O mercado era amigo da Dilma e ela ficou de mal do mercado…

por Leonardo Palhuca

Não somente durante a campanha eleitoral, mas após algumas decisões econômicas durante o novo mandato da presidente Dilma, muitas críticas de partidários da esquerda brasileira são feitas às concessões que a nova-velha mandatária vem dando ao temido “mercado neoliberal”. A nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda talvez tenha sido a punhalada mais dolorosa no peito da ala mais radical apoiadora do governo do PT.

Diz tal ala que o temido “mercado” é contra Dilma, contra Lula, contra o PT, contra o povo, contra a vacinação em crianças e contra a paz mundial. E que ao conceder benesses ao Monstro do Lago Neoliberal, Dilma está dando munição ao inimigo.

Porém, o temido monstro não foi um inimigo de Dilma e sempre deu um voto de confiança à presidente. Um não, vários! Ao longo do primeiro mandato da presidente, as expectativas econômicas no começo de cada ano eram, no mínimo, mais otimistas. Duvida?

Utilizando os dados do primeiro Boletim Focus de cada ano (sempre por volta do dia 5 de Janeiro), podemos ver como os agentes de mercado esperavam que algumas variáveis econômicas fechariam nos 12 meses seguintes. Assim, podemos comparar com o que foi obtido ao final de cada ano. Claro que ao longo do período as expectativas vão se adaptando e quanto mais informações são agregadas a cada mês, trimestre, semestre, mais perto do número real ficam as expectativas e previsões divulgadas pelo Banco Central.

O exercício aqui é, porém, verificar qual era a expectativa inicial dos agentes de mercado e se eles foram surpreendidos positiva ou negativamente por Dilma, Mantega e cia do campo econômico.

Vamos então aos dados. A área cinza em cada gráfico indica o primeiro mandato da presidente Dilma Vana Rousseff.

[caption id="attachment_2820" align="aligncenter" width="529"]Fonte: Banco Central do Brasil. Fonte: Banco Central do Brasil.[/caption]

Conforme mostra o gráfico, em todos os anos do primeiro mandato de Dilma Rousseff, o mercado projetava um crescimento da economia mais otimista no início de cada primavera. Ao final de cada período, a realidade batia e os culpados eram procurados. Mas parece que os pessimildos não podiam ser apontados como causadores dos problemas, já que confiavam numa economia melhor.

[caption id="attachment_2819" align="aligncenter" width="529"]Fonte: Banco Central do Brasil. Fonte: Banco Central do Brasil.[/caption]

“No que se refere” à inflação, a história se repete. Para todos os anos do primeiro mandato de Dilma, o mercado projetava no início do ano um IPCA menor do que aquele entregue. Apesar da deterioração da credibilidade da autoridade monetária, o mercado ainda era relativamente otimista com respeito à inflação. Novamente, a cada ano de expectativas não realizadas os culpados eram apontados. Tomate, seca, Copa do Mundo, crise internacional, manchas solares. Se a expectativa de inflação baliza a correção de preços de alguns agentes, o IPCA seria puxado ligeiramente pra baixo, numa profecia autorrealizável. A culpa não foi das expectativas e novamente os pessimildos (nesse caso, otimildos) não podem ser culpados.

[caption id="attachment_2818" align="aligncenter" width="529"]Fonte: Banco Central do Brasil. Fonte: Banco Central do Brasil.[/caption]

Se crescimento econômico maior e inflação menor são bons indicadores, a taxa de câmbio mais ou menos valorizada é discutível quanto aos seus benefícios ou prejuízos. Uma linha de economistas acredita que uma taxa de câmbio mais desvalorizada é condição para crescimento mais robusto. Há quem discorde (muitos na verdade, inclusive este escriba).

Bom, mas o que os dados dizem? Novamente o mercado projetava uma taxa de câmbio mais valorizada que a obtida ao final do ano. Se considerarmos que uma taxa de câmbio valorizada pode ser saudável se alicerçada em sólidos fundamentos econômicos como produtividade, ela permite maior acesso a bens importados e outras maravilhas (anedoticamente, a propaganda da presidente fazia referência ao “filho do pobre” indo fazer intercâmbio com o dólar a R$1,60. Com o dólar a R$ 2,50 fica mais difícil). Novamente o pessimildo mercado dava um voto de confiança em Dilma e sua equipe econômica e esperava que o “filho do pobre” pudesse almejar o intercâmbio pelo menos até 2012.

Aqui, pelo menos o culpado é certo: a ideia que desvalorizar o câmbio gera crescimento permeava as mentes da equipe econômica de Dilma I. Bom….não precisa dizer que não funciona assim! Mas pelo menos os pessimildos foram poupados nessa.

[caption id="attachment_2817" align="aligncenter" width="529"]Fonte: Banco Central do Brasil. Fonte: Banco Central do Brasil.[/caption]

Por fim, a taxa básica de juros. Conforme versa a ala mais radical de apoio à Dilma, os rentistas e o grande capital financeiro tem uma sede insaciável por juros altos! Eles forçam o aumento dos juros para tirar o prato de comida da mesa do trabalhador!

Mas é curioso observar que, exceto em 2012, o mercado projetou no início de cada ano do primeiro mandato de Dilma uma taxa de juros básica mais baixa do que aquela entregue. A equipe econômica preferiu satisfazer os rentistas em detrimento do povo? Mesmo com os rentistas esperando juros menores? Estranho…

Ainda que a análise se baseie em somente algumas variáveis e não entre no mérito da função social do PIB, da Inflação, da Taxa de Câmbio e da Taxa SELIC, é possível ver que o mercado não era tão exigente com Dilma e dava sempre um voto de confiança, apesar de em anos anteriores o resultado entregue ficava abaixo das expectativas.

Algumas explicações são possíveis para a diferença constante entre melhores expectativas e piores resultados: como utilizamos os dados do primeiro Boletim Focus do ano, os agentes econômicos poderiam estar de ressaca da Ano Novo; ou os agentes econômicos não atualizaram a formação suas expectativas e demoraram a perceber que a equipe econômica de Dilma não era tão boa quanto imaginavam. O mais surpreendente é notar que ano após ano de resultados aquém do esperado, os agentes continuavam dando um voto de confiança ano após ano. Tal fato não foi observado com outros presidentes de forma consistente.

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.

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