nem a prancha pegamos para tentarmos surfar a onda de um futuro mais próspero. Mas qual a melhor prancha para surfar um futuro melhor? Para mim, a educação é preponderante, é com base nela que políticas de desenvolvimento de tecnologia e inovação serão delineadas e concretizadas. É por esse sistema que se cria o famoso capital humano. Em termos simplórios, formam-se os cérebros do país. E são exatamente essas mentes que nos fazem surfar a comentada onda.

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Estamos bem longes de formar cérebros tanto em quantidade quanto em qualidade. A melhor universidade pública da nação, a USP, está enfrentando uma das piores crises financeiras de sua história, sendo que apenas a folha de pagamento consome 105% do orçamento planejado para 2014. Em outras palavras, não há dinheiro para absolutamente nada a não ser o pagamento de seus funcionários. E ciência, que aliás é um dos ramos mais intensivos de capital, custa bem caro Equipamentos de ponta e um arcabouço remunerativo decente para pesquisadores são necessários, além de apoio financeiro aos estudantes. Afinal, ir para o mercado de trabalho acaba sendo bem mais rentável que uma vida acadêmica, logo incentivos positivos são de essencial importância.

O programa Ciência sem Fronteiras, anunciado com pompa e circunstância, patina. Grande parcela das vagas não foram preenchidas, devido a falta de alunos qualificados. Além disso, muitos não possuem proficiência em nenhuma língua estrangeira e o governo tenta desesperadamente ensinar inglês nas universidades federais, para ver se “fecha a conta” e consegue enviar mais estudantes. O retorno real dessa política só será conhecida nos próximos anos.

A educação superior mesmo indo mal, vai bem em relação a básica. Enquanto a educação universitária brasileira é medíocre, a básica é lastimável. Nossos resultados no teste PISA[1] comprovam isso: em matemática somos piores que países como Albânia. No entanto, é nesse setor que existe o maior gap nacional na produção intelectual. Sim, as crianças brasileiras são certamente o nosso maior gargalo para a formação de capital humano, tão necessário para o desenvolvimento econômico.

Em um trabalho, inclusive vencedor da medalha Frisch[2] o brasileiro Flávio Cunha junto com o vencedor do prêmio Nobel de economia James Heckman, tiveram descobertas interessantes sobre o desenvolvimento de habilidades cognitivas e não cognitivas em crianças de 0 a 15 anos. O que o trabalho mostra é que tais habilidades são mais baratas e fáceis de serem desenvolvidas quanto mais nova for a criança. Ou seja, garantir uma iniciação escolar de qualidade e um ambiente estável para a criança se desenvolver intelectualmente é um fator primordial. A conclusão do trabalho de Cunha e Heckman é que as políticas educacionais e sociais devem ter maior atenção com as crianças, principalmente aquelas em estágios iniciais de desenvolvimento educacional.

Mas o Brasil parece que andou se esquecendo da educação infantil, visto que o investimento em porcentagem do PIB pouco aumentou (0,2%, entre 2000 e 2011). No mesmo período, a educação básica aumentou 1,2%, um desempenho medíocre. O governo federal deveria prestar mais atenção na educação básica. Crianças melhores preparadas serão universitários com desempenhos melhores. Em outras palavras é preciso investir melhor em todos os campos da educação, mas o foco principal deve ser a criança. Afinal, ela é o cidadão de amanhã.

[caption id="" align="aligncenter" width="676"]Recursos_-_Investimento_direto_em_Educação_Básica_(%_do_PIB) Evolução do investimento em educação % do PIB. Fonte: ONG todos pela educação[/caption]

Com um cenário de eleições a caminho, onde o debate econômico vai dominar as principais propostas dos candidatos, a educação como principal arma para o desenvolvimento econômico também deve ser discutida. Afinal, não é preciso ser economista e entender os modelos de crescimento endógeno para saber que cérebros são de extrema necessidade para um país melhor, mais digno.

Notas:

[1] O PISA (Programme for International Student Assessment) é uma prova aplicada a alunos de 15 anos em mais de 30 países para avaliar desempenhos em línguas, matemática e ciências.

[2] Para maiores informações sobre o trabalho vencedor da medalha Frisch acesse: http://heckman.uchicago.edu/

Victor Candido de Oliveira 10170219_10203335365288648_276252663_o

Victor Candido

Mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB). Economista pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Foi economista-chefe de uma das maiores corretoras de valores do país, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento e atualmente é sócio e economista de uma gestora de fundos de investimento. Foi pesquisador do CPDOC (O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da FGV-RJ. Ajudou a fundar o Terraço Econômico em 2014.

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