Financiamento público de campanhas: uma ideia que não deveria ser totalmente descartada.

Uma das propostas mais polêmicas da reforma eleitoral que está sendo discutida no congresso brasileiro é a criação de um fundo bilionário para financiar as campanhas políticas. Pela proposta inicial do relator, deputado Vicente Cândido (PT-SP), o fundo receberia 0.5% das receitas da União, atingindo um valor estimado de R$ 3.6 bilhões. A pergunta é, esse dinheiro seria bem gasto?

Reconheço que é complicado defender a criação de um fundo público para financiamento das campanhas eleitorais com os políticos que temos hoje. Mas vamos tentar “despersonalizar” essa discussão e pensar objetivamente: tem vantagem para cidadãos pagar as campanhas eleitorais?

Uma das principais características de uma democracia, segundo o cientista político Robert Dahl, um dos mais influentes pensadores sobre o assunto, é a igualdade entre os eleitores [1]. Isso significa não só que o voto de cada cidadão tem o mesmo valor, mas também que cada eleitor deve ter a mesma influência no processo político. Sabemos o voto na urna do Marcelo Odebrecht vale o mesmo que o da Dona Maria, mas alguém imagina que eles têm a mesma influência no processo político quando só um deles faz doações milionárias para para diversas campanhas políticas?

Claro que a ideia de igualdade de influência é utópica. Basta um cidadão ter acesso a internet, por exemplo, para ser mais influente do que aquele que não tem. Mesmo assim vale a pena criar mecanismos para diminuir o efeito da riqueza na influência política. Para Dahl, podemos fazer muitas críticas `a democracia, mas ela é um sistema que merece ser preservado. É como se tivéssemos em um ônibus em movimento com alguns defeitos a serem consertados. No Brasil, parece que os motoristas estavam bêbados, sem carteira, roubaram quatro pneus e ainda fundiram o motor do ônibus. Mas é melhor consertá-lo do que andar a pé.

Com um fundo público os políticos também poderiam concentrar o seu tempo trabalhando naquilo que foram eleitos para fazer, ou seja, criar e executar leis que melhorem a vida das pessoas. Hoje nós brasileiros já pagamos cerca 10.2 bilhões [2] para sustentar o apenas o Congresso Nacional, e esse valor é multiplicado se considerarmos as câmaras estaduais e dos vereadores. Vale a pena gastar esse valor todo para que os políticos fiquem correndo atrás de dinheiro? Nos Estados Unidos, por exemplo, estima-se que os membros do congresso gastem mais da metade do seu tempo [3] levantando recursos para suas campanhas.

As pessoas que defendem a criação de um fundo eleitoral nos EUA, entre elas o ex-presidente Barack Obama e o senador Bernie Sanders, acreditam também que ele teria a função de criar mais competição saudável entre os políticos, uma vez que aumentaria a diversidade entre os candidatos. É muito caro participar de uma eleição e para as minorias que historicamente são menos representadas é sempre mais difícil levantar recursos para uma campanha. Para isso é importante, claro, que os recursos do fundo sejam distribuídos de forma a estimular essa diversidade e não apenas para facilitar a vida daqueles que já estão na vida pública. Esse é o ponto mais importante e talvez o que seja mais difícil encontrar um consenso. Como repartir o bolo?

Acho interessante olharmos também para os modelos de financiamento de campanha em outros países. Na Noruega, considerado um dos países menos corruptos do mundo (o sétimo da lista de percepção de corrupção pela Transparência Internacional) 74% das campanhas são financiadas com um fundo eleitoral público. Na Índia, o país que está em 79 lugar no ranking (a mesma posição ocupada pelo Brasil) há um limite para doação de empresas jurídicas de 5% dos lucros. Lá, como cá, as empresas fazem doação por baixo do pano. Um valor de 2 bilhões em “caixa 2” foi estimado nas últimas eleições. Segundo Anupama Jha [4], diretor da Transparência Internacional (TI) na Índia “é extremamente difícil entrar na política sem molhar a mão de alguém e por isso as pessoas acabam votando em políticos corruptos porque não há outra alternativa”. Parece familiar? Na Rússia o problema é ainda pior. Segundo Elena Panfilova, diretora da TI russa existe uma regra para o governo, que controla quase toda a imprensa, e outra regra para a oposição, que tem muito mais dificuldade para divulgar suas propostas e realizações.

É importante ressaltar que boa parte das propinas que foram pagas e recentemente reveladas pela Operação Lava Jato eram usadas justamente para financiar campanhas políticas. É claro que as empresas não doavam esses valores por razões ideológicas, elas esperavam contrapartidas dos políticos. Esperavam e recebiam. Um estudo muito interessante realizado por pesquisadores das universidades de Boston e Berkeley [5] revelou que as empresas que doavam para candidatos a deputado federal no Brasil recebiam cerca de 8,5 vezes o valor doado em contratos com o setor público caso o candidato contemplado com a doação fosse efetivamente eleito.

Idealmente as campanhas deveriam custar menos. Os custos das campanhas cresceram como uma espécie de “corrida armamentista” na qual você precisa gastar mais do que o seu competidor caso queira vencer o pleito. Por isso é interessante que se discuta limites que tenham como objetivo impedir “grandes produções” publicitárias nas campanha. Os candidatos devem ter um espaço para apresentar suas ideias, mas a geração dos youtubers mostrou que não precisa muito recurso audiovisual para isso. O próprio voto distrital, que também está em discussão no Congresso e que divide os Estado em distritos menores também poderia reduzir o custos das campanhas. Mas isso abre espaço para toda uma outra discussão que foge do tema deste artigo.

É claro que é muito complicado defender dar mais alguns bilhões para os políticos ou partidos em um momento em que sabemos que muitos deles deveriam estar presos e não concorrendo à reeleição. Ainda mais se considerarmos que o país atravessa um momento de grave crise fiscal. Mas isso não tira a importância de discutirmos alternativas para o financiamento das nossas campanhas eleitorais. Impedir que as empresas façam doações foi um passo importante. Mas que não irá mudar nada se pessoas físicas puderem doar de maneira oculta [6] e se o caixa 2 continuar sendo visto (e julgado) como “algo que todo mundo faz, então tudo bem”.

Em resumo, as pessoas comuns também precisam de lobby dentro do processo político para que possam ter influência. O fundo eleitoral pode ser uma alternativa para criar esse “lobby-cidadão” ainda que agora não seja o momento para isso.

Renata K. Velloso Médica, formada em administração pública, vive e trabalha na Califórnia. Referências [1] https://www.scribd.com/doc/137052339/Dahl-On-Democracy [2] http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/13678 [3] https://www.termlimits.com/congress-fundraising-priority/ [4] http://www.cnn.com/2012/01/24/world/global-campaign-finance/index.html [5] http://www.bu.edu/polisci/files/2011/03/political_investment.pdf [6] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/08/1910194-relatorio-da-reforma-politica-reve-doacao-oculta-limite-e-pesquisas.shtml      

Renata Velloso

Se de médico e louco todo mundo tem um pouco, Renata tem muito. Logo após se formar em Administração Pública pela EAESP-FGV, trabalhou no mercado financeiro com passagem pelo Citibank, Chase e JPMorgan. Certo dia, cansada da vida boa e rica no ar condicionado, resolveu abandonar tudo para ir estudar Medicina na Unicamp, onde se formou em 2010. Atualmente, além de ser bela e recatada, trabalha com projetos de inovação na área de saúde no Vale do Silício na Califórnia e também é autora do Criando Unicórnios, um livro de empreendedorismo para jovens e adolescentes.
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