Qual a importância da confiança na economia?

“A confiança é a forma mais barata de estímulo econômico”

Larry Summers

A confiança, em conjunto com outros fatores, é elemento fundamental para determinar as ações dos agentes, principalmente na formação de expectativas, na previsibilidade e na mitigação das incertezas intrínsecas ao sistema capitalista.

Em nossa módica vida cotidiana, nas nossas mais diversas relações, e em vários momentos, o rompimento com a confiança é um fator decisivo para o encerramento de qualquer envolvimento saudável entre as partes.

Já bem dizia o velho aforismo: “a confiança é difícil de ter, difícil de manter, muito fácil de perder e uma vez perdida, quase impossível de se recuperar”.

Na análise econômica não é diferente.

E já não é de hoje que vem sendo noticiada a deterioração das expectativas dos empresários e dos consumidores. Mesmo que um primeiro momento, a importância da confiança (ou das expectativas) aparentemente pareça algo abstrato nas análises econômicas, o fato é que esta variável é fundamental para antecipar o movimento de outras variáveis, como as decisões de consumo das famílias ou de investimento dos empresários.

O ajuste fiscal (ou a tentativa do mesmo) em curso na economia possui relação intima com a recuperação da confiança dos agentes e na melhora das expectativas, a qual foi paulatinamente combalida durante os anos de política economia descabida de rigor.

Atualmente, a forma mais clara de mensurá-la é através do desenvolvimento de índices de confiança. Mas, de fato, você sabe qual a importância desses índices? Vale a pena discorrer um pouco acerca destes.

Desde a elaboração do conceito de animal spirit [1] por Keynes, as expectativas e sentimentos – variáveis subjetivas quase que imensuráveis – dos empresários tem ganho mais espaço na formação de políticas econômicas. Atualmente, no Brasil, temos os índices de confiança da FGV (calculadas pelo IBRE) como uma das principais fontes para o acompanhamento desta variável (há outros também de diversas entidades de classe).

A lógica de tais índices é bem simples: quando ele entra em uma tendência negativa e de queda, o setor que ele representa tende a declinar juntamente, similar a ocorrência da “profecia autorrealizável” [2].

A principal vantagem deste é ser divulgado com certa antecedência em relação aos indicadores oficiais dos órgãos de pesquisas e estatísticas dos países (como o IBGE, no caso brasileiro).

Ok, mas de fato eles antecipam e guardam uma relação com a atividade econômica? Sim, é o que veremos nos gráficos abaixo.

g111Fonte: IBRE – Fundação Getúlio Vargas

No Gráfico 1 vemos a relação dos resultados trimestrais do índice de confiança da indústria e das variações trimestrais interanuais do PIB da Industria de Transformação. Como pode-se observar, eles seguem a mesma tendência, que é negativa nos últimos períodos (se agravando no segundo trimestre deste ano, no que tange a confiança, sugerindo fortíssima queda do PIB do setor no período). De fato, quando acompanhamos nos noticiários as perdas mensais desse indicador, atingindo nos últimos meses os piores patamares da série histórica. Uma forte indução da fragilidade do setor industrial que, se não retomada a confiança, não deve mostrar recuperação nos resultados a frente.

Outro índice importantíssimo é o da Confiança do Consumidor (Gráfico 2), que está sendo fortemente impactado esse ano pela pressão inflacionária, aumento de custos e dificuldade de acesso ao crédito (ou seja, a deterioração das condicionantes de consumo). A diferença é que a piora do consumo leva toda a economia brasileira – fortemente dependente de serviços, setor correlacionado com a renda – para baixo. O aumento do desemprego, juntamente com as incertezas do trabalhador quanto ao futuro, não sinaliza que tal índice de confiança ira sair desses patamares historicamente baixos para uma tendência de recuperação rápida, impactando as expectativas de toda a economia.

G22Fonte: IBRE – Fundação Getúlio Vargas

É importante deixar claro que é difícil determinar qual confiança – consumidor ou empresário – é mais importante, afinal os dois movimentos se retroalimentam. Interessante notar também que estamos em patamares de incerteza nunca atingindo anteriormente, mesmo em tempos da famosa “crise internacional” de 2008, as expectativas foram rapidamente recuperadas graças a diversos fatores favoráveis da conjuntura daquele momento.

Ainda temos, em menor escala de importância, a confiança do comércio, do serviço e da construção (Gráfico 3). A menor importância ressaltada consiste no fato de que os dois indicadores anteriormente citados já impactam – negativamente ou positivamente – o desempenho destes últimos, sobretudo no resultado do consumidor.

g4Fonte: IBRE – Fundação Getúlio Vargas

Vale ainda ressaltar que os índices de confiança são, costumeiramente, formados por dois subíndices: um que mensura a leitura dos empresários quanto a situação corrente de seu setor, e outro que avalia suas expectativas para os próximos meses. São costumeiramente divididos em coincidentes (onde os resultados das variáveis reais acontecem no mesmo período que o índice) ou antecedentes (os famosos leading Indicators, como são conhecidos internacionalmente, que relatam informações que aconteceram nos períodos posteriores). A má notícia é que, anteriormente, apenas o que avalia a situação atual declinava, mas hoje, o das expectativas – que irá dizer se haverá recuperação no futuro – mostra fortes perdas, aumentando ainda mais a preocupação quanto a retomada da atividade econômica do país nos próximos meses.

Mas estes resultados podem ser vistos em outros países?

Sim.

Quando utilizamos os resultados do importante instituto alemão, Ifo [3], vemos a forte correlação com a atividade econômica (Gráfico 4), o que já nos pode indicar uma possível recuperação econômica para os próximos trimestres.

G3Fonte: Instituto Ifo

Portanto, ainda que de forma superficial, tentamos mostrar qual a importância dessa variável tão subjetiva que é a confiança e seus impactos da economia. E qual é o receituário para acabar com a confiança na economia de um país? Vale a pena resgatar alguns fatos que contribuíram para chegarmos até o baixo patamar atual:

  • Uma política econômica descompromissada com o controle da inflação, associada a uma política fiscal relaxada (e com influências da contabilidade criativa);
  • Banco Central com baixa autonomia, e que se reporta ao presidente da república e ao Ministério da Fazenda;
  • Expansão atabalhoada do gasto público;
  • Aparelhamento de empresas estatais, em detrimento da meritocracia e qualidade técnica.

A receita completa pode ser encontrada na integra no artigo “Como preparar uma estagflação” [4]

Resumindo, neste cenário, foram afetados diversos fundamentos básicos da economia, refletindo diretamente na atividade econômica.

Nesta, as decisões tomadas pelas instituições em geral, pelos proprietários de ativos, pelos trabalhadores, estão intimamente ligadas a um passado irrevogável e um futuro incerto e por muitas das vezes traiçoeiro. A questão que se impõe aqui, caro leitor é: a necessidade mínima de previsibilidade e transparência por parte das políticas implementadas pelo setor público, que garantam um ambiente razoável de negócios, com estabilidade institucional e que estimulem o empresariado a impulsionar a taxa de investimento, hoje em patamares irrisórios. É importante ressaltar também que o cenário político caótico atual influencia diretamente nas tomadas de decisões dos agentes.

Infelizmente, não há mágica que possa recuperar a confiança, tanto dos empresários, quanto dos consumidores, de forma consistente no curto prazo e sinalizando planejamentos estáveis no médio e longo. No caso brasileiro, para readquirir a confiança dos agentes econômicos, tem-se que corrigir uma série de desequilíbrios acumulados nos últimos anos pela chamada Nova Matriz Econômica, e esse processo de correção não é indolor.

O atual drama, da possibilidade de “downgrade” por parte das agências internacionais na nota de crédito do Brasil só vem a confirmar a importância e a necessidade de estabilidade e credibilidade da imagem do país em termos internacionais, e de que como uma variável em tese “subjetiva” pode se converter em uma tragédia econômica sistêmica.

Para tornar a solução mais difícil, além do lado econômico, o governo ainda se depara as com questões políticas ligadas diretamente às dores da correção, ou seja, da aprovação das medidas necessárias para o ajuste fiscal.

Uma coisa é certa: enquanto a confiança não voltar, a economia não crescerá.

 

Arthur Lula Mota, economista UNIFESP

Pedro Lula Mota, editor do Terraço Econômico

  [1] http://www.investopedia.com/terms/a/animal-spirits.asp [2] Profecia autorrealizável é uma expectativa que, ao se tornar uma crença, provoca a sua própria concretização. Quando as pessoas esperam ou acreditam que algo acontecerá, agem como se a profecia ou previsão já fosse real e assim a previsão acaba por se realizar efetivamente. [3] https://www.cesifo-group.de/ifoHome.html [4] https://terracoeconomico.com.br/como-preparar-uma-estagflacao/    

Pedro Lula Mota

Economista pela UNICAMP, como passagem pela Universidade do Porto - Portugal. Admirador da arte da fotografia, principalmente de lugares extremos e excêntricos.

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