Conservadorismo: anos 30 vintage grand cru

Rafael Kasinski  

Is not easy no: a onda vintage que assola o mundo não pára. Assim como o Michael Bublé, os anos trinta continuam seduzindo incautos, e nós, Os Razoáveis, permanecemos atônitos e comatosos. Talvez seja muita presunção do presente autor incluir-se num grupo denominado Os Razoáveis, mas é difícil aplaudir a volta a um passado cujas lembranças são no mínimo assombrosas.

Como já conhecemos o desfecho dos anos 30, é muito fácil para nós, gente prafrentex, dilapidar posições políticas diferentes das nossas. Podemos facilmente apontar a agenda de um Donald Trump e advinhar com um grau de acerto apreciável os possíveis resultados: pogroms contra muçulmanos, um aumento na aceitação de homofobia e machismo, violência pontual (e eventualmente sistemática) contra bodes expiatórios do momento; e o fechamento de economias por meio de tarifas e leis protecionistas que juntar-se-á a uma guerra cambial para ver quem tem a moeda mais desvalorizada da galáxia. É fácil, mas não quer dizer que os que são fãs de um Trump, uma Le Pen ou um Bolsonaro estejam perdendo sono por causa disso.

Pois perderão sono por quê? Vislumbre a preocupação de Marine Le Pen quando esta futura presidente da França vir à Assembléia aprovar a deportação de cidadãos franceses para “suas terras”. Imagine as olheiras oriundas da mais profunda preocupação postadas na cara de Jair Bolsonaro (que perderá, mas sairá fortalecido da eleição de 2018) quando ele vir seu primeiro projeto de lei aprovado, no qual o Brasil poderá adotar sentenciamento mínimo mandatório (Mandatory Minimum Sentencing), um desastre legal nos EUA que faria a cabeça de Bolsonettes Brasil afora. Nenhum desses políticos -fantasmas passados que hoje tomam forma- deixará de atender aos anseios escrotos de seus eleitorados. O problema é que esses anseios têm fundamento e inúmeros progressistas (os prafrentex supramencionados), seja por falta de empatia, seja por ignorância, simplesmente não aceitam esse fato da vida.

O primeiro problema é econômico: as pessoas precisam poder pagar suas contas e ter algum dinheiro sobrando para cuidar de suas vidas e viver com algum conforto. Isso tornou-se extremamente difícil para muita gente em países como Brasil, EUA e França nas últimas décadas por várias razões; não há espaço para detalhes, mas há espaço para constatar o óbvio, a saber, que nêgo fica puto quando está sem grana e sem esperança. Simples assim. O que inúmeros progressistas não entendem é que essa raiva é válida para pessoas de qualquer classe social, detentoras de qualquer quantidade de melanina na pele, oriundas de qualquer parte do mundo, seguidoras da crença que for. E do mesmo jeito que não entendem isso, não entendem que a solução para esse problema não é “A Revolução”, e sim uma economia que de fato funcione.

A galera prafrentex, assim como eleitores de Trump, tem ojeriza a fatos. Os socialmente liberais não gostam muito de atender a realidades contábeis, por exemplo: pensamos que fechar as contas é mera ilusão ideológica, propagada por inimigos d’O Povo. Também tendem a achar que a solução aos problemas do mundo passa por juntar governo, sindicatos e empresários, fazer todos darem as mãos e chegar a um acordo e tchans! Luiz Gonzaga Belluzzo é fã inveterado dessa ideia completamente facista, mas é aplaudido pelos progressistas porque é tudo “em nome dos pobres”.

Em nome dos pobres, os bravos guerreiros d’O Povo demandam suas ciclofaixas e seus corredores de ônibus (caso de São Paulo, capital). Faz perfeito sentido, já que a impossibilidade de se locomover plenamente em cidades como São Paulo ajuda a perpetuar a pobreza. Vá falar isso pro pedreiro João, cuja impossibilidade econômica de se importar com isso (como todo pobre, o hipotético João se importa com o dia de amanhã e não os próximos cem anos) o torna um eleitor de empresários playboys supostamente reacionários.

Nos EUA, quem só se dá mal economicamente desde pelo menos 2000 se cansou de ouvir que a economia do país estava melhorando. Os números até podiam ser positivos, mas o eram para um número reduzido de pessoas. O fato é que os EUA são um país pós-industrial cujas maiores empresas hoje empregam 3.000 pessoas e não 250.000, como fazia a Ford nos anos 50. Há todo um grupo demográfico de brancos pobres que só se dão mal economicamente há décadas. Como são o maior grupo demográfico dos EUA, fizeram a diferença nestas eleições.

Enquanto progressistas dizem preocupar-se com os pobres e oprimidos do mundo, populistas do tipo anos-30-vintage Gran Cru (Donald Trump, Marine Le Pen, Nigel Farage no Reino Unido) oferecem suas soluções. Nenhuma é boa, nenhuma dará certo, mas suas soluções trazem esperança. Também trazem segurança, pois permitirá a seus eleitores vingança contra bodes expiatórios. É o fundo do poço moral e cívico de um país, mas é o que se escolhe quando não parece haver alternativa, em especial quando progressistas, todos associados à esquerda, não conseguem oferecer uma solução econômica viável.

Há também a questão social. Essa perde de goleada para a questão econômica, mas possui uma importância inegável. Uma parte dessa importância passa pela vergonha que progressistas imputaram a atitudes racistas, machistas, homofóbicas, etc. ao longo dos anos. Para dar um exemplo: tratou-se a aversão aos LGBTQs deste mundo como algo anormal, numa completa inversão dos valores antes predominantes. Foi uma tática louvável e muito mais interessante que a que temos no Brasil, onde é jogado em cana quem é escroto. Contudo, mais hora menos hora viria a reação. Ela já chegou nos EUA e chegará em breve ao Brasil, seja com Geraldo “Opus Dei” Alckmim, seja com Jair Bolsonaro, presidente de fã clubes dos monstros deste mundo.

Há uma certa miopia dos progressistas vis-à-vis a realidade. Muitos pensam que onde alguém pode ou não mijar é mais importante que fechar as contas. Ter as contas em dia preclude tudo: questões de gênero, relações entre raças e etnias, entendimento entre diversos grupos religiosos, o fim do machismo. Se o balanço não fecha, cedo ou tarde tudo irá por água abaixo. A versão in extremis disso são casos como Zimbábue e Venezuela, mas o Brasil presente não deixa a desejar. Uma economia permanentemente em déficit, com desemprego em massa e um custo de vida que alta porcentagem da população não consegue bancar, aniquila qualquer possibilidade de progresso na área social.

O problema é que mesmo se a economia estiver de fato nos trilhos, haverá um obstáculo intransponível entre progressistas e conservadores: religião. Na verdade, há um embate entre religiões: muitos progressistas acreditam piamente no poder do Estado de fazer o bem porque é benévolo, enquanto inúmeros conservadores acreditam em contos de fada como Deus, a Santa Trindade, a ida de Maomé ao céu via um cavalo com asas, o eventual retorno do Messias, etc. Invariavelmente, religiões entram em conflito umas com as outras, já que, por definição, apenas uma delas pode estar correta. Ademais, como todas fazem previsões fantasiosas sobre o futuro, nós, Os Razoáveis, somos obrigados a esperar uma eternidade para ver quem está certo. Faremos o paraíso na terra com o Novo Homem? O Fim dos Dias dar-se-á? Deus exterminará os infiéis?

O triste fato que 2016 trouxe à tona é que poucos se salvam nesse história toda. Nós estamos num entrave onde diversos lados não falarão uns com os outros, pois vêem inimigos por toda a parte. A economia do mundo sofrerá um revés colossal nos próximos anos, assim como todas as conquistas sociais que vimos desde 1968. Já que os benefícios do capitalismo, mesmo que indubitáveis, não chegam a todos de forma rápida e eficaz, viveremos agora mais uma era de incerteza, violência e decisões baseadas em crença. Os Trumpistas e Bolsomínions deste mundo pouco se importam, já que Deus os protege. Todavia, progressistas precisam urgentemente sair de suas bolhas e perceber que essa avalanche de atraso é em parte sua culpa. O tempo, como diria Cazuza, não pára.

Rafael Kasinki, é músico formado na Berklee College of Music, paga de entendido e tem 35 anos. Agradecimentos a Rui Kertzer por ajudar na revisão

Rafael Kasinski

Formado em composição popular pela Berklee College of Music, Boston, EUA, é produtor musical, vocalista, locutor e ex-baterista. Está atônito de ainda poder publicar no Terraço Econômico. Interessa-se principalmente pela (falta de) racionalidade no discurso público e na vida individual das pessoas. Deu aula durante anos e ficou muito mal impressionado com as decisões que cidadãos tomam, ou deixam de tomar. Ocasionalmente discute música, em especial Prince e King Crimson e a importância de dançar.
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