Copa do Mundo e eleições se conversam?

A Copa do Mundo teve um final feliz para os alemães. Os sete passos dados pela atual seleção campeã foram de uma maestria indiscutível. Apesar de em certos momentos apresentarem um futebol abaixo do potencial, sempre foram competentes para ganhar mesmo que por placares magros. Foi assim contra a Argélia e França após se classificarem em primeiros na fase inicial da competição. Contra nós, os donos da casa, não se deram por intimidados. Passaram por cima como um trator: goleada de 7×1. Na grande final, clássico contra a Argentina que já decidiu outras duas decisões (um caneco para cada lado). O legado de bons jogadores tinha que ser premiado. Dessa vez, os deuses do futebol foram justos (se é que existe isso) e ganhou a melhor e mais preparada seleção. Ainda com gostinho especial para eles, pois, além do título, Klose, atacante alemão, passa a ser o maior artilheiro em Copas, passando nosso “Cascão”, também conhecido como Ronaldo ou Fenômeno. Festa em Berlim.

Passados a euforia da Copa, o clima de festa e os choros de tristeza pela derrota na semifinal (e de alegria pelo vice da Argentina), o que resta para nós brasileiros? A vida tem que seguir. Vida que segue e nos leva a pensar no próximo grande evento que afetará nossas vidas por pelo menos 4 anos: as eleições. Aliás, impossível não conectar os dois eventos e pensar nos efeitos dessa goleada nas eleições desse ano. Inevitável também não ouvir uma piadinha como “enquanto o PT estava no poder, o Brasil nunca foi campeão” ou “quando o FHC era presidente, ganhamos da Alemanha e fomos campeões”. No entanto, correlação não é causalidade e as semelhanças param por ai.

fhcFHC e a equipe campeã de 2002

Ainda é cedo para dizer alguma coisa, mas a maioria dos cientistas políticos acredita que os efeitos serão residuais nas eleições. Como num jogo de futebol, em uma competição tão acirrada entres os candidatos, qualquer lance pode ser decisivo. No caso, o 7×1 poderia ser esse lance decisivo a favor de Aécio Neves ou Eduardo Campos. Mas o histórico mostra que provavelmente não. Talvez se a oposição conseguisse conectar o fracasso dentro de campo com o que acontece nos bastidores de Brasília. Pouco provável.

Por outro lado, Dilma Rousseff tentou se aproveitar dessa conexão mínima quando a seleção estava bem na competição ao anunciar que iria entregar a taça para o campeão. Imaginava que o Brasil chegaria lá: quebrou a cara. Sorte que a Alemanha ganhou. O constrangimento poderia ter sido maior se a Argentina tivesse ganhado (ainda bem que não ganhou!). Arriscou relacionar futebol e política, quando devia deixar as coisas como são: sem relação alguma. Tudo bem, “são os ossos do oficio” como comentou a presidente se referindo as vaias que recebeu na abertura do Mundial [1]. Mas como naquele momento que evitou aparecer, poderia fazer o mesmo no encerramento do evento.

dilmatoisDilma e sua desastrosa estratégia de se aproximar do futebol. Fonte: Jornal Estado de São Paulo

Apesar desse embaraçoso episódio para Dilma, como dito antes, o efeito deve ser residual. No máximo, o que pode acontecer é uma queda da popularidade de Dilma em uma pesquisa de opinião ou outra. Assim como houve, na última divulgação da pesquisa DataFolha, uma pequena recuperação de sua popularidade provavelmente devido ao desempenho da seleção. Ela cai, volta, sobe mais um pouco.. Não será isso o determinante para as eleições. O povo brasileiro já é desenvolvido o suficiente para conseguir distinguir as coisas: Copa e eleição não se misturam. Como bem apontado pelo jornal Valor Econômico: “Isso aconteceu em 1998, quando Fernando Henrique Cardoso se reelegeu no primeiro turno, apesar de uma derrota desconcertante nos campos da França, e em 2002, quando o candidato governista José Serra perdeu para o PT. Luiz Inácio Lula da Silva foi reeleito em 2006, na sequência de uma derrota da seleção na Copa, e o “poste” Dilma Rousseff ganhou em 2010, apesar do vexame da seleção de Dunga na África do Sul.” [2]

No entanto, o legado da Copa não será completamente nulo, principalmente na economia. Não entrarei em detalhes ou comentários como “as arenas construídas foram elefantes brancos e deixaram dívidas enormes”. O tamanho desses gastos é irrisório quando comparamos com o dos outros como o da Previdência ou o dos subsídios do BNDES. (Quem tiver mais interesse sobre o assunto deixo o link do artigo do Mansueto Almeida que comenta o aumento explosivo dos gastos nas contas públicas [3]). O que realmente será relevante são os efeitos de curto prazo, mais precisamente para esse ano e que afetarão indiretamente as eleições. São eles: atividade e inflação.

Os 7×1 não foram só dentro de campo. Estamos perdendo também de goleada fora. Quase 7% de inflação e 1% de crescimento. A última divulgação do índice oficial de inflação (IPCA) trouxe o número acumulado de 12 meses para cima do teto da meta de inflação, 6,52%. A Copa do Mundo claramente teve efeito sobre os preços de muitas coisas durante esse mês. O aumento de alguns itens foi tão absurdo que em alguns lugares foram criados eventos para denunciar o abuso dos estabelecimentos. Um deles, criado no começo do ano, foi o Rio Surreal, no qual se denunciava os preços abusivos principalmente de alimentação em quiosques. Um suco de melancia chegava a custar quase duas vezes o normal, R$11,10. Embora entenda que alguns itens como passagens aéreas e hotéis voltarão aos seus preços originais, outros como alimentos em restaurante ou até mesmo outros serviços não cederam tanto a ponto de voltarem aos preços antes da Copa. Já é conhecido que há rigidez nos preços para baixo. Os reajustes baixistas são bem mais raros e menores que os altistas. Como os custos de mão de obra no Brasil só sobem, acredito que os preços continuarão altos pelo menos até o ano que vem. Outros fatores como o baixo desemprego corroboram minha opinião. Sendo assim, o risco de a inflação permanecer fora da meta esse ano é altíssimo.

Texto 8 Imagem 1Fonte: IBGE

O outro fator é a atividade. Muitos pensam que a Copa do Mundo tem um fator positivo para a economia, pois haverá mais serviços e atividades temporárias para esse evento. Embora seja verdade, engana-se quem apenas considera esse lado da economia e não enxerga o outro. A indústria aproveitou as vendas fracas do mês para dar aos seus funcionários férias coletivas. A criação de vagas divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego mostrou também que algumas começaram a demitir já em maio, pois não estão conseguindo segurar o custo da mão de obra depois de três meses fracos e com perspectivas dessa tendência continuar como os indicadores antecedentes estão apontando. O varejo é outro setor que não está bem. As promoções que vemos na televisão são evidências disso. Quando prometem vender a segunda televisão por apenas R$1,00 caso o Brasil seja campeão é um sinal de tentativa de desovar os estoques que estão altos.

Texto 8 Imagem 2Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego

Os dias úteis durante esse mês também contribuem para uma atividade bem fraca. Os feriados decretados na maioria dos Estados em que os jogos ocorreram e os horários dos jogos durante o expediente que acabam tirando a concentração dos trabalhadores ilustram o meu ponto.

Em suma, a Copa do Mundo não terá efeitos diretos, mas vários indiretos sobre as eleições. O que realmente importa não é o desempenho da seleção, mas os fatores econômicos como renda real. Como tentei discorrer, os dois fatores que afetam a renda real, atividade e inflação, estão puxando para baixo as chances da Dilma se reeleger.

Victor Wong 10150315_10203286615669938_2080093610_o

   

[1] http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,dilma-anuncia-que-vai-entregar-taca-imita-neymar-e-exalta-elevacao-de-autoestimaclcpcwcw-38cp512cl55,1524990

[2] http://www.valor.com.br/eleicoes2014/3608010/planalto-avalia-efeitos-da-goleada-e-se-prepara-para-repeticao-de-vaias

[3] http://mansueto.wordpress.com/2014/06/01/globonews-painel-resumo-e-link-para-o-programa/

[4] http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/01/precos-surreais-do-verao-do-rio-tem-omelete-r-99-e-croissant-por-r-25.html

Victor Wong

Mestrando pela Escola de Economia de São Paulo da FGV. Já trabalhou no mercado financeiro na área de Pesquisa Econômica. Interessa-se pelas questões fiscais e monetárias, além do fator político de cada uma das decisões tomadas no âmbito nacional e internacional. Em outras palavras, a "macro" é com ele! Porém, bons argumentos nem sempre são suficientes para ganhar discussões. Dessa forma, utiliza-se de suas (poucas) habilidades de barman para embriagar as contrapartes: nada como saber o ponto fraco de seus adversários. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2015.

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