De boas intenções todos estamos cheios, e cheios de suas consequências

A represa de Paraibuna que abastece a região do Vale do Paraíba, interior de São Paulo, está em seu nível mais baixo dos últimos 10 anos. Os reservatórios do sistema Cantareira estão tão baixos, que uma mudança no sistema da captação teve de ser feita, uma vez que o nível da água estava menor que a altura das bombas que captam a água. Em outras palavras, a região mais rica e dinâmica do país está seca, não adianta mais, ou chove ou chora.

Deixando o seco 2014 de lado e voltando ao chuvoso 2012, encontramos a medida provisória número 579. Ela ficou conhecida por prometer uma baixa de 20% no preço médio da energia elétrica. A Presidenta foi à televisão anunciar que o brasileiro seria mais feliz com a sua conta de luz. Na verdade, a medida tinha como foco a indústria, setor que consome a maior parcela da energia gerada. Uma queda de 20% em um dos principais setores parece algo incrível de ser realizado! No momento do anúncio muitos bradaram: “isso já deveria ter sido feito”.

[caption id="attachment_1262" align="aligncenter" width="453"]Proporção de consumo de energia elétrica por setor da economia. Fonte: Empresa de Pesquisa Energética Proporção de consumo de energia elétrica por setor da economia. Fonte: Empresa de Pesquisa Energética[/caption]

Uma energia mais barata seria de fato um alívio para o setor industrial, o qual vem sofrendo sistêmica perda de competitividade nos últimos anos por razões que já conhecemos. Organizações como FIESP e FIRJAN[1] (na melhor das intenções deste planeta) foram praticamente lobistas da MP579 pressionando o governo para que os preços fossem reduzidos.  O então presidente da FIESP inclusive foi à televisão comemorar quando a medida foi tomada. Mas antes, para entendermos como a redução se deu, precisamos entender os componentes e seus pesos relativos na tarifa da eletricidade.

Em média 50% dos custos são técnicos, de geração, transmissão e distribuição, como em teoria é muito complicado mexer em tal estrutura de custos, uma vez que os mesmos levam em consideração o investimento realizado para a construção e manutenção da usina e mais uma enorme série de variáveis de cunho técnico, logo restaria ao governo atacar os encargos setoriais e os tributos, que compõe respectivamente 17% e 32% dos custos. Mas não foi assim que aconteceu, foi exatamente nos custos de geração, distribuição e transmissão (GTD), e nos encargos setoriais que o governo decidiu mexer. Sem alterar um tributo sequer a fim de não diminuir a arrecadação.

[caption id="attachment_1260" align="aligncenter" width="454"]Proporção do consumo por setor da economia. Fonte: Empresa de Pesquisa Energética Proporção do consumo por setor da economia. Fonte: Empresa de Pesquisa Energética[/caption]

A redução nos custos de GTD foi feita da seguinte maneira, os operadores com concessões de usinas e outros ativos com vencimento em 2015 deveriam manifestar interesse de renovação até outubro de 2012, sem saberem as novas condições que iriam envolver tais concessões, muitos menos tinham ideia de quais tarifas eles poderiam cobrar, ou seja, o governo colocou uma faca no pescoço das concessionárias e mais uma enorme incerteza.

Não é novidade para ninguém que gerar energia não é tarefa das mais fáceis, as estruturas são enormes, a logística de transmissão/distribuição é complexa e os investimentos são elevadíssimos. Somado a isso, temos um setor de elevado risco, que qualquer adição de fatores de incerteza criariam distorções negativas nos horizontes de investimentos, afinal de contas, se nem o preço que eu vou cobrar no futuro eu sei, por que vou investir? No dia seguinte ao anúncio da medida, as ações das principais operadoras de energia derreteram em torno de 20%.

Diversas usinas precisaram reduzir a oferta de energia. E as distribuidoras que passaram a receber menos energia precisaram recorrer ao mercado à vista para honrarem seus contratos, e os preços dispararam rumo a estratosfera. De pouco menos de R$25,00 o Mw/h para a casa dos R$800,00 Mw/h.Uma vez com uma explosão de custos as empresas não tinham mais condição de fecharem suas próprias contas, logo o governo precisou engendrar uma série de empréstimos e criar garantias, que já somam mais de R$18 bilhões.

[caption id="attachment_1261" align="aligncenter" width="472"]Série semanal de preços da energia no mercado a vista. Fonte: Câmara de comercialização de energia elétrica Série semanal de preços da energia no mercado a vista. Fonte: Câmara de comercialização de energia elétrica[/caption]

Uma vez que o mecanismo foi perturbado pela inserção de incertezas, a oferta estagnou e ainda sofreu um choque exógeno que foi a enorme seca, que também cria pressão sobre as usinas térmicas que geram energia a custos muito maiores que as suas congêneres hidrelétricas.

A MP579 é a prova de que boas intenções por parte do governo não são maiores que mecanismos que por anos foram eficientes em regular o mercado de um dos insumos mais importantes para qualquer setor da economia brasileira. Para 2015 já se cogita um aumento de 20% nas tarifas, em outras palavras, de nada adiantou a MP579, que só trouxe efeitos terríveis a todos que participam do setor. E com efeitos ainda não totalmente conhecidos sobre os consumidores.

De boas intenções todos estamos cheios, a única coisa que não encheu foram os reservatórios e muito menos as esperanças de uma indústria mais competitiva via redução de custos de energia…

Victor Candido 1000likes

Victor Candido

Mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB). Economista pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Foi economista-chefe de uma das maiores corretoras de valores do país, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento e atualmente é sócio e economista de uma gestora de fundos de investimento. Foi pesquisador do CPDOC (O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da FGV-RJ. Ajudou a fundar o Terraço Econômico em 2014.

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