Consequências do reajuste do IPTU em São Paulo

Você no Terraço | por Yuri Batista

Com a recente anuência do Tribunal de Justiça de São Paulo ao reajuste de IPTU proposto pela Prefeitura de São Paulo, a discussão sobre o aumento do imposto nas regiões centrais voltou a vigorar no debate público. É preciso esclarecer muita coisa para que o debate não seja movido por interesses escusos como foi no ano passado.

Primeiro, quando a Prefeitura anuncia um aumento médio de X% no seu distrito, não significa que esta será a variação em seu imóvel. A divulgação da Prefeitura ocorre tomando a média das variações no seu bairro e, como se sabe, a desigualdade dentro dos bairros é gritante. Basta tomar como exemplo o Morumbi, onde o aumento médio é de 10%, mas abarca desde imensos casarões até a favela de Paraisópolis. Se a Prefeitura fez bem seu dever de casa, os imóveis antigos ou precários, mesmo dentro de bairros ricos, deverão ter estabilização do imposto ou até mesmo redução, ficando o aumento destinado a quem está em imóveis valorizados.

Este problema na interpretação seria suprimido se a Prefeitura publicasse o aumento médio por quadras fiscais em vez de bairros, pois então poderíamos saber com maior exatidão quem arcará com os aumentos e com as reduções. Sem este conhecimento, qualquer profecia de que o IPTU expulsará as famílias mais pobres do centro da cidade poderá estar tão correta quanto a queda do avião na Avenida Paulista.

Segundo, é temerário defender que o custo de vida no centro da cidade aumentará por conta desta variação de IPTU. Notícias de alguns veículos da imprensa parecem usar depoimentos isolados para tomar o todo[i]. Nestas notícias, os comerciantes, em tom apocalíptico, especulam falência de seus negócios ou aumento nos preços dos produtos por conta de um reajuste que eles ainda nem sabem exatamente de quanto será (pelos motivos expostos acima). Mas basta tomarmos como evidência o ano de 2010, quando o ex-prefeito Gilberto Kassab aplicou (corretamente) o aumento de até 45% no IPTU na cidade toda, para lembrar que não tivemos notícias de negócios falindo em massa ou preços de produtos da cidade subindo acima da inflação. Se preferir evidências mais científicas, estudos econométricos como de Mark e McGuire (2000) e Dye et. Al. (1999), que não encontram impactos relevantes do imposto de propriedade na atividade comercial em Chicago e Washington, podem lhe interessar.

Chama a atenção, contudo, que em 2009-2010 a imprensa não tenha dado mesmo tratamento ao reajuste e, inclusive, tenha subsidiado o período com matérias sobre a valorização imobiliária e a importância da revisão da Planta Genérica de Valores (que de fato é necessária)[ii], mesmo em um contexto de aumento geral do imposto – diferente de hoje, pois metade dos bairros observará redução média. Além disso, vereadores críticos ao reajuste de até 35% do atual prefeito por considerá-lo “abusivo” votaram a favor do aumento de 45% do IPTU na gestão Kassab. Como se vê, há muito mais em jogo do que somente o interesse do contribuinte.

Terceiro, é preciso considerar um aspecto do IPTU pouco difundido aqui no Brasil: a capitalização. Melhor conhecida nos Estados Unidos, Canadá e Austrália, a capitalização é a redução do preço do imóvel por conta do aumento do valor do imposto de propriedade. Talvez seja complicado entender a primeira vista, mas vamos lá: como o imóvel é um investimento que gera rendimentos ao proprietário (como aluguel, valorização, usufruto de serviços públicos etc), sua taxação diminui as expectativas de ganhos futuros, reduzindo, então, seu valor de mercado no presente. É como se o imposto tornasse o imóvel menos atrativo, ou, no outro extremo, como se você tivesse que pagar um “prêmio” ao mercado por pagar menos IPTU. Quanto maior a taxação, portanto, menor o valor de mercado do imóvel; e quanto menor a taxação, maior será seu valor. Como o aluguel é uma função dos preços de imóveis, então o aumento do IPTU também deverá reduzir os preços de locação na cidade.

[caption id="attachment_2262" align="aligncenter" width="550"]Quem paga mais e quem paga menos nesta selva de pedra? Quem paga mais e quem paga menos nesta selva de pedra?[/caption]

A capitalização não é um fenômeno meramente teórico ou muito menos retórico. Ela é amplamente evidenciada[iii] por quase meia centena de estudos que foram publicados desde a década de 70 até a atualidade nas mais prestigiadas revistas de economia do mundo, como a American Economic Review, o Journal of Political Economy e o Journal of Urban Economics. Não por acaso, a China (que não possui imposto de propriedade) atualmente discute a instituição de um imposto em nível nacional tendo como um dos argumentos a contenção da excessiva valorização dos imóveis de lá, que vem gerando grandes problemas sociais.

Dito isso, é preciso entender que a proposta do Fernando Haddad é boa onde todos a criticam e ruim onde todos a elogiam. Aumentar o IPTU nas regiões centrais de São Paulo tornará os preços de imóveis e aluguéis mais amenos, facilitando a compra ou locação às famílias de renda baixa e média nessas áreas. Bom para o paulistano, bom para a cidade, que assiste cada vez mais um número maior de pessoas sem moradia por conta dos preços abusivos dos imóveis.

Por outro lado, reduzir ou isentar o IPTU de imóveis de baixo valor não vai melhorar necessariamente a vida de seus residentes: com a capitalização, o valor de compra e locação destas propriedades vai se apreciar, tornando ainda mais difícil o acesso à moradia justamente das famílias de menor renda, que agora precisam de mais capital para servir de entrada na compra ou de mais rendimento para arcar com o aluguel valorizado[iv]. Isto sem contar os vários contribuintes que poderiam pagar o imposto mas ocupam imóveis isentos por problemas de avaliação da Prefeitura. Péssimo para o paulistano, péssimo para a cidade, que além de prejudicar milhões de famílias e incentivar o processo de favelização, também arrecada menos para investir na cidade.

Note que o fenômeno da capitalização nos diz que, com ou sem aumento, você pagará o imposto de qualquer maneira: se não pagar para a Prefeitura, vai pagar para o mercado na forma de imóveis e aluguéis mais caros – não há muita escapatória. No caso em particular, as isenções de IPTU transferem o dinheiro antes destinado à Prefeitura para o mercado, enquanto o aumento de IPTU transfere o seu dinheiro do mercado para a Prefeitura. É quase uma questão de para quem você prefere pagar[v].

É difícil culpar o prefeito Fernando Haddad ou qualquer outro prefeito por não levar em conta a capitalização na revisão do IPTU. No Brasil praticamente inexiste estudos a respeito, provavelmente devido nossa negligência histórica com o imposto de propriedade. O prefeito está tomando a decisão equivocada ainda que com as mais louváveis intenções.

Qual é, então, a ação adequada para o IPTU? No caso, para evitar os efeitos perversos da capitalização, o correto seria fazer como fez o Kassab: aumentar o IPTU de toda a cidade. Porém, para evitar os problemas de moradias e para ser minimamente justo com quem está desprovido de boas condições financeiras, deveria ser concedida uma isenção ou abatimento às famílias conforme sua renda, e não o valor de seu imóvel. Como a capitalização só ocorre se o benefício é concedido ao imóvel, quando a isenção for destinada à família, a capitalização deverá inexistir.

Obviamente, este deveria ser um benefício condicionado à comprovação de real necessidade. Uma possibilidade seria introduzir, em paródia ao Programa Bolsa Família, condicionalidades urbanas para a concessão do benefício, como exigência de separação do lixo, participação em cursos de mitigação de riscos de deslizamento e alagamento ou mesmo as condicionalidades tradicionais do Bolsa Família (educação, trabalho e saúde).

Desta maneira, a cidade inteira ficaria com preços de imóveis e aluguéis menos exorbitantes, as famílias mais pobres teriam maior capacidade de arcar com os custos de aluguel ou compra de imóvel, a Prefeitura teria mais recursos para investir na cidade e ainda, de quebra, alguns problemas urbanos poderiam observar melhora pela instituição das condicionalidades. Precisa mais?

Yuri Batista mestre em Administração Pública pela FGV-SP 1624995_10203286414704914_1165158734_o

As opiniões aqui emitidas são de responsabilidade dos autores [i] Alguns exemplos: (1) http://www.estadao.com.br/noticias/geral,bairros-com-iptu-maior-terao-menos-investimento,1600146 ; (2) http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/11/1555252-iptu-mais-alto-no-centro-velho-pode-mudar-perfil-de-moradores.shtml (3) http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/11/1555253-pago-iptu-pra-ter-isso-diz-comerciante-paulistano.shtml (4) http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,nao-sobreviverei-por-muito-tempo-diz-empresaria-sobre-iptu,1598546 ; (5) http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,vai-ficar-inviavel-morar-no-centro-diz-morador-sobre-alta-do-iptu,1599097 (6) http://noticias.r7.com/sao-paulo/haddad-escondeu-recurso-extra-de-r-748-milhoes-02122014. [ii] Alguns exemplos: (1) http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1410200901.htm ; (2) http://noticias.band.uol.com.br/cidades/noticia/?id=224905 ; (3) http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL1341547-5605,00-KASSAB+ESTUDA+ENVIAR+A+CAMARA+REAJUSTE+DO+IPTU+DE+FORMA+GRADUAL.html ; (4) http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1410200902.htm (5) http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL1341952-5598,00-KASSAB+DEFENDE+REAJUSTE+DO+IPTU+MAS+NAO+DEFINE+VALOR.html. [iii] Escrevo “evidenciado” apenas para cumprir com o rigor científico. A grande maioria dos estudos demonstra a existência da capitalização do imposto nos preços de imóveis. A incerteza está quanto ao grau de capitalização (quanto do imposto é de fato revertido nos preços dos imóveis), que em média nos estudos oscila entre 60% a 80%, ou seja, uma capitalização próxima da integral. Sirmans, Gatzalf e Macpherson (2008) fazem uma excelente revisão de literatura sobre o tema e Yinger et. al. (1988) demonstram como os poucos estudos que não encontraram evidências de capitalização na verdade possuíam estimadores enviesados. [iv] Isto pois a capitalização é integrada no valor presente do imóvel considerando um horizonte de tempo de, digamos, 40 anos e uma taxa de juros i enquanto o aluguel é pago mensalmente considerando um horizonte de tempo bem menor (normalmente 2 anos e meio). Assumindo capitalização próxima da integral, o inquilino terá uma apreciação do aluguel considerando a valorização dos 40 anos do imóvel sem IPTU. Ou seja, o aumento do aluguel será maior que o desconto concedido de IPTU. [v] Para aqueles com maior preocupação econômica, ainda carecemos de evidências empíricas de que o imposto de propriedade inibe a atividade das construtoras de maneira relevante por reduzir o lucro delas com a capitalização. Basta notar que nos EUA o valor pago de IPTU é cerca de cinco vezes maior que o nosso e o mercado de imóveis lá, salvo em períodos excepcionais, funciona muito bem. Naturalmente, todo imposto deve ter um limite – e no Brasil estamos bem longe dele, graças à histórica baixa tributação da propriedade e do patrimônio no país. Referências: Mark and McGuire.The Influence of Taxes on Employmentand Population Growth: Evidence fromthe Washington, D.C. Metropolitan Area. National Tax Journal. March, 2000. Dye, McGuire and Merriman.The Impact of Property Taxesand Property Tax Classification on BusinessActivity in the Chicago Metropolitan Area.Lincoln Institute of Land Policy Working Paper. 1999 Sirmans, Gatzalf and Macpherson.The History of Property Tax Capitalization in Real Estate.Journal of Real Estate Literature. 2008. Yinger, Bloom, Borsch-Supan, Ladd. Property Taxes and House Values: the theory and estimation of intrajurisdictional tax capitalization. 1988.

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Um Comentário

  1. O texto não tratou as consequencias, apresentou a ideia de capitalizaçao que não existe no Brasil, seria melhor ideia do fim da corrupçao, tbm inexistente, a realidade é que aqui no santo amaro aumentando 1c ou 1000$ esse puto vai tira mais dinheiro do meu bolso e minha rua vai continuar esburacada cheia de lixo

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