Ilações, jeitinhos e Lava Jato: a relação entre subdesenvolvimento e corrupção

Aprendemos muita coisa com a Operação Lava-Jato. Aprendemos, por exemplo, que a relação entre Ministério Público e Polícia Federal nem sempre é muito amistosa. Aprendemos o que era a tal da condução coercitiva. Descobrimos também que o pessoal da Polícia Federal não se preocupa muito com o design dos slides em suas apresentações ao público.

[caption id="attachment_9721" align="aligncenter" width="678"] Que slide, amigos. Foto: El Pais Brasil.[/caption]

 

Mas a que a mais gosto é da palavra ilação. Nunca tinha ouvido falar antes da Lava-Jato. Mas a quantidade de vezes que ouvi depois beira à loucura. Ilação, segundo o site Dicio, é:

  1. Dedução; o que se conclui partindo de inferências e deduções.
  2. Inferência; proposição aceita como verdadeira pela comparação com outras igualmente verdadeiras.
  3. Ato de fazer inferência, de deduzir, de concluir: ilação de possibilidades

Lula, por exemplo, é um defensor da utilização do termo.

“A reportagem levada ao ar hoje em telejornal da TV Globo repete as mesmas ilações e falsas denúncias que vêm sendo feitas contra Lula ao longo dos últimos dois anos, agora a partir de textos escritos em idioma inglês. Mas uma mentira será sempre uma mentira, seja em português ou em inglês”. [1]

“Eu fico chateado por uma ilação feita nesse processo contra mim pelo senador Delcídio. Portanto, eu gostaria de dizer que eu estou aqui pra responder a toda e qualquer pergunta”. [2]

Eduardo Cunha também gostava do termo:

“(…) Cunha contestou com “veemência” o que chamou de “ilações” a denúncia apresentada por Janot” [3]

Após tornar públicos os depoimentos dos executivos da Odebrecht, as desculpas esfarrapadas dos acusados esbarraram novamente na utilização da “Ilação”, voltando aos trending topics de Brasília. Mas cá pra nós: essa ideia de negar até o fim diz muito sobre nós brasileiros, não é mesmo?

Temos dificuldade de assumir nossos erros. Diferenciamos pequenas corrupções cotidianas das corrupções organizadas. Talvez – e aqui vale a reflexão – os políticos em Brasília só estão refletindo o comportamento na nossa sociedade? O famoso jeitinho, sacramentando por Buarque de Holanda como homem cordial, por mais que pareça inofensivo, acaba se enraizando nas práticas políticas.

Veja o exemplo do escândalo de Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Michel Temer; um pedido “inocente” de liberação de obra de um prédio em Salvador, o La Vue, onde possui um apartamento de luxo em construção. Que mal tem? Também a reforma do sítio do ex-presidente em Atibaia… alguém tem dúvidas que os interesses pessoais ultrapassam os interesses públicos?

E nos outros países?

A Lava-Jato nos revelou esquemas de corrupção milionários. Era difícil ligar o rádio, TV ou ler notícias na internet com a cifra de “mil”. Era de milhão para cima. Até os históricos corruptos brasileiros ficaram enciumados com o tamanho da roubalheira.

Em outros países, a sociedade tem reagido de forma bem distinta com alguns casos de corrupção. Na Suécia, o deputado Tomas Tobé usou, em benefício próprio, as milhas acumuladas no cartão que o Estado fornece a parlamentares para uso gratuito de trens e transportes públicos no país. Prejuízo aos cofres públicos: R$ 3,8 mil. [4]  Apesar da investigação não ter terminado, um arrependido Tomas Tobé pediu desculpas públicas por seu ato.

Em Israel, o ex-primeiro-ministro Ehud Olmert foi condenado por aceitar suborno e por mentir à Justiça. O ex-premiê foi considerado culpado por ter recebido subornos em dois casos separados, um deles vinculado à construção em Jerusalém de um enorme complexo residencial chamado Holyland, quando era prefeito da cidade – entre 1993 e 2003. [5]

Em caso recente na Córeia do Sul, após ser acusada de suborno, abuso de autoridade, coerção e vazamento de segredos governamentais após uma longa audiência, a ex-presidente Park Geun-hye sofreu um processo de Impeachment e está presa desde 30/03. [6]

A sociedade cobra; a justiça pune.

A relação entre corrupção e desenvolvimento econômico

E essa busca pela punição e pressão popular tem relação com o próprio desenvolvimento do país. Há dois indicadores interessantes para serem visualizados em um gráfico só: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que combina indicadores econômicos, sociais e educação e o Índice de Percepção de Corrupção, que é medido por meio da percepção de empresários e analistas sob a sua visão do país no que diz respeito à corrupção. Vamos aos dados:

IDH – Dados disponíveis em: http://hdr.undp.org/en/composite/HDI; Quanto maior o índice, mais desenvolvido o país. IPC – Dados disponíveis em: http://transparencia.org.es/wp-content/uploads/2017/01/tabla_sintetica_ipc-2016.pdf. Quanto maior o índice, menor a percepção de corrupção. Bandeiras, da Esquerda para Direita: Sudão do Sul; Brasil, Ruanda, Estados Unidos e Dinamarca.

É notável como a menor percepção de corrupção está correlacionada com o índice de desenvolvimento humano (mesmo que não esteja analisando causalidade, que é outra história). Os países menos corruptos do mundo, por exemplo, também figuram no rol de países mais desenvolvidos, e vice-versa.

E o caso do Brasil? No meio do gráfico, estaríamos numa fase de transição ou estacionados no tempo? É a pergunta de 1 milhão de reais…

E eu com isso?

Como foi discutido acima, mesmo pequenas corrupções não são admitidas nos países desenvolvidos. A sociedade pune cidadãos e políticos que se desviam do caminho ético do ponto de vista público, por menor que seja o valor desviado. Na Lava-Jato, as explicações dos políticos citados em delações do tipo “Nunca me encontrei com esse cidadão”, “Não conheço”, “Todas as doações são legais e declaradas para a Justiça Eleitoral”, “Não compactuo com esse tipo de prática”, são tão conhecidas. Nunca vi um “Errei! Estou colaborando com a Justiça”. [7]

São esses políticos comprovadamente corruptos que se reelegem de 4 em 4 anos e casos como devoluções de dinheiro na rua para os respectivos donos – uma situação cotidiana – são tratados como exceções, e não como regra. Para mim, é aí que está o maior desafio: a virada de chave. Precisamos trocar os pneus com o carro andando, sendo que já estamos reclamando do desempenho pífio do automóvel.

“Não se preocupe se as crianças não estão te ouvindo; elas estão te vendo”. (Autor Desconhecido)

Notas [1] http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/271889/Lula-JN-repete-as-ila%C3%A7%C3%B5es-e-falsas-den%C3%BAncias-da-Lava-Jato.htm [2] http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/em-depoimento-a-justica-federal-lula-nega-ter-obstruido-a-lava-jato.ghtml [3] http://www.ebc.com.br/noticias/politica/2015/08/eduardo-cunha-chama-denuncia-de-janot-de-ilacoes [4] http://www.bbc.com/portuguese/internacional-39295976 [5] http://veja.abril.com.br/mundo/ex-premie-israelense-e-condenado-a-seis-anos-de-cadeia/ [6] http://g1.globo.com/mundo/noticia/ex-presidente-coreana-park-e-presa-diz-agencia.ghtml [7] Exceção feita às grandes empresas que participaram do processo de corrupção na Petrobrás, que admitiram os erros e colaboraram para a Operação: Odebrecht, Camargo Correa, Engevix, etc.

Arthur Solow

Economista nato da Escola de Economia de São Paulo da FGV. Parente distante - diz ele - do prêmio Nobel de Economia Robert Solow, que, segundo rumores, utilizava um nome artístico haja vista a complexidade do sobrenome. Pós graduado na FGV em Business Analytics e Big Data, pois, afinal, a verdade encontra-se nos dados. Fez de tudo um pouco: foi analista de crédito e carteiras para FIDCs; depois trabalhou com planejamento estratégico e análise de dados; em seguida uma experiência em assessoria política na ALESP e atualmente é especialista em Educação Financeira em uma fintech. E no meio do caminho ainda arrumou tempo para fundar o Terraço Econômico em 2014 =)
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