Laura Carvalho vs. Ilan Goldfajn: quem tem razão?

Todos os anos, o Banco Central publica em seu Relatório Trimestral de março uma decomposição da inflação ocorrida no ano anterior. Isto é, ele busca ilustrar a contribuição de alguns “fatores” para a inflação no período. Laura Carvalho, professora da FEA-USP, utilizou esse exercício para refutar a “tese” do presidente da autoridade monetária, para quem a mudança na equipe econômica teria “quebrado a espinha dorsal da inflação”. Nesse embate, quem está certo: Laura ou Ilan?

Em sua coluna de ontem na Folha, Laura teve o cuidado de não fazer menção ao aumento da inércia inflacionária entre 2015 e 2016, mostrado no mesmo exercício do Banco Central. Certamente, porque isso causaria embaraços à sua narrativa. Nesse post, explico os motivos. Antes, por suposto, é de bom tom dizer ao leitor que a inflação no curto prazo pode ser explicada conforme a seguinte equação \begin{equation} \pi_t = \alpha_0 + \alpha_1 \pi_{t-1} + \alpha_2 E_t \pi_{t+1} + \alpha_3 h_t + \alpha_4 \Delta e_t + \varepsilon_t \end{equation} onde $\pi_t$ é a inflação, $E_t \pi_{t+1}$ é a expectativa de inflação para o próximo período, $h_t$ é o hiato do produto, $\Delta e_t$ é a primeira diferença da taxa de câmbio e $\varepsilon_t$ um termo de erro, supostamente um ruído branco. Isso dito, podemos usar o R para pegar algumas séries no site do Banco Central e construir um gráfico de modo a visualizar o comportamento da inflação acumulada em 12 meses medida pelo IPCA nos últimos anos. O código abaixo ilustra.


[code lang=”r”] ## Importar séries do Banco Central diretamente para o R library(BETS) series = c(433, 4466, 11426, 11427, 16121, 16122) dates = seq(as.Date(‘2006-02-01’), as.Date(‘2017-05-01′), by=’1 month’) data = matrix(NA, nrow=length(dates), ncol=length(series)) colnames(data) = c(‘ipca’, ‘n1’, ‘n2’, ‘n3’, ‘n4’, ‘n5’) for(i in 1:length(series)){ data[,i] = BETS.get(series[i], from = ‘2006-02-01′, to=’2017-05-01’) } data = ts(data, start=c(2006,02), freq=12) ## Acumular em 12 meses fator = 1+data/100 acumulado = (fator*lag(fator,-1)*lag(fator,-2)*lag(fator,-3)* lag(fator,-4)*lag(fator,-5)*lag(fator,-6)*lag(fator,-7)* lag(fator,-8)*lag(fator,-9)*lag(fator,-10)*lag(fator,-11) -1)*100 colnames(acumulado) = colnames(data) ## Fazer o gráfico library(forecast) library(ggplot2) library(scales) nucmean = rowMeans(acumulado[,2:6]) dates = seq(as.Date(‘2007-01-01’), as.Date(‘2017-05-01′), by=’1 month’) df = data.frame(time=dates, ipca=acumulado[,1], nucmean=nucmean) ggplot(df, aes(x=time))+ geom_line(aes(y=ipca, colour=’Inflação IPCA’), size=.8)+ geom_line(aes(y=nucmean, colour=’Média dos Núcleos’), size=.8)+ geom_hline(aes(yintercept=4.5, colour=’Meta’), size=.8)+ scale_colour_manual(”, values=c(‘Inflação IPCA’=’black’, ‘Média dos Núcleos’=’red’, ‘Meta’=’blue’))+ theme(legend.position = ‘top’)+ xlab(”)+ylab(‘% a.a.’)+ labs(title=’Inflação medida pelo IPCA vs. Núcleos de Inflação’)+ scale_x_date(breaks = date_breaks(‘1 years’), labels = date_format(‘%Y’))+ annotate(‘rect’, fill = ‘orange’, alpha = 0.5, xmin = as.Date(‘2016-08-01’), xmax = as.Date(‘2017-05-01’), ymin = -Inf, ymax = Inf) [/code]

E abaixo o gráfico…

Além da inflação, o gráfico também traz a média dos cinco núcleos construídos e divulgados pelo Banco Central mensalmente. A ideia de um núcleo de inflação é basicamente retirar fatores idissiocráticos, concentrando-se na tendência de longo prazo da inflação. O que fica nítido no gráfico acima, por suposto, é que a inflação medida pelo IPCA encontrava-se em elevação desde 2010, distanciando-se assim da meta, ilustrada pela linha azul.

Esse comportamento da inflação, diga-se, tem nítidos efeitos sobre os agentes econômicos. O mais óbvio é que a meta de inflação deixa de ser uma âncora, bem como a inflação passada ganha importância na determinação da taxa de crescimento dos preços. Isso, a propósito, pode ser capturado pela estimação da equação (1). Acaso o leitor interessado fizer o exercício, irá verificar que o coeficiente do componente regressivo $\pi_{t-1}$, isto é, da inflação passada, passará a ter maior importância para explicar o crescimento dos preços. O gráfico abaixo ilustra, no exercício que fizemos no Clube do Código sobre assunto.

O aumento da inércia torna a desinflação do organismo econômico muito mais custosa, em termos de hiato do produto e, portanto, de taxa de desemprego. É justamente por isso que é prejudicial desviar de forma rotineira da meta de inflação, dado que isso contribui inexoravelmente para o aumento da inércia inflacionária. Isso dito, o que podemos dizer sobre as alegações de Laura Carvalho em relação ao que disse o presidente do BC?

Laura Carvalho se baseia no exercício de decomposição da inflação do Banco Central para confrontar o que disse Ilan, mas isso faz pouco sentido se considerarmos os parágrafos anteriores. O presidente da autoridade monetária fez referência justamente à quebra da inércia, medida pela convergência das expectativas de inflação para a meta. Laura, por seu turno, se concentra em uma avaliação contábil da inflação, deixando cuidadosamente de lado o aumento da inércia no período.

Isso não é correto, uma vez que esse aumento da inércia está associado justamente aos erros de condução da política econômica no período anterior a Ilan. Dentre esses erros, cabe mencionar o controle dos preços administrados de forma paralela à redução forçada da taxa de juros. Em outras palavras, em algum momento entre 2011-2013, o governo resolveu acreditar em mecanismos não monetários de controle da inflação, levando a mesma à tendência crescente ilustrada no primeiro gráfico.

A volta aos cânones da profissão, patrocinada pela nova equipe econômica, fez com que a inflação efetiva convergisse de forma mais rápida para a meta, como pode ser visto na área hachurada do primeiro gráfico. Certamente, a inflação cederia, dada a abertura do hiato do produto, mas provavelmente não com a velocidade verificada, uma vez que era preciso romper com o aumento da inércia dos últimos anos e, ademais, a taxa de câmbio dificilmente teria se valorizado do jeito que se valorizou com a equipe econômica anterior.

Em assim sendo, leitor, não me parece que a professora da FEA USP tenha refutado o presidente da autoridade monetária, dado que cuidadosamente evitou discorrer sobre o aumento da inércia inflacionária nos últimos anos. Talvez fosse o caso de fazê-lo em sua próxima coluna… 🙂

Vítor Wilher

Vítor Wilher é Bacharel e Mestre em Economia, pela Universidade Federal Fluminense, tendo se especializado na construção de modelos macroeconométricos, política monetária e análise da conjuntura macroeconômica doméstica e internacional. Sua dissertação de mestrado foi na área de política monetária, titulada "Clareza da Comunicação do Banco Central e Expectativas de Inflação: evidências para o Brasil", defendida perante banca composta pelos professores Gustavo H. B. Franco (PUC-RJ), Gabriel Montes Caldas (UFF), Carlos Enrique Guanziroli (UFF) e Luciano Vereda Oliveira (UFF). É o criador da Análise Macro, empresa especializada em treinamento e consultoria em linguagens de programação voltadas para data analysis, construção de cenários e previsões, fundador do hoje extinto Grupo de Estudos sobre Conjuntura Econômica (GECE-UFF), Visiting Professor da Universidade Veiga de Almeida, onde dá aulas nos cursos de MBA da instituição e membro do Comitê Gestor do Instituto Millenium. Escreveu para o Terraço Econômico em 2017.
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