Devemos taxar mais o 1%?

Crise, ajuste fiscal, corte de gastos…e o (aparentemente) inevitável aumento de impostos. O roteiro é conhecido e como sempre há um lado do debate que esperneia e brada: “O problema é o 1%! Vamos aumentar os impostos do 1% que resolvermos o problema!”

Bom, como não sou especialista em tributos e não pretendo calcular quanto arrecadaríamos caso, por exemplo, aumentássemos a alíquota do imposto de renda do 1% mais ricos do Brasil, vamos a algumas observações muito interessantes e que podem fazer você refletir um pouco e talvez abandonar a ideia de que a solução para o nosso problema fiscal é simplesmente aumentar o IR do 1% (isso se der bilhão, como diz o Ciro Gomes).

Imaginemos um país que chamaremos de Banânia do Sul. Esse nosso país possui uma renda per capita média se comparado às demais nações, mas também possui uma notável desigualdade de renda.

A renda média per capita de Banânia do Sul se situa em MT$ 1000 por mês (a unidade monetária de Banânia do Sul é o MiTem). A renda média per capita do 1% da população mais rica de Banânia está na faixa de MT$ 13000 por mês.

Com MT$ 13.000,00 um habitante de Banânia do Sul vive muito bem! Consegue viajar para o exterior uma vez ao ano, consegue ter um bom carro e uma ótima casa, mas ele está longe de ser um milionário. E como a população de Banânia é grande, 1% é bastante gente (algo em torno de 2 milhões de habitantes).

Pois bem, o vizinho ao norte de Banânia do Sul, a Maçãnia do Norte (não há bananas em zonas temperadas) possui a mesma renda per capita média, o 1% de Maçãnia também possui uma renda per capita média semelhante, mas a distribuição de renda por lá é mais equitativa. E o governo de Maçãnia também pensa em aumentar os impostos para a faixa mais rica da população de lá.

Abaixo, a distribuição de renda no 1% mais rico de Maçãnia do Norte.

macania

Se os políticos de Maçãnia decidem aumentar a alíquota do IR do 1% mais rico, a nova taxação será bem distribuída. Aproximadamente metade dos habitantes do 1% mais ricos de Maçãnia está abaixo da renda média e metade está acima. A nova alíquota parece que pode ser “just” nos termos propostos, já que vai taxar de forma muito parecida indivíduos com rendas muito semelhantes. E se o objetivo é ter uma alíquota de IR progressiva e ao mesmo tempo ter equidade na tributação de faixas de renda, BINGO, Maçãnia parece que vai conseguir.

Descendo novamente, vejamos a distribuição de renda do 1% mais rico de Banânia do Sul, que possui certa desigualdade:

banania

Como dissemos, Banânia do Sul ainda sofre com uma alta desigualdade de renda. Apesar de a renda média inclusive do 1% mais rico ser a mesa da de Maçãnia, boa parte dos indivíduos do 1% ganha menos que a média e uma pequena parte (quem sabe 0,00001%) ganha muito acima da média – e muitos deles nem aparecem no gráfico…estão bem para a direita.

Assim, caso o objetivo de Banânia do Sul seja fechar as contas públicas aplicando um imposto de renda progressivo e utilizar como critério para a nova alíquota os habitantes no 1% mais rico da população, parece que a ideia conseguirá atacar parte do problema. Se conseguir arrecadar os tributos para zerar as contas públicas, o país estará taxando com a mesma alíquota igualmente indivíduos muito desiguais – a esmagadora maioria que ganha abaixo da média e aqueles que ganham alguns milhões ao ano.

Bom, ai você deve ter concluído dos parágrafos acima: basta taxar os 0,0001% da população e voilà, recolocamos as contas públicas no azul e aplicamos uma taxação progressiva da renda. Tenho cá minhas dúvidas se a taxação no 0,0001% dá bilhão!

E se Banânia mesmo assim optar por taxar o 1%, eis alguns nomes que poderiam pagar um pouco a mais de imposto com suas respectivas rendas mensais devidamente convertidas em MT$: Dias Toffoli (MT$ 27.600,00), Marilena Chauí (MT$ 23.508,00), Emir Sader (MT$ 25.000,00) e Vladimir Safatle (MT$ 14.388,00).

palhuca

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.

4 Comentários

  1. A questão é taxar lucros e dividendos que são isentos de IR, e consequentemente estão nas mãos dos 1% mais ricos.

    1. Lucros são sim taxados pelo IR, até quando não há, vide a taxação por lucro presumido e os dividendos já pagaram IR quando ainda eram apenas lucro.
      No mais lucro é perfeitamente manipulável e dividendos são facilmente sonegáveis, além de espantar os investidores e empresários que não aceitarem tal prática.
      Além da mais atroz imoralidade em ter de abrir mão de seu ganho via esforço próprio para tapar rombo em contas do governo, rombo este feito a partir da mais completa incompetência na administração de recursos escassos e o mais vil esquema de corrupção.
      Não há saída para a crise brasileira que não seja diminuir drasticamente o estado e aumentar o cidadão.

    2. Érika, a França tentou isso e os resultados foram desastrosos. Tiveram que voltar atrás. Pra que repetir o erro?
      O que precisa é gerar mais riqueza, não taxar os mais ricos.
      Pessoal, estamos em 2016. Por favor, tenham ideias deste século. Isso que vocês estão propondo é do início do século passado.

      1. Veja bem, só acho o sistema injusto, porque eu e você, que trabalhamos de carteira assinada e recebemos salários,
        simplesmente não conseguimos sonegar um centavo por causa do desconto em folha. Por outro lado, trabalhando em
        banco, cansei de pegar declarações de IR de PF sócios de PJ e ver lá que o rendimento tributável é sobre um salário
        mínimo, e em compensação, valores altíssimos em lucros e dividendos.
        Ou seja, quando falam que existe uma tributação regressiva no Brasil, temos que admitir que é isso mesmo que acontece,
        os ricos pagando muito pouco e os pobres e a classe média pagando muito mais.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Yogh - Especialistas em WordPress