Desigualdade(s) de renda

Desde que Thomas Piketty publicou seu livro “Capital no Século XXI” e se tornou a maior celebridade do mundo econômico, o debate sobre desigualdade voltou a ferver. Mas o que é desigualdade? Como medir? Embora intuitivo, não é nada trivial pôr no papel o que queremos dizer com essa palavra. No Brasil fala-se muito no índice de Gini, mas este não é a única, nem necessariamente a melhor maneira de se medir a disparidade de renda numa sociedade.

[caption id="attachment_596" align="aligncenter" width="481"]Occupy Wall Street Protestors March Down New York's Fifth Avenue Desigualdade está na boca do povo! Fonte: allianceforajustsociety.org[/caption]

Consta, nas inúmeras resenhas que eu li, que o livro de Piketty versa sobre a dinâmica da distribuição da riqueza nas sociedades, traçando prognósticos pouco otimistas com relação à distribuição de renda no sistema capitalista. Em poucas palavras: os ricos tendem a ficarem mais ricos. Mas há algo que chama a atenção nas diversas resenhas e críticas do livro de Piketty: quase não se menciona o tal do índice de Gini. Esse famoso índice é a medida de desigualdade mais utilizada internacionalmente, e recentemente se popularizou nas discussões sobre o tema no Brasil. Quanto menor for o índice de Gini, melhor distribuída será a renda entre os habitantes do País, e nos últimos vinte anos o Gini brasileiro observou uma expressiva queda (ver gráfico). Mas o que afinal quer dizer esse índice?

De fato, se por um lado a queda dele  indica melhoria na distribuição de renda no País, o seu nível  é duro de interpretar. O que quer dizer termos um Gini de 0,531? Em bom economês, esse número significa duas vezes a área entre a curva de Lorenz observada e a reta da distribuição perfeita de renda. Caso não tenha entendido, não se preocupe: o índice de Gini tem lá seus problemas, pois além de ser difícil de interpretar, há inúmeras possíveis distribuições de renda que podem resultar num mesmo Gini.

Existem diversas formas de se mensurar desigualdade de renda, e pesquisadores como Piketty parecem estar mais preocupados com a concentração na mão dos muito ricos do que na distribuição geral na sociedade. O economista chileno Gabriel Palma, professor na universidade inglesa de Cambridge, destaca limitações do Gini, e chegou a afirmar em um de seus papers que o que importa mesmo é saber o quanto os ricaços estão ganhando[1].

Uma característica do Gini é sua “hipersensibilidade” a alterações na classe média, isto é, na faixa da população que se localiza entre os “claramente ricos e os abjetamente pobres” (a expressão é de Robert Solow). Dessa forma, um aumento da participação da “classe média” na renda causaria uma rápida queda no índice. No entanto, Palma observou que proporção da renda total capturada pelas pessoas entre os 10% mais ricos e os 40% mais pobres é impressionantemente estável e homogênea no mundo inteiro. Dessa forma, o Gini seria sensível a mudanças de distribuição de renda numa faixa de renda que raramente muda. Uma alternativa seria o índice de Theil, mais sensível a alterações nos extremos, mas Palma lamenta que os frequentes erros de mensuração nos extremos impactariam demais esse índice. A solução sugerida por Palma é medir justamente a relação entre os 10% mais ricos e os 40% mais pobres, já que é aí que a coisa pega. Comparado aos outros dois índices, esse tem a virtude de ser mais simples e direto de se interpretar: no Brasil, os 10% mais ricos ganham em média 15,4 vezes mais do que os 40% mais pobres.

Sem Desigualdade

Todos os três índices – Gini, Theil e Palma – mostram que no Brasil a distribuição de renda vem melhorando nos últimos vinte anos, e mais particularmente desde o ano 2001. Como se pode ver, a queda no índice de Theil foi mais acentuada do que no Palma, que por sua vez caiu mais rapidamente do que o Gini. Isso indica um fato conhecido de todos: nesse período, a renda do andar de baixo cresceu mais do que a do andar de cima, mesmo que a proporção de renda apropriada pela “classe média” não tenha aumentado muito. Gabriel Palma observa que na maioria dos países os 50% que estão entre os 40% mais pobres e os 10% mais ricos se apropriam de metade da renda produzida: as exceções na América Latina são Colômbia, Chile e Brasil.

Palma, Piketty e muitos outros pesquisadores da desigualdade econômica têm recuperado um tema antigo na nossa ciência: como a renda é distribuída na sociedade. Mas as questões que eles colocam exigem medidas da desigualdade que façam sentido com base em seus pressupostos teóricos. O problema do índice de Gini é justamente que ele reflete uma relação estatística que pode não fazer sentido dentro da dinâmica econômica que se quer estudar. Diferente é a medida de Palma, que se baseia numa hipótese sobre a “estabilidade” da classe média. Já Piketty postula que os detentores de capital tendem a se apropriar cada vez mais da nova riqueza gerada, de forma que lhe interessa conhecer a concentração de renda e riqueza no topo da pirâmide.

Dependendo de como se encara a desigualdade e como se deseja estudá-la, mudará a forma como esta é medida. Infelizmente, medir desigualdade não é nada simples. Economistas adoram inventar medidas diferentes para a mesma coisa. A nossa tarefa aqui é tentar explicar que não fazemos isso por mal…

Alípio Ferreira Cantisani 10170219_10203335365288648_276252663_o

  [1]https://www.repository.cam.ac.uk/bitstream/handle/1810/241870/cwpe1111.pdf;jsessionid=63EFCD0B0A69305A87FF8FA24296811B?sequence=1

Alípio Ferreira

Formou-se em economia pela EESP-FGV, onde desenvolveu sua paixão por números primos e poesia alemã. Foi editor-chefe da revista Gazeta Vargas, associação cultural formada por alunos das escolas de Administração, Economia e Direito da FGV-SP. Escreveu um artigo sobre plebiscitos suíços no Valor Econômico e foi funcionário público. Almeja glória e poder para todo o sempre. Hoje é mestrando em economia na Universidade de Tilburg, nos Países Baixos. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2017.

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