Carta aberta a Eduardo Cunha

Terraço Econômico | por Alípio Ferreira Cantisani

Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados Nobre Deputado Eduardo Cunha,

Fiquei sabendo que se está planejando pôr em votação uma reforma política, e gostaria de compartilhar uma proposta que desenvolvi após muita reflexão, e que aprimorará imensamente a democracia na Pátria Educadora. Sei que Vossa Excelência há de ser sensível a argumentos tão penetrantes como os que abaixo expor-se-ão.

A Câmara dos Deputados tem por intuito representar a população dos diversos Estados do Brasil. No entanto, como se sabe, o número de deputados por Estado não corresponde ao tamanho do Estado: para a maioria dos Estados, a sua proporção de assentos na Câmara é superior à sua proporção de eleitores no total do eleitorado brasileiro. A tabela abaixo ilustra esse fenômeno já familiar. Se a proporcionalidade da população fosse perfeitamente respeitada, a coluna “proporção de assentos/proporção na população” teria o valor 1 para todos os Estados.

Table 1

O sistema eleitoral brasileiro dá peso maior ao eleitor dos Estados pequenos, em detrimento, principalmente, do Estado de São Paulo. Com 22% do eleitorado, São Paulo somente tem direito a 14% dos assentos na Câmara. Enquanto isso Roraima, que possui somente 0,2% do eleitorado brasileiro, elege 1,6% dos deputados da Câmara, sete vezes a proporção. Contrariando a sabedoria popular, na Câmara dos Deputados o Acre existe: existe na Câmara quatro vezes mais do que na população brasileira.

Como se sabe, essa distorção tem como intuito compensar os Estados fracos e oprimidos por sua fraqueza econômica, dando-lhes um peso maior na pugna política! O Estado “rico”, São Paulo, não pode se queixar: o princípio da igualdade, da amizade, da doçura e da bondade devem prevalecer. Até aí estamos de acordo. Entretanto, nobre deputado, essa regra possui uma injustiça crônica, e é urgente que seja alterada. Explico.

O Estado de São Paulo, por sua pujança e história, sempre atraiu vultosa quantidade de migrantes de outros Estados. Esses migrantes, que tanto fizeram pelo Brasil, são punidos pela regra eleitoral, subtraídos de seu direito metafísico à sobrerrepresentação no Congresso brasileiro. Segundo as regras absurdas hoje em vigor, o migrante que se instala em São Paulo é forçado a aceitar que seu voto valerá igualmente ao voto de um eleitor paulista.  Seu voto não terá mais o peso correto, aquele peso que, por direito congênito, merece. Será justo que um cidadão do Piauí tenha que abdicar pela metade do seu direito de votar somente pelo fato de que migrou para São Paulo? Como impor esse dilema moral a um cidadão do Tocantins, cujo voto vale quase quatro vezes o voto de um paulista?

A tabela abaixo mostra quanto vale o voto de um eleitor em cada Estado, com relação ao voto do eleitor de São Paulo. Assim, o número 1,5 ao lado do Pará significa que o voto de um eleitor paraense vale 50% mais do que o voto de um paulista na eleição para a Câmara dos Deputados.

 Table2

São duras as escolhas que nossa democracia impõe aos cidadãos. Minha proposta de reforma política visa corrigir essa hecatombe moral.

A ideia é simples: se um cidadão resolver deixar sua vida no estado de origem para instalar-se, por exemplo, em São Paulo, terá direito de manter o peso do voto que possuía na terra natal. Assim, por exemplo, se um sul-matogrossense decidir instalar-se em São Paulo, seu voto valerá por duas vezes o voto do paulista nativo. O voto do roraimense que habitar São Paulo valerá três vezes e o voto do amapaense oito vezes! Pode-se por exemplo, permitir que o indivíduo aperte oito vezes “confirma” na urna eletrônica.

Perceba que dessa forma o Brasil garantirá que o direito dessas populações de serem sobrerrepresentadas no Congresso não lhes seja ceifado somente porque duras circunstâncias as obrigaram a deixar sua casa em busca de uma vida melhor.

Claramente, para que essa reforma funcione, será preciso ampliar o número de deputados representantes do Estado de São Paulo. Creio que essa proposta também encontrará eco na consciência de Vossa Excelência, pois ampliará consideravelmente a quantidade de vossos súditos. Como aumentaria o número de deputados? Muito simples.

Segundo cálculos com base na PNAD 2013, a população do Estado de São Paulo é composta de 22% de imigrantes de outros Estados. Se cada um desses migrantes pudesse manter o poder de voto que ganharam ao nascer, o número de deputados de São Paulo passaria de 70 para 82! Observo que a proporção de São Paulo na Câmara continua inferior à sua proporção na população nacional, salvaguardando esse princípio sagrado de nossa democracia.

A tabela a seguir mostra a proporção de migrantes no Estado de São Paulo, ao lado do número de deputados que esses cidadãos têm direito a eleger, mas são impedidos de fazê-lo pela regra atual. Ao final, vê-se o total de deputados de São Paulo que resultaria na nova regra.

 Table 3

Por fim, é óbvio que não é desejável nem justo que esses migrantes sejam obrigados a selecionar representantes paulistas. Deve-se, portanto, instituir uma política de cotas de deputados federais, condizente com a distribuição do eleitorado. Assim como 5% dos cidadãos habitantes de São Paulo são baianos e o peso do voto do baiano é 1,8 vez o voto do paulista, 9% (5% X 1,8) dos deputados de São Paulo também terão que ser baianos (no mínimo!), e assim por diante.

Estou seguro de que Vossa Excelência compreende os benefícios que essa reforma trará à nossa democracia, interrompendo a atual situação, temerária, de privar de um cidadão sua justa representatividade no Congresso Nacional.

Com meus mais sinceros protestos de estima, e votos de que faça um bom mandato como presidente, subscrevo-me,

Alípio Ferreira Cantisani 1624995_10203286414704914_1165158734_o

Alípio Ferreira

Formou-se em economia pela EESP-FGV, onde desenvolveu sua paixão por números primos e poesia alemã. Foi editor-chefe da revista Gazeta Vargas, associação cultural formada por alunos das escolas de Administração, Economia e Direito da FGV-SP. Escreveu um artigo sobre plebiscitos suíços no Valor Econômico e foi funcionário público. Almeja glória e poder para todo o sempre. Hoje é mestrando em economia na Universidade de Tilburg, nos Países Baixos. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2017.

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