Por que a CLT precisa ser reformada?

A Consolidação das Leis do Trabalho, conhecida popularmente como CLT, foi criada no ano de 1943. De lá para cá, o Brasil mudou e progrediu muito: deixamos de ser um país essencialmente agrário e rural, e nos tornamos uma economia urbana e de serviços. Nossas leis trabalhistas, porém, permaneceram na década de 40.

Segundo José Pastore, professor da FEA-USP, “hoje, boa parte da lei perdeu o sentido, porque as condições de trabalho, de tecnologia e de produção mudaram completamente.”

É verdade que substituímos alguns “direitos”: a estabilidade no emprego, por exemplo, foi substituída pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Houve, também, algumas pequenas reformas, como aquelas ocorridas no governo FHC; este criou, por exemplo, o banco de horas.

Tendo isso em vista, o governo Temer lançou, há poucos dias, uma pequena proposta de reforma trabalhista – tema que é debatido há mais de décadas. Acredita-se, entretanto, que qualquer avanço nessa área, neste governo, será modesto, e que ficará a cargo do próximo presidente tratar desse tema.

Este texto se propõe a analisar os efeitos da CLT sobre a economia brasileira, bem como os impactos de uma reforma na legislação.

A CLT protege a quem?

Um dos argumentos mais comuns a favor da manutenção das medievais leis trabalhistas brasileiras é de que “ah, mas CLT protege o trabalhador!”. Isso se trata de uma meia-verdade.

De fato, a CLT protege os trabalhadores formais, aqueles com carteira assinada. O problema é que eles representam menos da metade dos trabalhadores do setor privado. Mais precisamente: 49,5%. Em outras palavras: mais da metade dos trabalhadores no mercado não têm acesso às ultra-protetoras leis trabalhistas. Veja no gráfico abaixo.

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Note como no Norte e Nordeste, menos de 40% dos trabalhadores contam com a benevolência da CLT. O sudeste, por ser a região mais rica e produtiva, conta com a maior taxa de formalidade (leia-se: proteção): quase 60%.

E como é o perfil de quem é protegido pela CLT? Como mostram os dados, são trabalhadores mais bem remunerados do que os “não-protegidos”. O que não é de se espantar: com tantos encargos, obrigações, benefícios e afins, só os trabalhadores produtivos o suficiente conseguem um emprego formal. Os outros não têm produtividade suficiente que justifique tamanho custo da legislação (que será discutido a seguir).

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Os trabalhadores que não gozam dos benefícios da CLT são relegados à economia informal, sabidamente menos produtiva e que investe menos (em máquinas, equipamentos, treinamento etc). E, como se sabe, é o investimento que garante o aumento da produtividade e, por consequência, dos salários.

O resultado, portanto, é que esses trabalhadores ficam aprisionados numa armadilha de baixa produtividade, baixo salário e nenhum crescimento no emprego. Não só estamos negando a possibilidade desses trabalhadores terem um emprego formal e bem remunerado hoje, mas também no futuro.

Salário mínimo

Um estudo do FMI sobre o Brasil mostra como aumentos do salário mínimo acima dos salários médios (estes que tendem a acompanhar o crescimento da produtividade) prejudicam o nível de emprego, especialmente dos trabalhadores menos qualificados (e, logo, menos produtivos).

Nos últimos anos, o salário mínimo cresceu muito acima da produtividade, de tal sorte que esta cresceu meros 14%, enquanto aquele cresceu incríveis 118%. O gráfico abaixo deixa esse descolamento evidente.

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Dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME/IBGE) mostram exatamente isso: quanto maior o índice de Kaitz, ou, como definimos aqui, “salário mínimo relativo” (obtido pela razão entre o salário mínimo e o salário médio), menor o emprego para pessoas menos qualificadas (aqui, com até 3 anos de instrução). Afinal, como se sabe, a qualificação é determinante da produtividade. Quanto menos anos de estudo, menos produtivo é o trabalhador. E, como dito, o salário mínimo prejudica especialmente os menos produtivos.

O estudo supracitado, por sua vez, estima que no mundo como um todo, um aumento de 10% nesse índice leva a uma queda de 0,6 a 0,85 pontos percentuais no emprego. No Brasil, essa queda é de 0,7 a 1,12 pontos percentuais; queda essa que afeta, principalmente, os trabalhadores menos qualificados, segundo o mesmo estudo.

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Custos trabalhistas

É fato: nenhum país do mundo tem leis trabalhistas tão generosas quanto as nossas. Um estudo da FGV estima que a CLT eleva o custo de um trabalhador, em relação ao seu salário, em incríveis 191%. Naturalmente, como não há almoço grátis, isso é repassado para o trabalhador na forma de remuneração menor. O dito estudo aponta que o salário recebido é de cerca de 34% do dispêndio total da empresa com o trabalhador.

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Além do mais, os autores estimam aquilo que chamam de “custo da legislação trabalhista”. Para isso, primeiro definem o conceito de “salário equivalente”, que é, grosso modo, o quanto o trabalhador atribui de valor ao seu contrato de trabalho. Nas palavras dos autores, o “salário equivalente”:

“Trata-se, resumidamente, do salário hipotético mensal que o trabalhador desejaria receber caso essa fosse sua única fonte de rendimentos e benefícios laborais. Ou seja, seria a remuneração que uma empresa deveria pagar pelo trabalho realizado (sob a ótica do trabalhador), caso não houvesse mais nenhuma obrigação trabalhista”

O “custo da legislação trabalhista”, por sua vez, é a diferença entre o gasto total da empresa com o trabalhador e o salário equivalente. A conclusão do estudo é de que esse custo pode atingir quase 50% do gasto total da empresa com o trabalhador, e quase 100% do “salário equivalente”. Posto de outra forma: suponha que uma empresa gaste, ao todo, R$3000,00 com um funcionário. O salário bruto dele é de R$1030,20. Ausentes os benefícios, ele estaria disposto a receber, por esse contrato de trabalho, R$1560,00. Essa diferença de R$1440,00 (3000 – 1560) é o custo que a CLT impõe sobre o empregador, e que não é recebido pelo trabalhador.

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Terceirização

Um dos grandes temas que foram debatidos no ano de 2015 foi o da terceirização. Entre preferências ideológicas, mentiras e estudos de validade duvidosa (leia-se: recheados de barbeiragens estatísticas), cabe elucidar o que anda ficando de fora dessa discussão.

A grande vantagem da terceirização é reduzir os custos de transação e aumentar a produtividade. Imagine, como exemplo, uma loja e uma fábrica, ambas contratantes de funcionários de limpeza terceirizados. A loja está passando por tempos difíceis e, hoje, não precisa mais de tanto pessoal assim. A fábrica, por sua vez, está em franca expansão, e hoje necessita de mais funcionários para limpeza. Como são terceirizados, a loja pode facilmente dispensar aquele pessoal de limpeza que hoje trabalha por lá, e eles rapidamente serão realocados para quem mais precisa (no caso, a fábrica).

Sem a terceirização, a loja teria que demitir os funcionários e arcar com todos os custos de demissão. Eles – os trabalhadores -, então, passariam a receber todos os benefícios aos quais têm direito, e dificilmente aceitariam um novo emprego rapidamente, a menos que recebessem um salário artificialmente mais alto (incompatível com a produtividade). O resultado é aumento de custos, perda de eficiência e de produtividade.

A empresa prestadora de serviços se especializa, justamente, em alocar recursos humanos. Essa especialização gera ganhos de produtividade e redução de custos, o que beneficia os trabalhadores – o contrário do que dizem aqueles contra essa prática, que hoje é tendência mundial.

Rotatividade

Uma das consequências da nossa legislação trabalhista é a alta rotatividade do mercado de trabalho brasileiro. Relatório do Banco Mundial explicita isso, trazendo uma série de dados e comparações internacionais. Uma das explicações são os (generosos) benefícios e regras de elegibilidade para acesso ao seguro-desemprego, bem como os custos de demissão, que crescem com o aumento da duração do vínculo empregatício.

Pense no exemplo do FGTS: do lado do empregador, há incentivo para não manter o trabalhador muito tempo no emprego, já que o custo de demissão (neste caso, a multa sobre o saldo do FGTS) cresce com o tempo de serviço. Já pelo lado do trabalhador, há incentivo para “forçar” a demissão e sacar o seu FGTS. Isso estimula os “acordos” entre firmas e empregados, onde simulam a demissão para que o trabalhador possa ter acesso ao fundo, bem como ao seguro-desemprego.

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Ademais, nossas leis trabalhistas estimulam a demissão em períodos de crise. Tome como exemplo uma fábrica que passa por dificuldades devido à recessão. Tudo seria mais fácil se essa firma pudesse, ao menos temporariamente, reduzir os salários e a jornada de trabalho de seus funcionários, devido ao menor ritmo de vendas.

Acontece que a CLT proíbe isso. Como resultado, a firma simplesmente demite o trabalhador, já que precisa cortar custos e enxugar sua estrutura para atravessar a crise.

Há, é verdade, instrumentos mais flexíveis, que permitem esse tipo de saída, como o “lay-off” (que consiste na suspensão temporária do contrato de trabalho) e o banco de horas, que permite que o trabalhador construa uma espécie de “saldo”: trabalha-se mais em períodos de expansão, sem receber horas-extras, e menos em períodos de retração; entre outros.

O problema é que esses instrumentos dependem de negociação coletiva (i.e. não podem ser negociados individualmente, entre a empresa e o trabalhador). Isso resulta em pouca adesão das empresas a esses instrumentos; afinal, é impossível tratar coletivamente funcionários com características e histórias tão díspares dentro das firmas. E, como se sabe, os sindicatos dos trabalhadores também não recebem muito bem qualquer proposta que reduza salários.

A consequência é uma grande perda de produtividade para a economia. Imagine, por exemplo, um trabalhador que estava há, digamos, 8 anos numa empresa. Ao longo desses 8 anos, a empresa investiu na capacitação e no treinamento do seu funcionário; este, por sua vez, desenvolveu e se especializou em habilidades e atividades muito específicas daquela firma ou setor.

Se demitido, tanto a empresa quanto o funcionário saem prejudicados: este, porque não vê muita utilidade naquilo que aprendeu/se especializou ao longo dos últimos 8 anos; aquela, porque gastou dinheiro no treinamento de um trabalhador que agora se foi, e terá de retreinar outro no futuro.

Desemprego

Hoje já se sabe que um código trabalhista engessado prejudica o emprego. Estudo do FMI sugere que um aumento de 1 desvio-padrão no “índice de flexibilidade trabalhista” construído pelos autores diminui o nível de desemprego entre 0,3 e 1,3 ponto percentual. De fato, quando se reduzem os custos e a regulação para admissão/demissão, as empresas contratam mais, além de investirem mais em seus trabalhadores.

Outro estudo, da Universidade de Bath, mostra como na Itália, por exemplo, na ausência das rigidezes do mercado de trabalho italiano, a taxa de desemprego total poderia ser 2,3 pontos percentuais menor; entre os jovens, essa diferença seria de absurdos 5,6 pontos percentuais.

Conclusão

Em resumo, a flexibilização das leis trabalhistas beneficia, justamente, aqueles que os arautos da CLT dizem defender: trabalhadores pobres, menos qualificados e negros.

Como se sabe, em todas as regiões do Brasil, a taxa de informalidade é maior entre os negros do que entre os brancos, justamente porque os negros são menos produtivos, uma vez que, em média, não tiveram acesso a boa qualificação na juventude.

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A flexibilização trabalhista tem por objetivo incluir no mercado formal esses que hoje ficam à margem do guarda-chuva da CLT. A redução dos custos e das regulações vai beneficiar a metade dos trabalhadores do setor privado que hoje estão condenados ao mercado informal.

A possibilidade de individualizar instrumentos que hoje dependem de negociação coletiva vai favorecer a manutenção de postos de trabalho em tempos de crise, preservando os investimentos feitos, bem como a produtividade adquirida.

Com efeito, toda a economia brasileira sairá ganhando com custos menores, mais empregos, mais investimentos, mais produtividade e salários maiores.

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