Governo Temer: em que pé estamos?

Após o longo e histórico processo de impeachment, o legado de Dilma Rousseff está se encerrando. A consequência óbvia disto é que o presidente até então interino torna-se titular e, para alguns legítimo, para outros não.

Por conseguinte, também se encerra a fase de tolerância com a ausência de aprovação das medidas impactantes para a solução da crise fiscal, dada a barreira que a interinidade já citada levantava. Além disto, vão-se os “100 dias de trégua” que o mercado dá aos novos líderes.

Ainda assim, algumas certezas já podemos bradar: não perderemos nosso experiente Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, nem nosso consistente banqueiro central, Ilan Goldfajn, e acreditem, isso faz muita diferença. Por outro lado, ainda não podemos escrever manchetes com mais informações em relação à aprovação da PEC 241, que limita os gastos reais do governo, tampouco à aprovação de alguma reforma da previdência.

Voltemos à vaca fria.

Para o leitor novato, devo lembrar que a questão fiscal é urgente por bons motivos: uma economia fiscalmente responsável detém maior capacidade de reação a choques (de oferta, de demanda, interno, externos, térmicos e elétricos), além disto, a qualidade das contas públicas sabidamente ajuda a ter uma inflação baixa e estável, sustentabilidade da confiança dos investidores, juro real de curto e de longo de prazo decente, crescimento econômico, distribuição de renda e até alguma competitividade da indústria (pois, ao contrário do proposto por alguns economistas inflacionistas, o fundamento fiscal afeta o câmbio real flutuante de forma a deprecia-lo).

É bem provável que esses planos sejam aprovados, embora os projetos originais devam ser bastante modificados (amenizados). Devemos lembrar, no caso da PEC, que há resistência em relação ao tempo de vigência do teto – os 20 anos são interpretados como exagero por alguns parlamentares. Há também uma séria confusão em relação à evolução dos gastos com saúde e educação: algumas pessoas não entenderam que não há corte. O Congresso poderá decidir anualmente quanto será alocado em saúde e educação no orçamento da União, inclusive podendo ser maior em termos reais do que o ano anterior, desde que se reduza o gasto em outra área. Quanto à questão previdenciária, há ainda o debate de se apenas a próxima geração de trabalhadores se adequará as modificações das regras, ou se também os contribuintes atuais.

Feitas estas colocações, podemos nos debruçar rapidamente sobre o cenário que se encontra o atual governo Temer.

A verdade é que Temer pegará um ciclo econômico mais favorável que sua antecessora. Embora o desafio das agendas de reforma, a economia do país já deu sinais claro que chegou ao fundo do poço, com alguns setores já subindo pelas paredes do poço, como a indústria. A indústria é um caso interessante, pois foi o primeiro setor a entrar em recessão – meados de 2013 – e está sendo o primeiro a sair. É verdade também que algum impulso exportador, somado ao baixíssimo patamar de comparação do nível de produção e a retomada da previsibilidade da gestão macroeconômica (que puxou a confiança) ajudaram. A indústria é importante, porque é a que mais contribui em termos de arrecadação em relação ao seu tamanho (no caso da indústria de transformação, ela é responsável por mais de 20% da arrecadação total, enquanto representa apenas 11% do PIB, ao passo que o setor de serviços que é 72% do PIB é responsável por pouco mais de 60% da arrecadação).

Por sua vez, o setor de serviços está em frangalhos. Como dito anteriormente, este setor não tem uma grande produtividade na arrecadação, mas tem uma grande representatividade nesta. Portanto, a resolução do problema fiscal também depende da retomada desse setor, maior empregador. Há uma mecânica interessante aqui, este é um setor de elevada elasticidade-renda (ou seja, é muito sensível a variação das condicionantes de consumo), renda esta que também está em trajetória decrescente. Por outro lado, apesar de termos quase 12% de desempregados, ainda temos 88% da força de trabalho empregada, mas que até então estava se comportando e consumindo como desempregados, ou seja, com parcimônia. Aqui entra a fundamental retomada da confiança do consumidor, que já cresceu, segundo a FGV, 23% desde abril, um desempenho para animar qualquer economia recessiva.

Assim, embora a taxa de desemprego deva continuar crescendo até 2017 (dado que a variável emprego, pela rigidez do mercado de trabalho com altos custos de contratação e de demissão, será a última a retomar), o consumo deve retomar provavelmente ainda este ano, no último trimestre, acompanhando também uma franca tendência de desinflação da economia brasileira (aqui o canal do crédito ainda será um empecilho).

Assim, somando a já assistida recuperação da indústria e a provável recuperação do consumo no fim do ano, devemos entrar em 2017 num ciclo muito mais virtuoso.

Embora sejamos muito fechados, os termos de troca voltaram a soprar mais favoravelmente à economia brasileira, já tendo crescido 11% entre fevereiro e julho. O trágico aqui é que a recessão derrubou abruptamente nossas importações de bens de capital, ou seja, de maquinário moderno, que impacta e impactará muito em nossa produtividade, de forma cumulativa, e no nosso crescimento.

A saída da recessão já parece uma realidade para esse segundo semestre, mas não devemos sonhar com nenhum espetáculo de crescimento mesmo solucionado a grave crise fiscal. Em maio escrevi algumas palavras sobre O futuro do crescimento brasileiro que gostaria que vocês lessem novamente. O crescimento econômico de curto prazo virá, a questão é o crescimento de longo prazo, cujos números para a economia brasileira são demasiadamente baixos diante do seu estágio de desenvolvimento. As reformas fiscais ajudarão algumas coisas nesse quesito, mas há uma porção de outras coisas e agendas a se enfrentar (aquelas que você já se cansou de ler, podendo ser consolidadas nas reformas que visam a produtividade, a melhora de ambiente de negócios e de incentivo ao empreendedorismo).

Temer pode dar o pontapé inicial nesta partida, mas dificilmente deverá finalizá-la.

Arthur

Editor do Terraço Econômico

 

Arthur Lula Mota

Mestre em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP/ESALQ) e Bacharel em Economia pela Universidade Federal de São Paulo. Já trabalhou no mercado financeiro, auxiliando mesa de operações de fundos institucionais e departamento econômico com análises macroeconômicas.
Yogh - Especialistas em WordPress