Entrevista com Monica de Bolle

Entrevistamos Monica Baumgarten de Bolle, graduada em economia pela PUC/RJ e doutora em economia pela London School of Economics. Atualmente é senior fellow no Peterson Institute for International Economics e Professora da School for Advanced International Studies | Johns Hopkins University. Foi sócia da Galanto Consultoria, economista do FMI e diretora da Casa das Garças.

Colunista do Estado de São Paulo e do jornal O Globo, Monica foi autora e co-autora de diversos livros e está lançando sua última obra, “Como Matar a Borboleta Azul – Uma Crônica da Era Dilma”, sobre as intenções e os efeitos de políticas econômicas mal pensadas e implementadas.

Confira a entrevista que fizemos sobre o que passou e o que nos aguarda no campo econômico.

Terraço Econômico – Quando o assunto é o governo Dilma, muito é dito sobre a desastrosa política fiscal. Mas você já fez diversos comentários sobre a ingerência de Dilma na política monetária, dizendo, inclusive, que ela havia sido a “presidente do Banco Central” em seu primeiro mandato. Como você avalia estas interferências no seu livro, principalmente no que diz respeito ao mau sinal que estes movimentos enviaram sobre a credibilidade do BC? O que o governo Dilma deixou de lição sobre o desenho da instituição?

Monica de Bolle – Acho que o governo Dilma promoveu verdadeiro desmonte institucional em todas áreas. Na política fiscal, a LRF foi arrombada pela contabilidade criativa, pedaladas e descumprimento de metas. Para não falar das desonerações atabalhoadas. Na área monetária, o Banco Central foi submetido a uma política cujo objetivo era levar a taxa de juros real para 2% de qualquer maneira, sem levar em conta as restrições que se impunham naquele momento – a inflação alta, as expectativas desancoradas. Por fim, o crédito público desenfreado que ajudou a pôr todos os pregos que faltavam no caixão da política macroeconômica. Dilma enterrou a política macroeconômica, que agora está sendo reconstruída a duras penas e grandes sacrifícios.

No final do ano passado, você demonstrou preocupação com as relações entre o BC e Tesouro. Na ocasião, foi editada a MP 704, que permitia que o governo pagasse as pedaladas utilizando o dinheiro da conta única do Tesouro no BC. Esta medida só foi possível devido à Lei 11803, aprovada ainda no governo Lula, que instituía a contabilização dos ganhos não-realizados das reservas internacionais na conta única. Você trata desta questão no seu livro?

Não diretamente. Essa questão é bastante técnica, e, como o objetivo desse livro era dar uma ideia para o público geral sobre como pôde o Brasil chegar ao estado lastimável em que chegou, não entro a fundo em questões como as relações entre Tesouro e Banco Central. Não há dúvida de que o relacionamento incestuoso entre as duas instituições foi fonte de mais desagravos e problemas institucionais, mas esse tema está mais bem abordado para os interessados no livro que o Edmar Bacha lançará em breve, em coautoria com diversos especialistas.

Na sinopse do livro, divulgada recentemente em sua página do Facebook, chama-se atenção à fluência e simplicidade do texto, mesmo para leitores mais “leigos”. Você acredita que parte da pobreza do debate econômico no Brasil se deve justamente à complexidade da linguagem empregada por economistas (e muitas vezes, a quase ininteligível divagação de certas figuras influentes) no Brasil, afastando a “massa” de importantes debates para a sociedade?

Acho que sim. Como eu gosto de dizer, a economia é coisa da vida, de todos os dias. Todos têm alguma noção do que se trata – a inflação, os juros altos, o desemprego – mas a explicação do que leva a isso deixa muito a desejar. Há uma lacuna imensa a ser preenchida na comunicação do que ocorre na economia, de como as coisas de fato funcionam, sem cair no tecnicismo e nos jargões. O livro tenta preencher essas lacunas em relação ao ocorrido durante a era Dilma.

O motivo jurídico para o afastamento de Dilma Rousseff são as chamadas pedaladas fiscais e a abertura de créditos suplementares para o Plano Safra. Em menor escala, presidentes anteriores à Dilma recorreram a esse tipo de artifício, mas notadamente não utilizaram como uma política de governo, e não comprometeram sobremaneira as contas públicas. Você acredita que os dois argumentos utilizados pela acusação (Créditos Suplementares e Pedaladas Fiscais) foram suficientes para afastar a Presidente Dilma?

Ah, essa é uma questão muito complicada. Eu defendi o impeachment porque acreditava que Dilma tinha perdido qualquer possibilidade de governar o país e de dar rumo à economia brasileira. Além disso, também acreditava que deveria haver algum tipo de “accountability” para o descalabro fiscal por ela perpetrado. Dito isso, entendo quem tenha visto na tecnicalidade do argumento das pedaladas base insuficiente para afastar uma presidente eleita. Não aceito a ideia de “golpe”, mas entendo perfeitamente quem tenha ficado muito insatisfeito com o processo. Entendo, sobretudo, porque o impeachment, seja onde for, é um processo político, antes de tudo. E, nossos políticos estão longe, muito longe de esbanjar credibilidade, não é?

Temos observado o adiamento da reforma previdenciária, aumento dos salários do judiciário, dificuldade na contenção dos gastos públicos… O governo mudou de presidente mas não de ideologia?

Acho que a questão é mais profunda do que essa. O Congresso mudou? O Congresso está disposto a encarar a perda de privilégios para restaurar a higidez da economia? E os grupos de interesse, mudaram de opinião? Por fim, e as pessoas, entendem porque a reforma da previdência é necessária. Penso que a resposta para todas essas perguntas é um estrondoso NÃO. Portanto, não se trata tanto de ideologia, mas do que se quer para o País, dentro da cultura perdulária que ainda vigora. Ninguém quer abrir mão do seu quinhão.

Por quanto tempo teremos este ímpeto reformador, com mais racionalidade nas decisões de políticas públicas, discussões sérias sobre sanidade fiscal e previdenciária, até que mais um governo populista volte e comece a fazer tudo de novo, como se tivesse descoberto o elixir do desenvolvimento econômico? Em suma: quando você vai escrever um novo livro sobre este tema específico?

A sequência do livro sobre a era Dilma será, naturalmente, o ocorrido nos anos Temer. Até lá, saberemos o que realmente aconteceu de transformador na economia brasileira. Por ora, reservo-me o direito à cautela!

Por fim, a borboleta azul foi morta ou está apenas adormecida? O que é preciso para reanimá-la?

No sul da Inglaterra uma junta de biólogos e cientistas demorou mais de 4 décadas para recuperar a população das borboletas azuis que precedera o desastre ambiental do início dos anos 70, metáfora de meu livro para ilustrar os anos Dilma. A destruição de Dilma foi grande em seus cinco anos de governo. Restaurar a economia brasileira é trabalho para ao menos uma década. O que é preciso? Reformas, desde a Previdência, às leis trabalhistas, à nossa estrutura tributária, aos diversos aspectos microeconômicos, à remoção de velharias como as regras de conteúdo local. Também precisamos de abertura comercial, de um melhor entendimento sobre como funcionam, hoje, as relações de comércio e investimento – não é só reduzir tarifas e barreiras não-tarifárias, mas integrar-se às novas regulações e padrões que orientam essas discussões, como as travadas durante a negociação do TPP. O Brasil parece ter vontade de entrar de cabeça nesses temas, mas ainda não sei se todos entenderam o esforço e o trabalho envolvidos.

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