E se tivéssemos ouvido o Palocci?

Estamos em meados de 2005 e o então ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, ratifica a proposta do então deputado federal Delfim Netto e o jornal O Estado de São Paulo noticia:

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, admitiu que o governo vê com bons olhos as propostas do deputado Delfim Netto (PP-SP) de se adotarem metas nominais para o déficit público, acompanhadas de um congelamento das despesas correntes, com o objetivo de se chegar a um déficit zero dentro de 7 ou 8 anos.

Onze anos se passaram e o que temos hoje? Um grave problema fiscal, de fácil solução econômica, mas de difícil implementação política. Basta cortar o gasto público, mas isso esbarra não só na perda de votos que os signatários de tal ajuste incorrerão, mas também no risco de adicionar uma pitada de crueldade à atual recessão.

A proposta de Delfim Netto apoiada não só pelo ministro do Planejamento à época, mas também pelo então ministro da Fazenda (um tal de Antônio Palocci), foi rejeitada pela então ministra da Casa Civil, dona Dilma Vana Rousseff, com o principal argumento de que “gasto público é vida” e justificando que o plano de ajuste era “rudimentar”. Nas palavras da então chefe da Casa Civil:

“O que foi apresentado foi bastante rudimentar. Nós não consideramos que essa discussão teve início e transitou no governo. O fato de eu e mais três ministros tomarmos conhecimento não significa que exista discussão. Eu acho que nem existe a colocação de um conceito de ajuste fiscal no Brasil. Não se pode fazer uma projeção para dez anos pensando em planilha. Fazer um exercício dentro do meu gabinete e achar que ele será compatível com o nosso país não é consistente. Quando você fala em dez anos, você tem que ‘combinar com os russos’, que são as 180 milhões de pessoas que vivem no Brasil. Por isso eu digo que esse não é um exercício macroeconômico.”

Com o benefício de podermos olhar para o passado, podemos constatar que foi um grande erro não adotar a medida naquele momento. A ideia seria melhorar ainda mais a geração de superávits primários (a diferença entre o que o governo arrecada e o que o governo gasta, sem incluir os juros da dívida) para chegarmos em um momento que o que economizaríamos seria exatamente o suficiente para pagar os juros da dívida (daí o chamado déficit zero).

O raciocínio dos que apoiavam a proposta era o seguinte:

  • impedimos que a despesa corrente pública aumente;
  • com a arrecadação em crescimento;
  • assim teremos maiores receitas e menores despesas, aumentando o resultado primário;
  • com o resultado primário maior, os credores do governo vão perceber que o risco para emprestar dinheiro é baixo;
  • com o risco mais baixo é possível diminuir os juros com a inflação sob controle;
  • aumentando a poupança antes dos juros e pagando menos para servir a dívida, chegaremos ao déficit nominal zero.

Para quem está do lado negro da força – os que acreditam que a intervenção estatal na economia via aumento de despesa pública não tem a capacidade de promover crescimento mais acelerado – a proposta soava como música aos ouvidos. Assim, foi uma grande perda termos jogado na lata do lixo.

Mas qual o tamanho da perda? Muito grande! Se colocarmos qual seria a trajetória da dívida pública sob a regra proposta versus a trajetória real dela, podemos ter uma ideia de onde estaríamos.

Fizemos esse exercício, que serve como uma estimativa conservadora (e um pouco rasteira, é verdade) de como se comportaria a dívida. Por que conservadora? Bem, assumimos que desde 2005 tudo correria na economia como correu desde então, exceto pelo resultado primário (e, consequentemente, nominal) do governo. Ou seja, os gastos com juros utilizados são os que se concretizaram e poderiam ter sido menores caso a proposta tivesse sido adotada. Ademais, estamos considerando os anos de 2015 e 2016 com as quedas do PIB que estamos vivendo, algo que muito provavelmente não teria acontecido se o governo tivesse atado suas mãos em 2005 (se bem que aqui entra a fraude das pedaladas fiscais…vai saber!).

O gráfico abaixo mostra como estamos, as perspectivas até 2020 para a dívida pública caso façamos o ajuste fiscal e onde estaríamos com a proposta que daremos o nome de Dívida Pública – Palocci.

[caption id="attachment_6915" align="alignnone" width="1001"]Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria. Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria.[/caption]

Podemos ver que a trajetória da dívida pública sob o regime que vigorou bem até 2013 e sob o regime alternativo seria similar. O problema começa em 2012-2013, quando sob a batuta de Dilma Rousseff, “decidimos” que aumentar a dívida e estimular a economia via aumento da despesa pública (ou redução da arrecadação) seria a estratégia correta.

O resultado está claro. Uma trajetória explosiva da dívida que teria sido bem diferente caso o pensamento econômico da ex-presidente fosse alinhado com a realidade – e suas ações seguissem a regra.

Gasto público não é vida e a proposta não era rudimentar. Apenas poderia ter nos poupado de alguns anos de recessão e ter evitado um doloroso ajuste fiscal que será feito (oxalá) em um momento de queda da atividade econômica.

Poderia ter sido feito quando a economia voava… mas era rudimentar demais!

palhuca

         

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.

4 Comentários

  1. Que texto sensacional, amigo, mas, sinceramente, estou surpreso por algo “bom” ter saído da cabeça do Delfim…
    Enfim, parabéns!

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