Gilberto Kassab: o político made in Brazil

Não perca a conta: duas vezes deputado federal, prefeito de São Paulo, Ministro das Cidades no governo Dilma e Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações no governo Temer, Gilberto Kassab esbanja um currículo político invejável, ganhando os holofotes no episódio da renúncia de Jose Serra a prefeitura de São Paulo (onde este assinara termo em cartório dizendo que completaria o mandato). Se houvesse a Universidade da Política Brasileira, ele certamente seria livre-docente, revezando com Lula, Sarney e outros “notáveis”. Em um momento de repúdio aos políticos, em que cada vez menos gente confia nos Srs. engravatados[1], Kassab passa incólume à atenção da mídia e adquire status de profissional na arte de fazer política.

Detentor de uma façanha para ninguém colocar defeito: foi Ministro das Cidades, a pasta com maior orçamento no governo Dilma; pediu demissão em abril de 2016 e, como num passe de mágica, assumiu um mês depois o posto de Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações no governo de Michel Temer, em tese opositor ao PT.

Convenhamos, contudo, que não há quase nada de mágico nos resultados atingidos por Kassab. Transitando entre trincheiras, possui uma rede de afiliados e parceiros que sustentam sua presença em Brasília. Costuma falar com José Serra, mas não deixa de trocar palavras com Temer; gostava de conversar com Dilma e Lula. Essa é, sem dúvidas, a principal vantagem de um partido que, nas palavras do chefe, “não é de direita, de esquerda ou de centro”. No seu PSD cabem políticos de todas as origens, desde que abandonem qualquer ideia política[2].

[caption id="attachment_8844" align="aligncenter" width="648"] Kassab: graduação, mestrado, doutorado e livre-docência em Política Brasileira.[/caption]

Hoje, contudo, o partido criado em meados de 2011 por Kassab já é uma força política consolidada. Em 2016, por exemplo, nas eleições municipais, conquistou 539 prefeituras no primeiro turno e ultrapassou o PT[3], ficando atrás apenas de PMDB, que elegeu 1.029 prefeitos, e PSDB, com 793 prefeituras. Nada mal. Quando começou a movimentar para criar o PSD, Kassab viu sua impopularidade subir em São Paulo, onde era prefeito: “De acordo com o Instituto Datafolha, de março 2009 a março de 2011, a aprovação de Kassab caiu de 75% para 56%. O índice de paulistanos que considera a administração ruim ou péssima subiu de 23% para 43%.”[4]. Afinal, visto que São Paulo não era (nem é) um lugar exatamente bacana de se viver, Gilberto Kassab preocupava-se mais em criar uma máquina de avançar interesses do que em “prefeitar”. Não ligou muito para isso e venceu: seu partido foi criado (apesar da resistência de Geraldo Alckmin, governador de São Paulo), obteve inúmeras adesões importantes e hoje é uma força política bastante expressiva, como já mencionado.

Apesar de ter deixado a prefeitura de São Paulo com índices de aprovação bastante baixos[5] e com mais de um escândalo nas costas[6], Kassab conseguiu, graças a criação de seu partido, tornar-se importante demais para ser ignorado[7]: tornou-se Ministro das Cidades no governo Dilma, (gestor do programa Minha Casa Minha Vida), pôde se dar o luxo de não tomar partido no impeachment de Dilma Rousseff e tornou-se Ministro no governo Temer. Fora as críticas oriundas dos players de sempre (Carta Capital, DCM, Pragmatismo Político), suas andanças e falta de posições políticas não foram severamente criticadas, fosse na mídia, fosse na sociedade civil.

Como ministro do governo Temer, Kassab tem tomado algumas posições não apenas diferentes do que se espera de alguém que já foi ministro de Dilma, mas diferentes do que se espera de ministros em geral: tem dado sinais de que entende os problemas oriundos do estatismo brasileiro. Durante a Futurecom 2016[8], feira de telecomunicações, tecnologia da informação e internet, Kassab deixou a entender que não regulamentaria o Whatsapp (objeto profundo de ódio das operadoras de telefonia e seus aliados no governo, sem contar membros do Judiciário). É um excelente sinal. Já a sinalização do fim de dados ilimitados daqui há um ou dois anos [9]foi recebido com escárnio[10].

O grupo Anonymous divulgou dados pessoais de Kassab, como prometera fazer com qualquer agente governamental que ameaçasse acabar com internet ilimitada[11]. Além do grupo de hackers, usuários também demonstraram enorme insatisfação[12]. Como se não bastasse, a Anatel (que o ministro diz querer fortalecer[13]) o desmentiu, dizendo não haver planos de acabar com dados ilimitados para usuários[14]. Kassab acabou por voltar atrás[15], dizendo através de sua assessoria que não limitaria dados. Visto o histórico do ministro, é improvável que ele tenha o feito por causa do clamor popular.

[caption id="attachment_8845" align="aligncenter" width="992"] Foi por pouco.[/caption]

O mais incrível é que um político como Kassab seja tão pouco conhecido, que haja tão pouca informação a seu respeito. Após horas de pesquisa, o presente autor encontrou apenas dois perfis sérios, ambos já citados: um da revista Piauí e um da revista Veja). Fora esses dois, há perfis superficiais como o da TV UOL[16]. Seu “semi-anonimato” é também visível no Facebook, onde possui pouco menos de 13.500 seguidores[17]; para efeito de comparação, Luciana Genro possui pouco mais de 483.500 seguidores, enquanto Fernando Collor tem pouco menos de 102.500 likes.

Não faz sentido um player tão essencial à política brasileira ser tão desconhecido, tão ignorado. Como prefeito, teve seus escândalos, mas também promoveu alguns avanços (Lei Cidade Limpa, aprovação de ciclofaixas) e deixou a Fernando Haddad, seu sucessor, um caixa positivo de mais ou menos R$6bi[18]. Visto que São Paulo, capital, já foi governada por gente muito mais incompetente (Paulo Maluf, Marta Suplicy e Celso Pitta, para mencionarmos apenas prefeitos(as) pós-’88), Kassab poderia até ser celebrado por ter sido apenas medíocre. Mas conseguiu sobreviver a seus mandatos de prefeito e tornou-se um player de renome. Agora que o PT deixou se ser um centro de atenções, talvez seja hora de começar a prestar mais atenção nos políticos que moldarão o futuro do Brasil.

Kassab, certamente, figura entre um deles.

Rafael Kasinki, é músico formado na Berklee College of Music, paga de entendido e tem 35 anos. Notas [1] http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,brasileiro-e-quem-menos-confia-em-politico–diz-pesquisa-mundial,10000050380 [2] http://piaui.folha.uol.com.br/materia/politico-apolitico/ [3] É bom notar que o PT, que desde sua fundação, em 1979, tem uma atuação que é, pelo menos na teoria, norteada por ideologia e um plano de partido (e, supostamente, de país). Sua derrota para uma partido como o PSD de Kassab é humilhante sob qualquer ótica. [4] http://veja.abril.com.br/politica/gilberto-kassab-a-politica-pela-politica/ [5] http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,gilberto-kassab-deixa-a-prefeitura-com-a-pior-avaliacao-desde-celso-pitta,976931 [6] Por exemplo, https://web.archive.org/web/20110728003720/http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100222/not_imp514339,0.php [7] É expressão política mais próxima da expressão financeira utilizada para os bancos: “too big to fail”. [8] https://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2016/10/17/kassab-diz-que-e-contra-a-regulamentacao-do-whatsapp-no-brasil.htm [9] http://exame.abril.com.br/tecnologia/por-enquanto-banda-larga-fixa-nao-sera-ilimitada-diz-kassab/

[10] No Brasil, a Dona Socorro, doméstica que recebe um salário mínimo, paga o mesmo por sua internet (assumindo que consiga pagar por tal serviço), através da qual usa seu email e sua conta de Facebook, quanto um músico de sucesso que faz downloads anuais de 100GB. É um jeito bastante burro de cobrar um serviço, tal qual era a cobrança de passagens aéreas, onde quem viajava com uma mochila pagava o mesmo que alguém que voltava de Miami com três, quatro malas cheias. Se os setores público e privado fizessem os investimentos necessários e prometidos vis-à-vis telecomunicações, talvez o preço da internet (assim por dizer) pudesse diminuir. Do jeito que vão as coisas hoje, Dona Socorro labuta para pagar a internet do produtor da Ivete Sangalo.

[11] https://www.tecmundo.com.br/internet/113454-anonymous-divulga-dados-sensiveis-ministro-gilberto-kassab.htm [12] http://www.infomoney.com.br/minhas-financas/consumo/noticia/6017104/limite-banda-larga-fixa-anunciado-por-kassab-gera-protestos-internet [13] http://convergecom.com.br/teletime/18/05/2016/internet-e-fortalecimento-da-anatel-sao-as-prioridades-do-ministro-gilberto-kassab/ [14] http://extra.globo.com/noticias/economia/anatel-contradiz-ministro-gilberto-kassab-internet-banda-larga-nao-sera-limitada-20773207.html [15] http://www.mcti.gov.br/pagina-noticia/-/asset_publisher/IqV53KMvD5rY/content/nota-ministerio-garante-que-nao-mudara-o-modelo-atual-de-planos-de-banda-larga-fixa;jsessionid=4FC1DE4A6031FEEE4DC0BBB652DC01A8.columba?p_p_auth=XM1vGxdL&_101_INSTANCE_IqV53KMvD5rY_redirect=%2F [16] https://tvuol.uol.com.br/video/perfil-gilberto-kassab-04023568E4992326/ [17] https://www.facebook.com/GilbertoKassab/ [18] http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,haddad-vai-deixar-r-6-bi-no-caixa-para-gestao-doria,10000090250

Rafael Kasinski

Formado em composição popular pela Berklee College of Music, Boston, EUA, é produtor musical, vocalista, locutor e ex-baterista. Está atônito de ainda poder publicar no Terraço Econômico. Interessa-se principalmente pela (falta de) racionalidade no discurso público e na vida individual das pessoas. Deu aula durante anos e ficou muito mal impressionado com as decisões que cidadãos tomam, ou deixam de tomar. Ocasionalmente discute música, em especial Prince e King Crimson e a importância de dançar.
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