Ditaduranomics: o período econômico que precedeu a ditadura

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Após 50 anos do fatídico golpe de 1964, uma cicatriz profunda prossegue na cara da democracia brasileira. Por esse motivo, essa semana o Terraço se dedica a analisar o golpe militar, em dois textos. O primeiro discutirá o arranjo político e econômico pré-golpe militar, e o segundo colocará na mesa as reformas e o desempenho econômico dos governos da ditadura. Buscando o máximo possível nos ater aos fatos, tentaremos não ser taxativos, tampouco entraremos no mérito  de discutir se o golpe foi benéfico ou não para o país, pois acreditamos que já existem artigos suficientes para isso, e que a opinião final é construída por você, caro leitor. Portanto, vamos nos ater ao desempenho econômico da época.

Em 1964, o país passava por uma severa fragilidade, a ponto de gerar a oportunidade de um golpe, fraqueza essa advinda das instituições democráticas, das incertezas econômicas, e de um cenário nacional incerto, propícios para uma manobra súbita.

Mas para entendermos como o país chegou em 1964 é necessário entender o que aconteceu nos anos anteriores. Sendo assim vamos voltar um pouquinho no tempo…

Desde 1930, o Brasil crescia a taxas robustas. Mas a economia, ainda que estivesse apresentando um crescimento expressivo, era muito frágil e dependente de um único produto: o café. Foi observando isso que Getúlio Vargas começou uma verdadeira guinada no processo de crescimento econômico brasileiro. Se antes o país dependia sobretudo do café, Getúlio buscou utilizar a estratégia de substituição de importações e criou uma sólida legislação trabalhista. A estratégia funcionou e assim nasce a indústria nacional, ajudando a modernizar as principais capitais e criando a imagem de um Brasil mais urbano, mas que continuava ainda a ter um produto agrícola como maior componente nas exportações.

Quinze anos depois, com um Brasil totalmente mais moderno, com a economia mais diversificada, Getúlio, o “pai dos pobres” deixa a vida para entrar na história e para a tristeza de milhões de brasileiros se suicida em 1954;

O próximo presidente viria a ser Juscelino Kubistchek. Ainda na tentativa de tornar a economia do país mais dinâmica, JK faz nascer o programa de metas, “50 anos em 5”, cujo nome já autoexplicativo visava fazer o país progredir em 5 anos aquilo que poderia progredir em 50. Um tanto quanto ousado, JK obteve progressos:  nascem Brasília, a indústria automotiva e diversas novas estradas. Fábricas imensas foram erguidas e a economia brasileira cafeeira parece agora ter ficado definitivamente para trás. A partir dali. o setor industrial passa a ganhar extrema relevância para o país.

Enquanto na era Vargas a indústria de bens de consumo não duráveis foi a mais desenvolvida, no período Juscelino foi a vez dos bens duráveis de consumo. [1]

O ponto benéfico da indústria de bens duráveis é que ela envolve toda a cadeia de valor, ou seja, esse tipo de indústria gera encadeamentos, uma vez que necessita de várias outras atividades industriais para que ela se desenvolva, desenvolvendo múltiplos setores em conjunto.

Diante desse cenário, o governo de JK foi caracterizado por um período de grande crescimento econômico, numa taxa anual média de 7%.[2]

Foi o período bossa nova da economia, um presidente carismático, que constrói uma capital super moderna, novinha em folha, a música brasileira ganha o mundo, o Rio de Janeiro entra na sua era dourada, e se torna a cidade símbolo do Brasil, era tudo como dizia a canção:

 “É mar é céu é luz, e o barquinho a deslizar no macio azul do mar”.

[caption id="attachment_291" align="aligncenter" width="676"]JK inaugurando Brasília; Foto de Marcel Gautherot, acervo do Instituto Moreira Salles JK inaugurando Brasília; Foto de Marcel Gautherot, acervo do Instituto Moreira Salles[/caption]

No período 1948-1963, crescemos a uma taxa média de 7,12%, mas, todo crescimento tem seu custo. O parque industrial e Brasília foram financiados na base de dívida externa e dessa forma, os déficits financeiros do governo explodiram e a inflação mostrou a cara batendo o pico de 47,8% em 1961.

[caption id="attachment_285" align="aligncenter" width="676"]FONTE: IPEADATA FONTE: IPEADATA[/caption]

JK passa o bastão para Jânio Quadros com uma grande ressaca econômica: depois da festa louca, vem a conta. Quadros não durou nem 9 meses no governo, renunciando por motivos obscuros até hoje. Quem deveria assumir naturalmente era o vice presidente eleito, João Goulart, que estava em viagem à China. Como tinha ideias de cunho socialista à época, os militares do terceiro exército declararam impedida sua volta ao Brasil e a bagunça democrática começava.

Tamanha desconfiança fizeram que o congresso, em uma manobra conciliatória, mudasse o regime político do Brasil para parlamentarista, restringindo os poderes do presidente, acalmando os militares, e permitindo o início do governo de Goulart. Enquanto isso, o povo mais uma vez assistia bestializado tudo que acontecia, agora na distante Brasília.

Apesar dos pesares, Goulart assume um país meio desorientado na economia, afinal de contas crescemos a enormes taxas, e agora temos dívida, inflação e por consequência uma piora no nível de investimentos, tudo puxando o “pibão” pra baixo. Somasse a incerteza econômica a insegurança institucional que se formava entre governo e alguns militares. Pouco tempo depois, em um plebiscito o presidente consegue com ampla maioria voltar a nação para o regime presidencialista. Em 3 anos mudamos duas vezes o funcionamento do regime democrático, quanta instabilidade.

Mas e o barquinho a deslizar? Seria agora o barquinho a derivar?

Goulart decide implantar o plano trienal, uma tentativa de reaquecer a economia, arquitetado pelo seu ministro do planejamento Celso Furtado. O Plano Trienal tinha 5 pilares principais:

  1. Garantir taxa de crescimento do PIB de 7% ao ano, próxima à média dos anos anteriores
  2. Reduzir a taxa de inflação anual para 25% em 1963, visando alcançar 10% em 1965
  3. Garantir um crescimento real dos salários à mesma taxa do aumento da produtividade
  4. Realizar a reforma agrária como solução não só para a crise social como para elevar o consumo de diversos ramos industriais
  5. Renegociar a dívida externa para colocar em ordem as contas externas

Foi exatamente o ponto 4 que criou enorme desconfiança, principalmente das classes médias urbanas. Afinal de contas, reforma agrária, para um presidente que subiu ao cargo com profundas desconfianças a respeito de seus ideais, só pioraria mais ainda as coisas. Isso foi a gota d’água para diversos setores do governo e da mídia (praticamente toda ela, principalmente os jornais), aumentando ainda mais a desconfiança da população, sendo que este último setor já começava a apoiar fortemente a ideia de uma mudança no poder.

A história todos já sabemos, dia 31 de Março o golpe foi deferido, com amplo apoio civil e político. Os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro apoiaram o evento de 31 de março. O que Adhemar de Barros, Magalhães Pinto e Carlos Lacerda não sabiam, contudo, é que o golpe não duraria alguns meses, não seria um simples “ajuste” na rota democrática, e sim uma enorme violência institucional de 25 anos.

[caption id="attachment_288" align="aligncenter" width="644"]Tanques em pleno centro do Rio de Janeiro, março de 1964; Fonte desconhecida. Tanques em pleno centro do Rio de Janeiro, março de 1964; Fonte desconhecida.[/caption]

Quinta-feira tem a continuação, e o último texto, da minissérie DitaduraNomics.

Notas:

[1] Bens não duráveis de consumo: Alimentos, vestuário, itens domésticos; Duráveis de consumo: Automóveis e eletroeletrônicos

[2] Para termos uma ideia no período 55-61: A renda real (descontada a inflação) cresceu 80%, a indústria de aço 100%, mecânica 125%, eletricidade 380% e transportes 600%.

Victor Candido

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Victor Candido

Mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB). Economista pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Foi economista-chefe de uma das maiores corretoras de valores do país, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento e atualmente é sócio e economista de uma gestora de fundos de investimento. Foi pesquisador do CPDOC (O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da FGV-RJ. Ajudou a fundar o Terraço Econômico em 2014.

Um Comentário

  1. Só uma ressalva. O que gerou desconfiança em muitos em relação ao governo Jango foram as famigeradas Reformas de Base, de 1964, que incluíam as reformas bancária, educacional, urbana, tributária e agrária.O Plano Trienal é, se eu não me engano, de 1963 e foi abortado por causa da insatisfação popular com suas medidas: demissão de funcionários públicos, aumentos de impostos entre outros.

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