Gaza e Criméia: Os Palcos Para o Teatro das Grandes Hegemonias 

Israelenses e Palestinos, Ucranianos e separatistas pró-Rússia. Enquanto estes se matam nos campos de batalha, quem são os verdadeiros protagonistas?

Especial para o Terraço Econômico |  Lara Siqueira Oliveira

A performance da Rússia

Desde março desse ano, quando a Rússia anexou a península Ucraniana da Criméia, as potências ocidentais vem impondo sanções ao governo russo acusando-o de piorar o conflito na Ucrânia, financiando separatistas que os EUA apontam como os responsáveis pelo abate do avião com quase 300 passageiros da Malaisyan Airlines no dia 17 de julho. Desde a Guerra Fria, não se viam retaliações econômicas tão duras entre esses países. Em resposta, a Rússia anunciou o embargo total das importações de certos alimentos da UE, EUA, Canadá, Noruega e Austrália. O país pretende compensar o embargo importando de outros como Brasil e Nova Zelândia. A Rússia ameaçou ainda impedir que as companhias aéreas dos países que impuseram as sanções voem em território Russo. Isso geraria um aumento significante nos custos com combustíveis, aumento dos preços das passagens aéreas e dos produtos comercializados na região asiática. As sanções, no entanto, ainda não foram suficientes para persuadir Putin a convencer os insurgentes separatistas a depor suas armas e encerrar os ataques contra os soldados ucranianos. A Rússia não parece disposta a desistir dos separatistas e continuará atuando, através destes, no conflito no território ucraniano. Seu papel é ficar nos bastidores, controlando a guerra ao seu modo, conduzindo no campo de batalha suas marionetes.

[caption id="attachment_1435" align="aligncenter" width="624"]tropas russa Tropas ‘supostamente’ russas na Ucrânia; Fonte Reuters.[/caption]

Enquanto isso, as retaliações no campo econômico e diplomático se aguçam. As sanções, antes simbólicas e ameaçadoras, representam agora uma afronta real ao comportamento russo. A Rússia parece não se intimidar. A UE não representa uma ameaça, pois sua economia continua manca e patina para sair da crise. Além disso, a UE depende francamente da Rússia: ela gera cerca de um terço da energia consumida na Europa  e é  responsável por simplesmente 21,5 % das exportações de verduras e 28% das de frutas vindas da UE.  Portanto, sobra para os EUA adotar uma postura mais ofensiva. O presidente do comitê de relações exteriores da Rússia, Alexei Pushkov, provocou o governo dos EUA, dizendo que “Obama não será lembrado como o homem que trouxe a paz, e sim o homem que reascendeu a Guerra Fria.” O que parecia, inicialmente, um conflito isolado à pequena região do leste ucraniano, se transforma em um duelo de gigantes.

A performance dos Estados Unidos

Para falar do conflito “soldados ucranianos X separatistas radicais”, temos que entender a relação da Rússia com essa região e os interesses político-econômicos que os guiam. O mesmo vale para falar do conflito ‘Israel X Palestina’. Para isso, temos que aprofundar nossos conhecimentos acerca da relação EUA-Israel e da influência desta potência mundial na atuação recente do Estado Judeu.

Desde a eleição que levou o grupo islamita Hamas ao poder na faixa de Gaza em 2007, território que fora entregue pelos israelenses aos palestinos dois anos antes, Israel e Hamas não dialogam, já que o primeiro enxerga o segundo como grupo terrorista. A Faixa de Gaza fica em uma situação delicada, portanto: ao mesmo tempo que está sob o controle de ativistas de Hamas, depende do Estado de Israel para ter água, energia, comunicação e dinheiro.

Desde junho deste ano, quando a escalada de violência entre palestinos do grupo islâmico do Hamas e israelenses começou, contabilizou-se mais de 1800 vítimas fatais da palestina (a maioria civis, um terço delas crianças) e cerca de 60 israelenses (maioria soldados). O motivo dessa diferença gritante? O moderno sistema de defesa de Israel, que conta com o mais novo aporte adicional para sistema antimísseis “Iron Dome” (Doma de Ferro) financiado totalmente pelos EUA, com recentes 225 milhões de dólares liberados para o país e elaborado em conjunto com as forças de defesa do Estado de Israel. Mas parece que Israel não está sabendo lidar com seu “brinquedo” novo. Depois de o país matar mais de 408 crianças palestinas com ataques aéreos à cidade de Gaza, depois de bombardear uma escola da ONU para refugiados, depois de chacinar mais de 800 civis e ferir mais de 2.500, Josh Earnest, porta-voz da Casa Branca, disse estar horrorizado com os últimos acontecimentos e ainda deu um ‘puxão de orelha’ no Estado judeu:

“Israel deve fazer mais para evitar as mortes de civis! Entretanto, o restabelecimento de munição a Israel é um procedimento de rotina, portanto, os EUA continuarão defendendo o fornecimento de armas ao país, visto que, graças ao seu moderno sistema de defesa, tivemos pouquíssimas vítimas israelenses” [caption id="attachment_1434" align="aligncenter" width="640"]israeli-look-iron-dome Crianças israelenses e uma bateria anti-aérea integrante do sistema ‘Domo de Ferro’; Autor Desconhecido.[/caption]

Realmente uma bela bronca! Os civis de Gaza podem ficar tranquilos, pois Israel aprendeu a lição. Enquanto o mundo repudia a tática de guerra adotada por Israel (bombardear tudo, independente se há crianças e mulheres no meio, pois a culpa é do Hamas, que esconde suas armas no meio dos civis), os EUA o consideram uma vítima do sucesso na prevenção de fatalidades internas.

Uma sinopse da peça: os EUA estão fornecendo de armas a apoio diplomático e logístico a Israel, enquanto o restante do planeta, inclusive a ONU, de modo ostensivo e inédito, afirma, sem a linguagem amena da diplomacia, que Israel massacra a população da faixa de Gaza. Israel, sob a proteção dos EUA, recebe a crítica mundial por massacrar civis, sendo um terço crianças. O que a Rússia faz na Criméia, considerando a amplitude da desgraça em Gaza, e falando em termos numéricos fatais, [por enquanto] é muito menos grave.

No final, resume-se sempre nas grandes potências fazendo o mundo dançar conforme sua música. Enquanto elas ficam protegidas pelas cortinas que separam a peça ensaiada da peça real, populações inteiras procuram refúgio em outros países. E esse povo, mesmo assistindo de camarote à destruição da nação que um dia [disseram] que lhe pertenceu, no cessar-fogo, na trégua, migra de volta com uma esperança inabalável.

Lara Siqueira Oliveira Graduanda em economia pela UNICAMP e editora da revista Markets pelo Grupo de Mercado Financeiro da UNICAMP 10170219_10203335365288648_276252663_o

Lara Siqueira

Atualmente, na companhia das melhores vodkas do mundo, estuda economia e finanças internacionais na Higher School of Economics, em Moscou - Rússia. Veio direto do interior de Minas (Quebrando o monopólio do Victor Candido e formando um duopólio UAI), abrindo mão da sonhada relações internacionais, é graduanda em economia pela Universidade Estadual de Campinas.Para nadar contra a correnteza, participa da diretoria do Grupo de Mercado Financeiro da UNICAMP, onde descobriu seu gosto por temas da área. Na sua busca pelo estrelato já foi campeã mineira de astronomia e xadrez (devidamente atestado no seu teste de entrada no blog, quando derrotou todos os demais membros em menos de cinco minutos!). Acolhida pelo Terraço, foi a primeira mulher a participar o blog. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2016.

Um Comentário

  1. Oi Lara! Em relação ao jogo de interesses, concordo totalmente com você. Acho que os EUA, e os outros países que exercem influência geopolítica se movem conforme seus interesses políticos e econômicos.
    Quanto a sua exposição, achei um tanto tendenciosa. Vamos a algumas partes de seu texto, que por sinal está muito bem escrito:
    “(…) Israel e Hamas não dialogam, já que o primeiro enxerga o segundo como grupo terrorista.
    Não é apenas Israel que vê o Hamas como grupo terrorista. Na carta de fundação do Hamas está previsto a extinção do estado de Israel. O Hamas cada vez mais vem mostrando ao mundo que necessita da guerra para sobreviver como instituição “política”, fato que enfraquece sobremaneira a reivindicação palestina de um estado próprio, ideal que eu, pessoalmente, apoio.
    Não é uma crítica apenas para você, Lara. A própria mídia, por vezes, dúvida das reações de Israel. No começo do conflito, muitos meios de comunicação noticiavam que Israel começou a atacar a faixa de Gaza porque havia a suspeita de que o Hamas tinha seqüestrado os três garotos. Mas muitos argumentaram: “ Que absurdo! O seqüestro foi na Cisjordânia e o Hamas fica em Gaza!”. Surpreendentemente, o Hamas assumiu hoje, 21/08, que de fato orquestrou e executou o seqüestro dos três meninos. Ufa, Israel não é tão mal assim…
    (…) depende do Estado de Israel para ter água, energia, comunicação e dinheiro.
    Em grande parte esse comentário é verdadeiro, embora o real motivo desse controle seja a possibilidade da entrada de armamento para o Hamas. Enquanto não houver a contrapartida do governo de Gaza, que como você bem citou não está mais sob domínio israelense, será preciso manter esse controle da entrada e saída de mercadorias e bens.
    (…) Mas parece que Israel não está sabendo lidar com seu “brinquedo” novo.
    Esse é o argumento mais fraco e, para mim, o mais incompreensível de todo o seu artigo. E veja, não foi só você que mencionou isso; tenho acompanhado comentários semelhantes no facebook e afins.
    Em primeiro lugar, Israel está sabendo lidar muito bem com o Iron Dome. Ele livra a população civil de milhares de foguetes que são jogados a qualquer momento sob território israelense. Aliás, vários acordos de cessar-fogo foram descumpridos devido ao lançamento de foguetes.
    Em segundo lugar, eu pergunto: qual é a intenção em falar de proporcionalidade quando se trata de um conflito armado? O que Israel teria de fazer? Deixar seus moradores a mercê dos foguetes dos Hamas? Não protegê-los com os meios que estão disponíveis?
    Essa proporcionalidade volta á tona sempre quando interessa. Lembro que quando o soldado Guilad Shalit foi libertado após passar 5 anos em cativeiro foi feita uma troca para que ele fosse solto. A condição foi pouco proporcional: Guilad foi solto em troca de 1027 prisioneiros, muitos deles envolvidos no planejamento e execução de atentados terroristas em território israelense, sendo os alvos óbvios, civis.
    Concluindo, acredito que é muito complicado falar sobre o conflito Israel-Palestina “de fora”. Acho muito fácil falar em ter dois estados, terminar a construção de assentamentos, etc. quando não se entende como as duas sociedades estão marcadas pelo ódio, pela descrença e pela falta de esperança no tão esperado acordo de paz.

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