A ilusão do “novo” na política

Na semana passada, o PSDB lançou seu programa político nacional[1]. Na propaganda, de dez minutos de duração, novos políticos do partido se reúnem numa roda com cidadãos comuns para construir uma resposta à pergunta por onde começar a mudança de que o Brasil tanto precisa? As falas selecionadas e editadas para o vídeo giram em torno de termos como renascimento e renovação[2], ecoando a ideia mais batida do atual cenário: a necessidade do novo na política.

Essa retórica não é exclusiva dos tucanos. O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, do PT, abriu sua campanha para as eleições de 2012 com o slogan “um homem novo para um tempo novo[3]; Marina Silva, fundadora da Rede Sustentabilidade, articulou sua campanha presidencial em 2010 em torno da “nova política”, da qual seria a representante paradigmática[4]; ora, em 2015 foi devidamente registrado um partido cujo nome é – nada mais, nada menos – Partido Novo[5]!

A crescente onda de insatisfação e desconfiança da população brasileira com a classe política nacional produziu como principal consequência (ou reação) a generalização do apelo ao novo. Compreensível, já que quem reivindicar com sucesso tal rótulo terá conseguido se dissociar do bando e, com isso, da referida desaprovação popular.

No entanto, dadas a vagueza inerente e a relevância que o apelo ao novo adquiriu, é importante refletirmos sobre sua presença no discurso político. Duas perguntas: o que significa “novo”? (ou seja, quando se fala na nova política, em que, exatamente, estamos pensando?) e por que devemos apostar nossas fichas no “novo”? (se tantos atores políticos mobilizam esse termo, é porque esperam, com isso, ganhar o apoio (em votos) da população e dela receber mandatos eleitorais; mas devemos mesmo votar no novo? Por quê?).

O vazio do novo

A palavra “novo” é um adjetivo (às vezes substantivado) cujo significado se estabelece por referência transitória a um padrão temporal. Nada é novo por muito tempo, e o que é novo deixa de sê-lo após algum tempo[6]. Mais: ressalvados casos de originalidade absoluta (nos quais, por sinal, o adjetivo raramente é usado), o novo se diz novo em contraste ou oposição ao velho – que passa a ser velho apenas quando do surgimento do novo.

Todo esse malabarismo para mostrar o caráter relativo ou comparativo dessa qualificação. Agora o próximo passo: relativo a quê? Ao tempo, apenas. Aí que a pá entorta.

Por uma série de razões culturais, estamos acostumados a associar novo a algo melhor. Quando alguém fala que comprou um carro novo, que conseguiu um emprego novo ou que está com um/a parceiro/a novo/a, presumimos automaticamente que a troca tenha sido para melhor – embora, obviamente, nem sempre seja o caso[7].

Um exemplo histórico-político grosseiro está na assimilação, ainda que inconsciente, de conceitos como modernidade e progresso em termos de sucessão temporal: o que vem depois é mais moderno do que o que vem antes, e o progresso se dá em relação ao passado, ao antecedente. Essa narrativa linear faz com que se projete uma carga inexoravelmente positiva no futuro, no porvir[8].

Numa frase (agora infame entre nós): pior do que está, não fica. Eis a maneira como uma palavra vazia como novo sintetiza nossa esperança.

A ilusão do novo

Se novo não é necessariamente melhor, por que, então, devemos apostar o futuro político do Brasil nisso? Simples: não devemos.

Quando agentes políticos articulam seus discursos em torno da ideia do novo, geralmente se trata de uma entre duas hipóteses: a) ou bem estão apenas respondendo, de maneira cínica, fingida, ao descontentamento popular – dirigido contra tudo que está aí; b) ou então estão se eximindo de detalhamentos e explicações maiores sobre seus planos, propostas e programas e pedindo, na verdade, um cheque em branco vindo das urnas.

A revolta contra o atual quadro político-institucional no Brasil é perfeitamente compreensível, mas não implica uma negação radical imediata. Da mesma forma como nova política não se traduz em política melhor, não-política pode não ser melhor que política – por isso, quando alguém se diz “gestor, não político”, isso não satisfaz o ônus da prova de qualidade.

Em suma, a pergunta não deve ser pela novidade, mas por melhorias. O novo, pode ser pior, nem toda reforma vem para melhorar, nem toda mudança se traduz em avanço. Aos que prometem reviravoltas, resta ainda mostrar como, por que e quanto elas significarão um ganho com relação à situação atual.

Que eu não seja, com isso, acusado de ser conservador. Com o sinal trocado, a mesma advertência se mantém: se o novo não é necessariamente melhor, tampouco é necessariamente pior! O binômio novo-velho não pode nem deve servir de critério para juízos políticos.

Quanto mais tempo demorarmos para ter clareza disso, aí sim, pior para todos nós.

Rafael Barros de Oliveira – Colaborador do Terraço Econômico Notas: [1] https://www.youtube.com/watch?v=Rev4XuXwayM [2] Os editores do programa ainda fizeram questão de incluir uma menção sobre a (excessiva) quantidade de partidos políticos no país, à qual se seguiu a explanação de um mandatário afiliado ao PSDB sobre o projeto de reforma política e a importância da cláusula de barreira para reduzir o número de partidos. Que tal proposta seja capitaneada pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) é, naturalmente, mera coincidência. [3] https://www.youtube.com/watch?v=KVonaLj0PoA [4] https://www.youtube.com/watch?v=7L0a_u5sbYU [5] Oriundo de um movimento iniciado em 2011, resta saber até quando o Novo poderá continuar usando esse nome. [6] Há exceções, é claro. Nova Iorque, Nova Orleans e Novo México não deixarão de ser novos, nem a Nouvelle Vague, a Art Nouveau, o Cinema Novo, o Estado Novo, o Cruzado Novo, etc. Mas sigamos. [7] Valeria a pena discutir o quanto isso se aplica ao conceito de inovação na economia. Haveria inovações que vem para pior? Haveria uma distinção entre novo e inovador que garantiria a este último um ganho de qualidade? Deixo essas perguntas para meus colegas economistas aqui do Terraço Econômico, todos muito mais qualificados e habilitados do que eu para respondê-las. [8] É verdade que a ideia mesma de progresso tem sido alvo de questionamento, mas é igualmente verdadeiro que, no âmbito da cultura geral ou popular, isso está longe de fazer efeito.

Rafael Barros de Oliveira

Formado em Direito pela USP, interessou-se pela teoria do direito produzida na Escócia antes de cair na filosofia da linguagem. Tomou o caminho mais longo, cursando a graduação em Filosofia na mesma USP, onde percebeu a tempo que do mato wittgensteiniano não sairá mais pato-lebre algum. Social-democrata por exclusão, acredita que a hermenêutica é o caminho para a emancipação. Foi pesquisador na Direito GV, na École Normale Supérieure de Paris e na Goethe Universität Frankfurt. É mestrando em Filosofia pela USP e agora tenta produzir suas próprias cervejas.
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