Fusão de conflitos: M&A na era Trump

A construção de um muro na fronteira dos Estados Unidos com o México já é um projeto conhecido do programa de Donald Trump, concretize-se ele ou não. Porém, outra barreira que pode vir a ser estabelecida pelo novo presidente, tão importante para a economia do país quanto aquela que impediria a entrada de imigrantes vindos do território vizinho, não tem chamado tanto a atenção dos americanos quanto deveria. Trata-se do obstáculo que tornaria mais difícil o processo de fusões e aquisições, a partir de reformas a serem realizadas na legislação bancária e antitruste, trazendo consequências imediatas não só às empresas, mas também para os consumidores.

Em diversos momentos ao longo da campanha eleitoral, Trump deixou claras as suas intenções de vetar acordos que tornem uma única companhia controladora de significativa parcela do mercado. O magnata ressaltou, por exemplo, que impediria, em sua administração, a compra da Time Warner, dona de canais como HBO e CNN, pela AT&T, estipulada em U$83,4 bilhões. Um contrato firmado entre essas duas gigantes da comunicação de fato tornaria a operação uma das maiores da história em parcela do mercado a ser controlada e volume de capital. Logo, os críticos da aquisição alegam que a adquirente poderia beneficiar seus clientes com programas da Warner – ou até mesmo restringi-los a eles – ferindo a justa e livre concorrência.

A questão é: como o próximo presidente colocaria em prática as suas intenções de impedir a formação dos monopólios? De acordo com seus discursos, ele pretenderia interferir diretamente, impedindo a consumação do acordo. Como vem fazendo desde que assumiu o cargo executivo, poderia acabar assinando decretos que tratassem do assunto. Porém, nos Estados Unidos, para que possam acontecer as operações de fusões e aquisições é necessária a aprovação da Comissão Federal de Comércio – FTC, um equivalente ao CADE brasileiro – e do Departamento de Justiça, o que passaria por grande resistência para ser revertido. Algumas vezes, como no caso da AT&T e da Time Warner, os contratantes procuram convencer também os senadores, contanto que tenham devidamente registrado suas intenções de acordo com a lei que regulamenta e legaliza o lobby no país, já que os congressistas, mesmo não tendo papel decisório ativo, possuem uma certa influência sobre os reguladores.

Por isso, além de indicar os seus próprios homens para os cargos mais importantes de tais órgãos, como apontado pelo ex-presidente do CADE, Vinicius Marques de Carvalho, em seu artigo “Trump, trust e bananas”, Trump poderia tentar moldar a legislação antitruste, atendendo a uma das exigências dos Republicanos e endossando a seção 2 do Sherman Act, que regulamenta a formação de monopólios e define as penas, variando de multas a reclusão. Esse documento, promulgado em 1890, é o principal diploma responsável por delinear o ambiente competitivo nos Estados Unidos, complementado pelo Clayton Act e pelo FTC Act, ambos de 1914.

Porém, o próprio magnata já foi julgado três vezes pela Comissão Federal de Comércio com base em tal legislação, por conta de operações envolvendo empresas, ligas de futebol e cassinos do qual era dono. Resta saber, então, se ele irá privilegiar os seus interesses como empresário em relação a grandes operações de fusões e aquisições ou se decidirá endossar as propostas antimonopolistas de seu partido.

Além disso, um outro projeto de Trump que tem ganhado destaque é a possível reforma do Dodd-Frank Act, legislação instituída após a crise de 2008 que estabelece diversas restrições às instituições bancarias. De acordo com os advogados Michael Aiello e Heath Tarbert, regulações de instituições financeiras tendem a gerar ondas de fusões e aquisições, pois essas organizações irão procurar novas formas de financiamento, já que precisarão de mais capital para se adequarem à burocracia. Segundo eles, consequências geradas por esse diploma não seriam diferentes, mesmo que exista uma divergência na doutrina a respeito do impacto que o Dodd-Frank teria sobre essas operações.

Portanto, a revogação do Dodd-Frank, ou até mesmo uma nova redação, como é esperado, poderia vir a desestimular acordos entre grandes bancos. Contudo, a maior mudança no volume das operações envolvendo fusões e aquisições seria consequência de possíveis reformas no Sherman ou no Clayton Act, uma vez que a legislação bancária também preserva, na seção “Antitrust Savings Clause”, o que é definido pela regulação especial antrituste. Assim, ao mesmo tempo que grande parte da legislação corporativa – e tributária – será menos severa, os diplomas que regem o Direito concorrencial nos EUA podem acabar sendo mais rigorosos.

Como o novo presidente norte-americano irá conseguir fazer com que essas operações alcancem plenamente os seus objetivos e a ao mesmo tempo impedir a formação de monopólios é a grande interrogação, já que na maioria das vezes elas são realizadas a fim de melhorar a produtividade ou os resultados das companhias envolvidas, gerando benefícios também a seus clientes. Porém, se pode perceber, com as recentes altas nos principais índices americanos, a exemplo do Dow Jones, que o mercado espera que sua administração favoreça o ambiente empresarial e estimule o crescimento ao simplificar a regulação corporativa. De qualquer forma, boa parte das políticas de Trump ainda são consideradas imprevisíveis. Serão notícias para os próximos tweets.

 

Maria Eugenia Cirillo é a atual presidente da Liga de Mercado Financeiro PUC-Rio. Entusiasta de temas como fusões e aquisições e abertura de capital, está cursando Direito e procura estudar o mercado financeiro sob uma ótica jurídica. Em Julho de 2016, estagiou na Chefia de Gabinete da Presidência da Comissão de Valores Mobiliários.

  Fontes: Explicação da Seção 2 do Sherman Act: http://anti-trust.laws.com/anti-trust-law/section-2-of-the-sherman-antitrust-act Artigo do Vinicius Marques de Carvalho: http://jota.info/colunas/coluna-do-vinicius/trump-trusts-e-bananas-14112016 Artigo sobre Trump e Sherman Act: http://antitrustconnect.com/2016/11/15/will-president-trump-revive-section-2-of-the-sherman-act/ Paper de Aiello e Tarbert: http://www.weil.com/~/media/Files/PDFs/Bank_MA_in_Wake_of_Dodd-Frank.pdf Dodd-Frank Act: https://www.sec.gov/about/laws/wallstreetreform-cpa.pdf Escolha dos antitrust advisors: http://www.forbes.com/sites/mattporzio/2017/01/17/trump-appointments-signal-shift-on-mega-mergers-antitrust-enforcement/#547965ab7f64 

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