Economia da conspiração

Há quem diga que a crença em teorias da conspiração deve-se à necessidade de explicações totalizantes, decorrente, em parte, da dificuldade das pessoas de lidar com a incerteza e com o inexplicável.

Respostas simples para questões complexas, porém, costumam resultar em narrativas lineares, maniqueístas, infantis e cheias de contradições nas quais figuras poderosas da política, da mídia, das finanças e do empresariado reúnem-se periodicamente para discutir formas de explorar ainda mais uma já desgraçada nação.

Por outro lado, as teorias conspiratórias têm o mérito de levantar hipóteses que a academia ou o jornalismo parecem não ter disposição de encarar, bem como de responder perguntas que costumam ficar sem resposta, conseguindo relacionar aparentes coincidências e unir pontos distantes de uma forma que pesquisadores e jornalistas simplesmente não podem se permitir.

Eu, particularmente, não acredito em conspirações. Pero que las hay, las hay.

Em artigo publicado na Folha de São Paulo no dia 8 de março (“Anos 2010 são uma viagem ao fundo do abismo sórdido”), o ótimo colunista Vinícius Torres Freire chamou atenção para acontecimentos dos anos 2010 que, se não inexplicáveis, ainda estão muito mal explicados. “Por que a grande revolta política ‘das ruas’ começou quando consumo e renda flutuavam no nível mais alto da história, 2013?”, questiona o colunista.

Não, eu não tenho resposta para a pergunta acima. Há, porém, alguns fatos curiosos ocorridos naquele período que talvez mereçam ser relembrados.

Ascensão de Dilma e queda dos juros

Em agosto de 2011 – logo no primeiro ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff, portanto –, o Banco Central deu início a um processo de redução da taxa básica de juros, que atingiu, em outubro de 2012, 7,25% ao ano, o menor patamar da história. A taxa foi mantida nesse nível até abril de 2013, quando voltou a subir para fazer frente à aceleração da inflação.

Ao longo desse período, o Governo Dilma diminuiu os juros dos bancos públicos e passou a pressionar os bancos privados por redução das taxas. Enquanto o saldo das operações de crédito sob controle do setor privado (medido como proporção do PIB) registrava tendência de queda, as operações dos bancos públicos apresentaram forte crescimento, superando o saldo do setor privado exatamente em junho de 2013 – pela primeira vez desde o primeiro semestre do ano 2000, período que antecedeu a privatização do Banespa e de uma série de outros bancos estaduais.

Em outras palavras, o mercado de crédito estava sendo estatizado.

Fonte: BACEN

Fonte: BACEN

A apresentadora Ana Maria Braga,

durante seu programa no dia 10 de abril

 de 2013, vestindo um colar de tomates,

cujo preço havia subido 150% em um ano.

Qualquer bom economista reconhece que não se reduz a taxa básica de juros da economia na marra, e que a maneira como foi conduzida a política monetária e a política de crédito naquele momento, quando o mercado de trabalho se encontrava bastante aquecido, parece ter colaborado para a aceleração posterior da inflação, que chegou a superar os dois dígitos em 2015.

Por outro lado, os ditos bons economistas insistem em ignorar que a taxa básica de juros elevada não é neutra do ponto de vista distributivo, uma vez que ela não apenas encarece o crédito e desestimula os investimentos, como também resulta em uma redistribuição perversa da renda – dos que pagam impostos (população em geral) para os que financiam a dívida pública (ricos).

Ainda que de forma desastrada, o fato é que, naquele momento, a política econômica do Governo Dilma – que batia recordes de popularidade – ameaçava dois dos maiores patrimônios deste nosso imenso país tropical: o mercado bancário lucrativo, concentrado e ineficiente e o rentismo.

Ascensão dos juros e queda de Dilma

Após ter atingido nível recorde em março de 2013, a aprovação de Dilma despencou vertiginosamente depois das manifestações de junho daquele ano. Embora supostamente motivada por uma indignação geral contra a política nacional, toda a revolta parece ter sido canalizada contra o PT e a presidente petista.

Pesquisa Datafolha divulgada no dia 29 de junho de 2013

(Folha de São Paulo)

As primeiras manifestações de junho de 2013, lideradas pelo Movimento Passe Livre (MPL) e formadas basicamente por estudantes, opunham-se ao aumento de 20 centavos da tarifa de ônibus municipal. O cenário mudou no dia 13 (!), quando a Polícia Militar (PM) paulista reprimiu duramente as manifestações, que ganharam, então, apoio popular, mas se tornaram difusas. Não era mais apenas pelos 20 centavos. Ali surgiam (espontaneamente?) o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua, por exemplo, críticos dos governos petistas e que tiveram um papel importante nas mobilizações de março de 2015 e março de 2016, as quais deram força ao processo de impeachment de Dilma Rousseff. Atingido o objetivo de derrubar a presidente, e apesar do agravamento da crise econômica e dos escândalos de corrupção no núcleo duro do novo-velho governo, “as ruas” voltaram a dormir em berço esplêndido. Geraldo Alckmin, chefe da PM que reprimiu duramente os manifestantes naquele 13 de junho de 2013, foi reeleito governador de São Paulo já no primeiro turno da eleição de 2014.

Propaganda do movimento Cansei!, de 2007, uma das primeiras manifestações

da elite crítica à corrupção do governo petista (Olha a Ana Maria Braga ali de

novo…). Apesar do agravamento da crise econômica e dos escândalos de corrupção

 no núcleo duro do Governo Temer, a elite, agora, parece novamente descansada.

Ascensão de Temer e redução do Estado

Há quem diga que o homem nunca pisou na Lua e que os atentados de 11 de setembro foram forjados pelo próprio governo dos Estados Unidos para disseminar a cultura do medo, alavancar a indústria bélica e acabar de vez com o direito à privacidade. Há quem diga também que o vírus da AIDS teria sido criado em laboratório por grupos conservadores norte-americanos, com o objetivo de barrar a ascensão da cultura das drogas e do amor livre observada nos anos 60 e 70.

No Brasil, há quem diga que, durante a ditadura, como medida de segurança, foram implantados microchips na cabeça de todos os comunistas presos e torturados, e um chip defeituoso estaria por trás da confusão mental e dos discursos surrealistas da presidente Dilma.

Há quem diga até que o verdadeiro significado de PMDB seja Poder Moderador do Brasil – daí ele ter feito parte de todos os governos desde a redemocratização, dando estabilidade ao Governo Lula após o mensalão, por exemplo, mas exercendo um papel fundamental no impeachment de sua sucessora.

Após ter sido eleito duas vezes vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff – sempre defendendo um projeto desenvolvimentista pautado no avanço de políticas sociais e na redução da pobreza –, diante do agravamento da crise econômica e da crescente instabilidade política, Michel Temer resolve se apresentar à sociedade como mero vice decorativo e passa a defender um projeto ultraliberal intitulado “Uma ponte para o futuro”, o qual lança as bases para o seu futuro governo.

No fluxo circular da história, após um período de maior intervenção do Estado na economia seguido de crise e queda da lucratividade das empresas, ressurge uma nova onda de fé nas virtudes do livre mercado. É tempo de privatização de empresas estatais, de combate à ineficiência do setor público, de redução dos gastos do governo, de reforma da Previdência e flexibilização das leis trabalhistas.

O Nobel de Economia Kenneth Arrow, morto recentemente, foi um dos principais responsáveis pela formalização da ideia de equilíbrio geral na economia de mercado, esquematizando matematicamente como opera a “mão invisível” de Adam Smith. Depois de provar, ainda nos anos 50, que mercados perfeitamente competitivos poderiam existir, ao menos em termos matemáticos, Arrow passou o resto da carreira demonstrando que os mercados reais estão aquém da perfeição.

“Mão invisível”, vale lembrar, foi o termo utilizado por Adam Smith para descrever como, em uma economia de mercado, um sistema anárquico onde não existe uma entidade que coordene as ações, a interação entre indivíduos agindo em busca dos próprios interesses resulta em uma determinada ordem na qual interesses coletivos são atendidos, como se houvesse uma “mão invisível” organizando a economia.

Com a financeirização do capitalismo, o mercado deixou de ser um simples locus onde são realizadas as trocas (compra e venda de mercadorias) para se tornar uma espécie de divindade com opiniões e desejos, e cuja lógica não pode ser contestada – os pecadores ficando sujeitos a severas punições. O mercado financeiro transformou-se em Mercado, com M maiúsculo. Os mandamentos desse Deus Mercado, porém, menos abstrato do que muitos querem crer, estão intimamente relacionados aos interesses em comum das instituições financeiras.

Uma das mais relevantes contribuições de Kenneth Arrow é seu “teorema da impossibilidade”, segundo o qual decisões coletivas, movidas por indivíduos perfeitamente racionais através de votações majoritárias, não são racionais nem previsíveis, ficando sujeitas, assim, a manipulações de indivíduos e grupos com poder de agenda.

Poder de agenda é o que tinha Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por exemplo, então presidente da Câmara dos Deputados e de quem dependia a autorização ou não da abertura do processo de impeachment da presidente Dilma. Em um sentido mais amplo, podemos relacionar o poder de agenda à capacidade de certos setores da sociedade de pautar o debate em torno das medidas que precisam ser adotadas para tirar o país da crise. Se as propostas em discussão atualmente estão restritas a redução de gastos públicos, adoção de regras mais rígidas para aposentadoria e flexibilização das leis trabalhistas é porque temas como a regressividade do sistema tributário brasileiro simplesmente não interessam aos donos do poder.

O que deveria ser um debate na verdade não passa de um samba de uma nota só, cantado por economistas de bancos e consultorias apresentados pela grande imprensa como especialistas nas leis do Mercado, mas que na verdade são meros porta-vozes das instituições financeiras que pagam seus salários. Propostas como a retomada dos investimentos públicos, a tributação de dividendos de ações, heranças, grandes fortunas, ou a adoção de novas faixas no IR, para rendas mais elevadas, por exemplo, são rapidamente desqualificadas como verdadeiras heresias.

Mão invisível

Não, eu não tenho resposta para a pergunta do Vinícius Torres Freire (“Por que a grande revolta política ‘das ruas’ começou quando consumo e renda flutuavam no nível mais alto da história, 2013?”). É realmente difícil compreender o que, exatamente, estava por trás daquela comoção coletiva, que supostamente colocava em xeque o atual modelo de representação política. O fato, porém, é que ali começava um processo de reorientação da opinião pública que iria culminar no impeachment de Dilma Rousseff. Coincidência ou não, as manifestações ocorreram num período em que interesses de grupos importantes do país estavam sendo contestados – o que não invalida qualquer tipo de crítica às presepadas cometidas pelo Governo Dilma na economia; presepadas, porém, que ainda não estavam evidentes para a maior parte da população brasileira, a não ser pela inflação do tomate, alardeada no programa matinal da Ana Maria Braga…

Manipulação midiática é coisa de teoria da conspiração? Não de acordo com o “Manchetômetro” produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP), sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), segundo o qual o número de matérias negativas divulgadas pela grande imprensa (Jornal Nacional, O Globo, Estado de São Paulo e Folha de São Paulo), considerando apenas a cobertura de economia, despencou na comparação entre 2015 (quando o “Cavalo de Troia” Joaquim Levy era o Ministro da Fazenda de Dilma)  e 2017 (com Meirelles no comando da equipe econômica de Temer), mesmo diante do aumento recorde do desemprego.

Os humores da grande imprensa de fato parecem acompanhar os humores do Mercado. Basta lembrar que a revista Isto é elegeu Dilma Rousseff a brasileira do (não tão distante) ano de 2011. Em abril de 2016, a brasileira do ano de 2011 foi destaque de capa da mesma Isto é, agora, porém, apresentada aos leitores como uma mulher histérica e descontrolada (nas demais revistas semanais é possível identificar padrão semelhante de mudança na apresentação da presidente).

http://istoe.com.br/181353_BRASILEIROS+DO+ANO+2011/

Dilma, uma estadista de visão

Dilma, “A Louca”, na capa da Isto é de abril de 2016

Conforme ensinam os Versos íntimos do Augusto dos Anjos, “a mão que afaga é a mesma que apedreja”…

Seria, por sua vez, a mão anárquica, a mesma que planeja?

 

Vitor Augusto Meira França – Economista pela USP, mestre em economia pela FGV-SP e professor universitário

 

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