Por que o Ministro Levy deve permanecer?

 “A primeira coisa a fazer no Brasil é abandonarmos a chupeta das utopias em favor da bigorna do realismo. ”

Roberto Campos, velho Bob Field

As últimas semanas de agosto de 2015 foram dignas de turbulências, tanto no campo político, bem como no econômico, a situação que se já apresentava complexa, caminhou para um drama ao melhor estilo argentino.

A sequência de fatos foi fumegante: i) saída de Michel Temer da articulação política; ii) divulgação do PIB de -1,9% segundo trimestre; iii) tentativa atabalhoada de reviver o monstro da CPMF, e a cereja do bolo: iv) envio da proposta de orçamento para 2016 com um singelo déficit da ordem de R$ 30 bilhões.

A guinada política econômica contracionista iniciada este ano, muito a contragosto do governo, vem promovendo os ajustes necessários, corrigindo distorções e principalmente, demonstrando o compromisso com as contas públicas e o tripé macroeconômico, a qual é encabeçada pelo Ministro Joaquim Levy.

Porém, como já dito, as medidas não agradam boa parte do governo atual e também a base aliada, claramente prostrada na ideologia do gasto público expandido e do “sonho de verão” que foi a Nova Matriz Econômica. A saraivada de críticas ao atual ministro foram / são inúmeras, provendo o isolamento do mesmo.

Levy e o exército de um homem só.

Levy assumiu a cadeira em meio ao período conturbado, vindo do ambiente da euforia eleitoral, que rapidamente se transformou na degradação dos fundamentos macroeconômicos do país, tomou medidas essenciais e precisas para oferecer voto de confiança as agências de rating internacionais, refutando a possibilidade de downgrade da dívida pública, o que por si só já é um grande feito (apesar de dada a conjuntura atual, infelizmente no longo prazo o rebaixamento aparenta ser inevitável).

Levy

Levy mirando o % do PIB na dívida pública

Joaquim não é e nunca foi político, nunca precisou, é um técnico, possui notável carreira acadêmica na Escola de Chicago, obteve importante participação em instituições como FMI, Banco Central Europeu e Tesouro Nacional e ainda posições de diretoria no mercado financeiro brasileiro. Compreende perfeitamente que não se pode ter posições intransigentes e totalitárias frente aos agentes econômicos. Compreende que o ajuste da economia é doloroso para todos, e que infelizmente a recessão não será revertida tão cedo; mas sabe que no longo prazo a sustentabilidade de dívida pública, a sanidade fiscal e principalmente o controle e convergência da inflação são necessárias para a retomada do crescimento.

Em paralelo, por diversas vezes explicitou que o ajuste fiscal por si só não é o meio para o país retomar o crescimento, e por isso já comentou sobre reformas de infraestrutura, sistema de financiamento imobiliário, isonomia tributária de investimentos, redução do intervencionismo estatal, etc.

É compreensível que os empresários, assim como toda a sociedade, se manifestem receosos ao aumento de tributos e se revoltem com a crise.

Porém o anúncio “sincero do déficit” para 2016 foi a gota d’agua para Levy. Aparentemente o compromisso do Dilma II com superávit demonstrou-se falso, não somente com a declaração em julho com a redução da meta, mas também com o congresso aprovando sucessivos aumentos (em que mundo essa gente vive?) [2]

Apenas (ou não) a título de curiosidade, no início do ano, após a posse do ministro, um dos mais renomados economistas-fiscalista do país, Mansueto de Almeida [1] publicou em seu blog pessoal:

“Por que um partido que está há 12 anos no poder não tinha um único economista filiado nos seus quadros para nomear ministro da fazenda?

Por que convidaram um economista que não concorda em nada com o que foi feito no primeiro governo Dilma? Eu adoraria saber as respostas para essas perguntas.”

Foi uma declaração simbólica e exprime a posição praticamente esquizofrênica da atual presidente, em apoiar as medidas de Levy em uma ponta, e em outra atender a antiga visão heterodoxa de sua equipe econômica.

Levy claramente não concorda com tais medidas e está dormindo com o inimigo, e sua permanência no longo prazo é difícil, porém recebemos mais um voto de confiança de sua parte [3] e da credibilidade que possui com o governo. Resta saber até onde esta relação se sustenta.

Aparentemente, muito mais por questões políticas e muito menos por racionalidade econômica, o ajuste fiscal e o rombo das contas públicas se mostram cada vez mais no limite do impossível, mas o paciente ainda está seguindo a cartilha médica, mesmo que pendendo para o retrocesso. Levy “mãos de tesoura” almeja mais espaço para trabalhar e autonomia para tomar suas decisões, pois a realidade é crítica e exige atitude.

E foram com estas palavras, relembrando o General Marshall, que o mesmo encerrou seu artigo na Folha de São Paulo de 08/05/2015:

“Ao se comemorar o fim da maior das guerras no território europeu e merecidamente homenagear os milhares de pracinhas que o Brasil mandou à Itália e que voltaram com tantas e variadas experiências, parece mais atual do que nunca o exemplo desse general que declinou as posições mais visíveis no seu Exército, para garantir o seu bom funcionamento e as grandes escolhas estratégicas que lhe trouxeram a vitória. ”

Resta saber se o Brasil ainda é um país sério, e se confirmado, Levy é o símbolo desse compromisso. Caso contrário, a Argentina/Venezuela estão logo ali para dar o exemplo negativo.

 

Pedro Lula Mota

Editor do Terraço Econômico

  Notas: [1] https://mansueto.wordpress.com/2015/02/22/eu-quero-saber-por-que/ [2] http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/08/senado-aprova-aumento-de-41-ate-2019-para-servidores-do-mp.html [3] http://www.valor.com.br/politica/4209846/levy-diz-jornal-que-nao-tem-intencao-de-deixar-o-governo [4] http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/05/1626231-joaquim-levy-o-exemplo-do-general-marshall.shtml#_=_

Pedro Lula Mota

Economista pela UNICAMP, como passagem pela Universidade do Porto - Portugal. Admirador da arte da fotografia, principalmente de lugares extremos e excêntricos.

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