Ensino superior no Brasil: uma máquina de fazer dinheiro

Há pouco mais de duas semanas, o meu amigo Leonardo de Siqueira Lima escreveu um artigo no Terraço (ver aqui) a respeito da crise que se instalou nas dependências da Universidade de São Paulo, motivada pelo déficit mensal de R$ 90 milhões, como divulgado pela reitoria. Leonardo então sugeriu algumas saídas técnicas para combater esse problema crônico na USP. Como algumas possíveis saídas para esse problemas (ainda que não necessariamente sejam simples ou até mesmo triviais de serem aplicadas), ele cita a possibilidade de oferecer cursos de curta duração ou por meio de cobrança de mensalidade. O artigo recebeu diversos elogios, grande número de compartilhamentos, mas como qualquer assunto polêmico também recebeu diversas críticas em especial quanto à cobrança de mensalidade. Insultado por alguns como o lunático, maluco, ou filho da alta burguesia foram os mais leves. “Mas que absurdo”, pensaram alguns; “a USP é do povo!” gritaram outros.

O ponto é – e isso ninguém pode questionar – que a situação financeira da USP é alarmante. Problemas sérios de gestão foram cometidos e será preciso esforços mútuos a fim de que os tempos áureos voltem para a Cidade Universitária. Se a USP tem questões financeiras estruturais a resolver, há um conjunto de empresas que não tem o que reclamar do ensino superior no Brasil. Se por um lado há as conhecidas faculdades butiques como FGV, Insper e Fundação Dom Cabral com excelentes resultados, também há espaço para as faculdades que visam atender de forma massificada como Kroton, Estácio e Anhanguera. E é sobre elas que gostaria de falar a partir de agora.

Antes, uma pequena história

Dois representantes de duas fábricas de sapatos foram sondar o mercado de calçados na Índia. Depois de algum tempo, o primeiro ligou para a Sede da fábrica e disse:

-Aqui ninguém usa sapatos! Não podemos abrir nada aqui.

O outro, por sua vez, falou:

-Aqui ninguém usa sapatos! Uma fábrica não dará conta para calçar todos.

Ou seja, a situação está nos olhos de quem vê.

Mas e a educação no Brasil? Oportunidade ou obstáculo?

Em meados dos anos 2000, apenas 4,4% dos brasileiros possuía diploma de ensino superior. O que era visto por muitos como uma sina (como no primeiro caso da nossa história), foi visualizada por outros como uma excelente oportunidade de negócios. Com isso, não por coincidência, em 2012, chegamos próximo dos 11%. Como podemos notar, a evolução do número de matriculados é notória nesse período:

Fig1 Fonte: MEC/Inep. Elaboração: Ministério da Educação

Em 2000, havia 2,5 milhões de alunos matriculados. A evolução desse indicador é impressionante, uma vez que em 2012, esse número já havia superado 7 milhões, elevação de 180%. Outro aspecto interessante é que, em 2012, 73% dos alunos matriculados estavam em instituições privadas. De fato, a evolução desde 2000 não deixa dúvidas que as vagas oferecidas aumentaram predominantemente nas organizações acadêmicas privadas, enquanto que o número de alunos matriculados em instituições públicas pouco aumentou. Assim, percebe-se que a maior participação de mercado das particulares resultou em maiores receitas e domínio de mercado. Como se diz por aí, os números falam por si só[1]:

Fig2

Fonte: Hoper Estudos de Mercado (2013). Elaboração: Globo

Apenas as duas primeiras instituições correspondem a 16% do mercado. Cabe ressaltar que Kroton e Anhanguera informaram em 2012 que iriam juntar seus negócios, e recentemente -maio/2014 -o CADE aprovou a fusão com algumas ressalvas. De qualquer forma, a expectativa é da criação de uma instituição com mais de 1,1 milhão de alunos e quase 20% de market-share.

Interessante notar que boa parte dessas instituições são empresas abertas, sendo possível avaliar seu desempenho financeiro. Os investidores que compraram ações na bolsa de valores não estão nem um pouco arrependidos:

Fig3 Fonte: Google Finance. Elaboração: Terraço Econômico

Uma margem líquida de 16% não é de se jogar fora[2]. Para se ter uma ideia, no setor de varejo, por exemplo, esse número dificilmente passa dos 10%.Caso a USP3 fosse uma ação,estaria com desempenho decadente, muito possivelmente seria já uma penny stock… digna de ser negociada por Jordan Belford em o Lobo de Wall Street.

Um negócio como qualquer outro

Embora muitos tenham receio de ver a educação como um negócio lucrativo, ela não deixa de ser um negócio como qualquer outro, ou seja, uma empresa investe e espera um retorno financeiro sobre o valor despendido. Por isso, a grande sacada dessas empresas foi visualizar o ensino superior como um produto a ser comercializado como qualquer outro.[3] Poderia ser alimentos, medicamentos ou na cadeia de petróleo e gás.  Inclusive as estratégias de mercado executadas pelas empresas de educação são compartilhadas por companhias globais de outros setores da economia, como foi o casodas fusões e aquisições em 2007-12. Outro fator que corrobora essa visão estratégica é a busca incessante pela eficiência nos negócios e foco no resultado: a contínua necessidade de redução de custos concomitante ao aumento das receitas.

É claro que a educação deve ser disseminada de forma universal e sem qualquer discriminação, de forma que todos tenham acesso a ela de forma igualitária. Isso está garantido em nossa constituição. Tendo em vista o sucesso recente na gestão das empresas do setor de educação, não cairia nada mal se a USP tivesse algumas aulinhas a fim de melhorar a administração de seus próprios recursos.

Mas afinal, isso é bom para o Brasil?

Não podemos esquecer do interminável debate entre a dificuldade de aliar quantidade (que essas instituições fazem tão bem) com a qualidade de ensino (que às vezes é questionada). Tendo isso em mente, muitos dizem que essas instituições não causam impactos positivos na sociedade brasileira, haja vista que elas visam unicamente o lucro. Discordo dessa visão.

Embora elas não possuam a qualidade de ensino que FGV, Insper e USP têm, Kroton, Anhanguera e companhia cumprem um papel que era antes inexplorado no mercado de educação no Brasil. Dessa forma, esses dois grupos tampouco competem pelos alunos: os nichos de mercado e objetivos de ensino são divergentes.

O fato é que temos hoje mais de 7 milhões de matriculas nas organizações de ensino superior. Se algumas delas visam ao lucro por um lado, por outro colaboram consideravelmente para a capacitação de mão-de-obra de parcela dos trabalhadores brasileiros, que é, por si só, um fator crucial para o crescimento sustentado da economia nacional.

Arthur Solow 10150315_10203286615669938_2080093610_o

[1]Os dados da tabela são referentes a 2012, que foi o ano da última divulgação do Censo de Educação Superior pelo INEP.

[2] Aqui cabe uma questão: como essas instituições de ensino seriam tão lucrativas se não fosse o ProUni/FIES? Será que essa alta margem não é sustentada pelos recursos da própria sociedade? Bela discussão, mas fica para outro momento…

[3] Sobre a mercantilização do ensino superior brasileiro, ver: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782013000300013&script=sci_arttext

Arthur Solow

Economista nato da Escola de Economia de São Paulo da FGV. Parente distante - diz ele - do prêmio Nobel de Economia Robert Solow, que, segundo rumores, utilizava um nome artístico haja vista a complexidade do sobrenome. Pós graduado na FGV em Business Analytics e Big Data, pois, afinal, a verdade encontra-se nos dados. Fez de tudo um pouco: foi analista de crédito e carteiras para FIDCs; depois trabalhou com planejamento estratégico e análise de dados; em seguida uma experiência em assessoria política na ALESP e atualmente é especialista em Educação Financeira em uma fintech. E no meio do caminho ainda arrumou tempo para fundar o Terraço Econômico em 2014 =)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Yogh - Especialistas em WordPress