Desindustrialização com substituição por importações

Os meus colegas do Terraço Econômico dedicaram as últimas semanas a algumas digressões históricas sobre a economia brasileira durante a ditadura, aproveitando oportunamente a comemoração dos 50 anos do golpe de 1964. Mas não só pela data especial se faz necessário lembrar a política econômica dos militares. No governo Geisel, por exemplo, o II Programa Nacional de Desenvolvimento trouxe consigo um fôlego ao processo de industrialização por substituição de importações que já dava sinais de esgotamento. Lançando mão de isenções tributárias, investimentos estatais e linhas de crédito especiais do então BNDE, o governo praticava uma política econômica desenvolvimentista com fortes semelhanças na atualmente praticada no governo federal.

As diferenças não podem ser menosprezadas, mas as semelhanças saltam aos olhos: o roteiro em geral consiste no Estado brasileiro protegendo industriais contra a proteção estrangeira, dando-lhes suporte para que cresçam e reduzam a dependência externa. De Getulio a Geisel passando por JK, cada plano de industrialização rendeu seus frutos. A tônica, porém, não mudou. Frente às dificuldades na competição internacional, a indústria nacional pede auxílio ao Estado: proteção tarifária, maiores subsídios e maiores compras governamentais.

Pode ser um exagero dizer que o governo de Dilma Rousseff repete as políticas desenvolvimentistas dos militares. Mas é uma insanidade negar que há aproximações essenciais. O Brasil mudou muito nas últimas décadas, construindo instituições econômicas mais sólidas e abrindo sua economia. No entanto, como bem disse o brasilianista Albert Fishlow, continuamos “à busca do Estado desenvolvimentista” e, pior do que isso, iludidos pela utopia do desenvolvimento autárquico.

Prospera no Brasil a visão de que fechar-se às importações nos protegerá das intempéries econômicas globais. Segundo reportagem reveladora da jornalista Raquel Landim do Estadão[1] em 6 de janeiro de 2013, o atual governo tem se utilizado largamente de tarifas antidumping para proteger setores “ameaçados” pela competição internacional. Detalhe: em 57% dos casos, o governo protege setores que detém monopólio no Brasil. É o consumidor pagando a conta dos cartéis chancelados pelo governo.

O BNDES, com gigantesca carteira de operações, virou poderoso instrumento do exercício de um “capitalismo de Estado” à brasileira. Mais uma vez, a visão da grandeza e opulência parece superar o bom-senso. O governo federal faz o povo brasileiro pagar subsídios a grandes conglomerados em setores cartelizados, tudo pelo bem da industrialização e da internacionalização das empresas nacionais.

Nossa busca por um Estado desenvolvimentista já custou muito caro. Apesar dos esforços em proteger a indústria nacional e injetar nela toda sorte de benefícios tributários e financeiros, o governo Dilma Rousseff terá de explicar aos brasileiros por que a produção industrial recuou em média 0,3% ao ano em seu governo. Apesar da retórica de autossuficiência em petróleo e da crescente taxação sobre importações, a presidenta terá de esclarecer como nossa balança comercial se deteriorou a olhos vistos em seu governo. A política industrial de Dilma mereceria o nome de “desindustrialização com substituição por importações”.

[caption id="attachment_412" align="aligncenter" width="450"]Industria Nacional Uma imagem vale mais do que mil palavras… Fonte: A Nova Democracia[/caption]

Edmar Bacha também aproveitou uma data comemorativa para promover um debate sobre política econômica. Mas ao invés de rememorar os 50 anos da nossa lamentável ditadura militar, o economista aproveitou os 20 anos do Plano Real para pedir um “Plano Real para a indústria”. A proposta possui a força das ideias simples e a dificuldade de implantação das boas reformas. Mas o fim é um só: permitir à nossa indústria que se integre aos processos produtivos globais e cresça. O plano de Bacha se constitui de três etapas: uma reforma fiscal que permita a redução da carga tributária, uma substituição das tarifas de importação pela administração da taxa de câmbio e uma política mais agressiva de acordos comerciais.

A queda da produção industrial no Brasil é uma questão urgente. Não porque a indústria seja necessariamente um setor mais nobre da economia, como querem alguns economistas, senão porque reflete a deterioração da competitividade da economia brasileira. As possíveis soluções devem ser ponderadas, e a proposta de Bacha é só uma alternativa. Mas a estratégia perdedora nós já conhecemos, e até o momento continuamos incorrendo nela.

Alipio Ferreira Cantisani 10170219_10203335365288648_276252663_o

[1]http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,defesa-comercial-protege-empresas-monopolistas-e-onera-industria,981022,0.htm

Alípio Ferreira

Formou-se em economia pela EESP-FGV, onde desenvolveu sua paixão por números primos e poesia alemã. Foi editor-chefe da revista Gazeta Vargas, associação cultural formada por alunos das escolas de Administração, Economia e Direito da FGV-SP. Escreveu um artigo sobre plebiscitos suíços no Valor Econômico e foi funcionário público. Almeja glória e poder para todo o sempre. Hoje é mestrando em economia na Universidade de Tilburg, nos Países Baixos. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2017.

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