Akerlof e a informação assimétrica

Você já se perguntou o porquê do preço de um carro diminuir só de sair da concessionária? Em questões de minuto um bem durável chega a perder quase um quinto de seu preço[1].

Esse “fenômeno” ocorre menos por conta da depreciação de fato e mais pela falta de informação do mercado em relação ao estado daquele carro.  Vamos supor que você tirou o carro da concessionária, se arrependeu e imediatamente gostaria de revendê-lo. O potencial comprador não tem motivos para acreditar que você apenas se arrependeu, de forma que a incerteza o levará a crer em alguma irregularidade no veículo..

Essa desinformação tem um custo, e as pessoas costumam investir em sinalizações para reduzi-los. Por outro lado, outras pessoas tiram proveito dessa diferença de informação entre o comprador e o vendedor, o que chamamos de assimetria informacional.

Foi pensando em problemas como este que o economista americano George Arthur Akerlof escreveu um dos seus mais interessantes trabalhos, intitulado “The Market for Lemons: Quality Uncertainty and the Market Mechanism”. Akerlof ganhou o Nobel de Economia em 2001 e é casado com a atual presidente do Federal Reserve, Janet Yellen.

O “Mercado de Limões” tratado no artigo refere-se ao mercado de automóveis, sendo que a tradução ideal para o português seria “Mercado de Abacaxis”, pois envolvem carros usados de boa qualidade e os de qualidade ruim. O problema da assimetria de informação começa logo na chegada ao vendedor de automóveis.

Vamos imaginar um mercado de automóveis usados composto por uma fração $\beta$ de carros de boa qualidade e $1 – \beta$ carros de qualidade ruim. Chamemos a disposição dos consumidores a pagar por carros bons de $x_1$ e por carros ruins de $x_2$, e o preço de reserva dos vendedores (aquele pelo qual eles venderiam) de $y_1$ por bons carros e de $y_2$ por carros ruins.

Para que ocorra comércio com todos os carros, é necessário que tal condição seja aceita

\begin{equation} \beta x_1+ (1-\beta) x_2 \geq y_1 \end{equation}

Ou seja, a ponderação da disposição a pagar dos consumidores por ambos tipos de carro deve ser maior que o preço de reserva do vendedor para o carro de tipo bom, caso contrário ele venderá apenas o tipo ruim ou nenhum automóvel. Nesses dois últimos casos é onde ocorre a chamada Seleção Adversa: os carros bons deixam de ser negociados no mercado.

Em seu paper, Akerlof relembra a Lei de Gresham, onde a “a moeda ruim expulsa a boa”[2] e como há uma redução do volume de carros e de transações, a seleção adversa reduz a eficiência econômica do equilíbrio de mercado.

Em problemas desse tipo, uma das partes possui mais informação sobre algum aspecto relevante da transação – no nosso exemplo, o vendedor sabe mais da qualidade de seus carros do que o consumidor. Tal assimetria de informação pode levar a problemas de ação oculta (que não é nosso foco aqui, pois costuma ocorrer depois da transação) e de informação oculta.

Em geral, temos alguns mecanismos para avaliar a qualidade de um carro: ano, quilometragem, número de donos, batidas, documentação e etc, são as chamadas Sinalizações. Nesse caso, a parte informada pode tentar repassar informação de forma crível para a parte não-informada, numa ação observável (visível para os consumidores) e normalmente custosa para o vendedor.

Outro exemplo clássico de sinalização é o grau de educação, normalmente expresso por um diploma. É uma forma do trabalhador sinalizar para o mercado de trabalho o seu potencial.

Vamos utilizar o clássico modelo de Spence (1974), lançando mão de um pouco de álgebra, que certamente o leitor do Terraço não terá problema de interpretar. Suponham que temos apenas dois tipos de trabalhadores no mercado, os de alta produtividade (que produza $x_a$) e os de baixa produtividade (que produza $x_b$). Além disso, vamos supor que os trabalhadores de maior produtividade correspondem a uma parcela $\alpha$ da força de trabalho e os de baixa correspondem a  $1- \alpha$. Como, inicialmente, a firma não tem como saber quem é quem, ela pagará um salário (s) médio de tal forma:

\begin{equation} s = \alpha x_a + (1 – \alpha) x_b \end{equation}

Pois bem, agora vamos supor que os trabalhadores podem usar o seu grau de educação como sinalização de produtividade, mesmo que isso de fato não ocorra. No nosso exemplo, o custo de obter a educação é maior para os trabalhadores de menor produtividade, sendo necessário dispender um volume $c_b$  de recursos para pagá-la. Assim, a utilidade do trabalhador de maior produtividade será seu salário $s$, ao passo que para o de menor produtividade será ou o salário $s$, caso não pague pela educação, ou $s – c_b$, caso pague.

A firma pode observar se os candidatos obtiveram ou não educação, de modo que se ambos adquirirem ou se ambos não adquirirem, o salário será igual aos $\alpha x_a + (1-\alpha) x_b$. Caso apenas um decida por obter educação, o salário será maior ($s_a$)  para aquele que obteve educação (ainda que não seja necessariamente mais produtivo) e menor ($s_b$) para o sem educação.

Brincado com a lógica de Teoria dos Jogos, temos os seguintes payoffs de acordo com cada escolha dos jogadores (no caso, trabalhadores):

[caption id="attachment_10714" align="aligncenter" width="698"] Elaboração do autor.[/caption]

A resolução desse problema é um pouco mais extensa, mas basicamente dependerá da diferença entre o salário médio subtraído o custo da obtenção de educação em relação ao salário de baixa produtividade, ou seja, de 

\begin{equation} \alpha x_a+ (1 – \alpha) x_b – c_b \lesseqqgtr s_b \end{equation}

Em geral, quando o custo para um trabalhador pouco produtivo obter educação for muito alto, é vantajoso para o trabalhador mais produtivo obter essa educação e assim se diferenciar, como de fato costuma acontecer no dia-a-dia.

Em suma, o estudo da assimetria da informação é inesgotável, lembrando que apenas abordamos casos clássicos e didáticos, mas que já mostram uma relação muito forte com o nosso cotidiano.

Referência

AKERLOF, George A.The Market for “Lemons”: Quality Uncertainty and the Market Mechanism. The Quarterly Journal of Economics, Volume 84, Issue 3, 1970.

VARIAN, Hal R. Intermediate Microeconomics: A Modern Approach. 8th ed. New York: W.W. Norton & Co., 2010.

[1] Estimativa da Federação Nacional das Associações dos Revendedores de Veículos Automotores (FENAUTO).

[2] “bad money drives out good”.

Arthur Lula Mota

Mestre em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP/ESALQ) e Bacharel em Economia pela Universidade Federal de São Paulo. Já trabalhou no mercado financeiro, auxiliando mesa de operações de fundos institucionais e departamento econômico com análises macroeconômicas.
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