Eleições Americanas: o ringue azul e vermelho

Há um pouco mais de uma semana o mundo acompanhou as eleições legislativas de meio de mandato dos Estados Unidos (the midterm elections) que definiram os novos deputados, senadores e governadores. Foram votados 36 senadores (de um total de 100), 36 governadores (de um total de 50) e 435 deputados. Com recorde de baixa, o governo do democrata Obama obteve somente 41% de aprovação e sofreu uma perda profunda em sua representatividade no congresso. A maioria de deputados já era republicana (233 deputados republicanos para 199 deputados democratas). Agora, com vitória republicana também no Senado – considerado o “troféu das eleições” e anteriormente ocupado predominantemente por democratas – a aprovação de leis de interesse federal vai se tornar muito mais laboriosa. Mas nem só o presidente democrata está desagradando. Com somente 12% de aprovação à atuação dos congressistas, o descontentamento dos eleitores com ambos os partidos deixou evidente uma falta generalizada de confiança nas instituições do governo. Mas antes de entrarmos em uma análise das consequências desse resultado, entendamos um pouco mais sobre as eleições norte-americanas.

Os partidos

O Partido Republicano – cujo símbolo hoje é o elefante e a cor vermelha – ocupou pela primeira vez a principal cadeira da Casa Branca em 1854 com Abraham Lincoln, em oposição à escravidão. Depois de passados os períodos de recessão de 1930, Guerras mundiais e Guerra Fria, o partido foi aderindo a um lado mais conservador, se aproximando, hoje, de um eleitorado característico [geralmente] de maioria composta por homens de classes mais altas, membros do meio financeiro e de negócios, profissionais liberais e protestantes; são adeptos à menor intervenção do governo e conservadores no que tange temas mais polêmicos como legalização de maconha, casamento gay, aborto e eutanásia.

Já com o Partido Democrata – sujo o símbolo é o burro e a cor azul – aconteceu o oposto. Criado em 1933 por partidários da escravidão, o partido democrata foi adquirindo ideologia liberal – lembrando que lá a palavra ‘liberalismo’ tem um sentido diferente, não remete ao ‘liberalismo clássico’, que inclusive também é defendido pelos Republicanos, mas aos defensores de políticas mais intervencionistas e de cunho social-democrata-. Desde as políticas econômicas intervencionistas do democrata Franklin D. Roosevelt com New Deal, quando assumiu o país em plena recessão dos anos 30, o partido aderiu à proposta de equilibrar o capitalismo com as causas sociais, passando também a defender as minorias.

O Sistema Eleitoral

Os Estados Unidos funcionam sob o Sistema Federalista, o que significa que o poder é compartilhado entre o governo federal e os governos estaduais. Lá, as eleições presidenciais não são pelo voto direto, como ocorre no Brasil. Os eleitores americanos podem eleger diretamente os Delegados de seus respectivos Estados, que comporão os Colégios Eleitorais e são estes delegados que vão representar os eleitores de suas unidades federativas para, então, votar no futuro presidente. O número de delegados eleitos por unidade federativa é proporcional ao tamanho da sua população. Portanto, este sistema não confere peso igual aos Estados. Quanto mais populoso, maior o número de pessoas que este Estado leva ao congresso. Dessa forma, o candidato à presidência, precisa conquistar no Colégio Eleitoral um mínimo de 270 votos de um total de 538, tendendo a concentrar os esforços de sua campanha nas regiões mais populosas. A eleição do ex-presidente George W. Bush foi um exemplo de vitória sem apoio da maioria, o republicano foi eleito mesmo tendo 500 mil votos a menos que seu concorrente democrata Al Gore, pois ele possuía 271 votos no Colégio Eleitoral, um a mais que o mínimo necessário para se eleger presidente.

Outra peculiaridade do sistema de votação norte americana é o que eles chamam de “The Winner takes it all”: independente da porcentagem com a qual foi eleito,

o vencedor tem direito a levar todos os representantes para o Colégio Eleitoral e o perdedor não leva nenhum. Por considerar, assim, somente o número de votos absoluto e não o relativo, este sistema desconsidera totalmente os que votaram contra naquele Estado. Ganhar com 51% de aprovação ou 80% não faz diferença, o vencedor leva tudo.

Além disso, cada Estado nos EUA tem o poder de criar leis próprias que definam a quem é permitido votar e, ainda, definir qual método eles vão adotar, se por urnas eletrônicas ou cédulas. Como se não bastasse, se for escolhida votação por meio de cédulas, cabe também à particularidade de cada Estado o poder de definir qual será o seu formato. Dado este arranjo já complexo, a utilização de diferentes formatos de cédulas em cada eleição e por cada Estado confunde o eleitor, podendo conduzi-lo ao erro, o que já ocorreu num passado recente, atrasando em meses a apuração dos resultados.  Um sistema eleitoral como este – confuso e que pode não ser representado pela maioria – desestimula o interesse da população nas eleições, principalmente quando se trata de um país cujo voto não é obrigatório. Nesta última midterm, isto ficou muito claro com a abstenção de 60% dos votos.

 

As contradições

Muitas contradições ficaram evidentes no dia 4 de novembro. Comentando primeiro no campo da esfera social, nos referendos realizados durante o ano: ao passo que os eleitores votaram em medidas progressistas, como legalização do aborto e da maconha e do casamento homossexual, nas eleições, eles votaram no partido conservador. Isso recorre muito do fato de que o perfil das pessoas mais engajadas nas eleições e que saíram de casa pra votar era predominantemente republicano. A porcentagem de participação de jovens, negros e mulheres foi consideravelmente menor. Isso gera uma distorção dos dados, visto que o resultado apurado nem sempre representa a vontade da maioria. Por isso o engajamento dos democratas em estimular nas pessoas o sentimento de responsabilidade de cidadania.

No campo econômico, quem acompanhou a performance do crescimento da economia dos EUA nos últimos meses deve ter percebido uma melhora nos índices: a taxa de desemprego caiu de 7,2% para 5,8%. O crescimento do PIB foi de 3,5% no terceiro trimestre, muito melhor frente aos 0,1% do primeiro trimestre. A bolsa de valores já está refletindo uma expansão. As finanças públicas estão relativamente abastecidas, pelo menos se comparado aos atuais padrões europeus. Resumindo, a economia americana está conseguindo, mesmo que timidamente, se recuperar. Então, uma questão interessante colocada pela The Economist na semana posterior as eleições: se a América está entrando em boa forma, por que tanto reclamam de Obama a ponto de os próprios democratas tentarem desvencilhar sua imagem da dele nas campanhas?

O problema é que, apesar de os sintomas de crise estarem se dissipando, a população não sente esta melhora. Mesmo com a redução do desemprego, não houve aumento real nos salários, apenas um aumento 2% para cobrir a inflação. Ou seja, num contexto em que 78% dos eleitores dizem estar preocupados com a economia e que creem que seus filhos terão de encarar um futuro pior ainda, enquanto não tivermos aumentos reais de salários, os consumidores vão preferir poupar seu dinheiro e, se não temos gastos, não temos uma economia fortalecida.

Essa insegurança quanto ao futuro se instalou na crise de 2008 e permanece na sociedade americana desde então. E a falta de confiança da população é o preço pago por Barack Obama na tarefa de curar a ressaca da crise do governo anterior, republicano inclusive, marcada pela falta de regulação das instituições financeiras. Mas, como na maioria das vezes, o importante é que arranjem um culpado pelos males do mundo. Como o presidente é o alvo mais fácil, Obama foi o premiado. Isso tudo somado aos escândalos de espionagem do governo federal, à administração da crise do Ebola, aos problemas nas intervenções militares na Síria, enfraquece ainda mais sua popularidade. Tanto é que a principal estratégia adotada pelos republicanos nestas eleições foi a de vincular as imagens de seus adversários à de Barack Obama, fazendo com que os próprios democratas não declarassem apoio entre si, ou discordassem de algumas políticas do presidente.

[caption id="attachment_2192" align="aligncenter" width="548"]elefante O entrave entre Republicanos e Democratas[/caption]

Para qualquer presidente, encerrar o governo com oposição no congresso nunca é bom. Contudo, os eleitores não podem por a mão no fogo pelos republicanos. Eles vão precisar de muito jogo de cintura no congresso para manter um diálogo minimamente amigável com Obama para garantir a recuperação paulatina da economia americana, cujo desempenho afeta o mundo todo.

Seja qual for o veredicto, esperamos que essa composição de legislativo republicano e executivo democrata não se limite à rixa partidária, promovendo combates desgastantes e inúteis. Se prevalecer esta disfunção, os republicanos também não terão um horizonte amplo nas próximas eleições. Assistimos em 2013, depois de uma bateria de discussões intensas sobre elevar ou não o teto da dívida, o governo americano parado por dias esperando os dois partidos entrarem em acordo. Se houver um segundo round, não sobrará ninguém em pé.

Lara Siqueira Oliveira

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Lara Siqueira

Atualmente, na companhia das melhores vodkas do mundo, estuda economia e finanças internacionais na Higher School of Economics, em Moscou - Rússia. Veio direto do interior de Minas (Quebrando o monopólio do Victor Candido e formando um duopólio UAI), abrindo mão da sonhada relações internacionais, é graduanda em economia pela Universidade Estadual de Campinas.Para nadar contra a correnteza, participa da diretoria do Grupo de Mercado Financeiro da UNICAMP, onde descobriu seu gosto por temas da área. Na sua busca pelo estrelato já foi campeã mineira de astronomia e xadrez (devidamente atestado no seu teste de entrada no blog, quando derrotou todos os demais membros em menos de cinco minutos!). Acolhida pelo Terraço, foi a primeira mulher a participar o blog. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2016.

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