Religião e economia: o que dizem os economistas desde Weber

 

“Please allow me to introduce myself
I’m a man of wealth and taste” 

O que faz as economias crescerem? É uma questão que tem feito economistas debaterem por séculos. A maioria costuma explicar o desenvolvimento econômico como decorrência de fatores como educação, abertura ao comércio, recursos naturais e sistemas políticos. Mas aqui está o que você provavelmente não lembrou: o inferno.

Pacto com o capeta para crescer? - Fonte: Desconhecido
Pacto com o capeta para crescer? – Foto: Desconhecido

Calma, este site não se transformou em um pregador religioso. Ater-nos-emos sempre à boa ciência econômica. Como as religiões influenciam economias inteiras – e até que ponto elas o fazem –não é tão claro para nossa ciência. Em 1905, Max Weber, sociólogo alemão que estudou religiões, identificou o que ele chamou de “ética protestante do trabalho” como a força motriz do capitalismo moderno no Ocidente.

Segundo Weber, a lógica protestante era muito diferente da católica. O catolicismo ensina que as boas ações são necessárias dos católicos como uma manifestação necessária da fé, enquanto que o calvinismo (vertente do protestantismo) pregava a ideia que somente os predestinados seriam salvos. Como seria impossível saber certamente quem é predestinado, o modo de vida de cada um era um bom indicador. Trabalho duro, sucesso social e riqueza eram consideradas sinais importantes de ser um dos eleitos. Assim, segundo Weber, os países cuja maioria da população fosse protestante deveriam se destacar na competição capitalista.

Os economistas modernos não têm estudado muito esta questão, em parte porque é difícil quantificar algo como crença religiosa, ou comparar as estatísticas sobre as crenças religiosas entre os países. A escassez de estudos econômicos sobre o tema é surpreendente, pois um aspecto comum a quase todas as formas de religião é que elas costumam ditar regras de comportamento a seus seguidores formando uma espécie de instituição informal, nos moldes do trabalho seminal de Douglas North, moldando interações econômicas, políticas e sociais. Práticas religiosas causam trade-off, uma vez que tempo e recursos que estariam, então, disponíveis para produção podem ser direcionados para outras causas, como templos, peregrinações, meditações e etc.

Religiões também podem afetar diretamente a produtividade, por exemplo, modificando as interações sociais de crentes com não-crentes (diferentes hábitos alimentares e guerras “santas” são alguns exemplos). Também é possível que as crenças moldem valores que determinam as decisões econômicas, tais como a oferta de trabalho ou escolha ocupacional. Então o que faz as religiões criar esses efeitos econômicos?

A ligação parece intuitiva: a maioria das grandes religiões tende a exaltar virtudes como a autodisciplina, sacrifício e parcimônia. Algumas chegam a pregar que o sucesso e a prosperidade (como os calvinistas), ou o sacrifício terreno, se transformarão em coisas boas da vida após a morte, uma espécie de escada banhada a ouro para o céu. Uma religião pode, muito diretamente, afetar o que seus seguidores ganham, por exemplo, fundamentalistas e evangélicos nos Estados Unidos tendem a ter taxas de poupança mais baixas do que os membros de outras religiões, em parte porque eles têm famílias maiores e também têm de dar mais do seu dinheiro à sua igreja.

Ao longo das últimas décadas, conjuntos de dados e estatísticas sobre religião tornaram-se disponíveis, e um grande avanço nas técnicas matemáticas e econométricas de computação tornaram mais fácil para os economistas realizarem estudos para religião semelhantes aos que relacionam educação e desenvolvimento. As descobertas mais instigantes vieram de Robert Barro, um renomado economista em Harvard, e sua esposa, Rachel McCleary, também pesquisadora em Harvard. Eles descobriram que a religião tem um efeito mensurável sobre as economias em desenvolvimento – e a influência mais poderosa se ​​refere a quão fortemente as pessoas acreditam no inferno. O fator “demônio” ser importante no crescimento econômico pode parecer surpreendente, uma vez que não se pode provar que ele existe, quantificá-lo então é muito difícil!

Os dois coletaram dados de 59 países nos quais a maioria da população segue uma destas quatro grandes religiões: o cristianismo, o islamismo, o hinduísmo ou o budismo. Eles analisaram, por meio de modelos estatísticos, dados que tentavam medir o grau de religiosidade das pessoas como níveis de crença em Deus, crenças em vida após a morte e assiduidade de frequência aos cultos entre os anos de 1981 e 2000. Seus resultados mostraram uma forte correlação entre o crescimento econômico e certas mudanças nas crenças, embora apenas para países em desenvolvimento. O mais curioso do estudo foi que uma pessoa cuja frequência à igreja seja constante, mas sua a crença no inferno aumenta, esse fato tem uma correlação positiva com o crescimento econômico. O mesmo ocorre para pessoas que acreditam mais no céu, embora o efeito seja menos pronunciado. Já a mera crença em Deus não tem efeito de uma forma ou de outra. Por outro lado, se a frequência à igreja aumenta, o crescimento nas economias tende a diminuir, muito provavelmente porque as pessoas alocam mais seu tempo em tarefas religiosas e menos em tarefas econômicas.

Após o trabalho de Barro, outros economistas se debruçaram sobre o tema. Sascha O. Becker estudou o desenvolvimento econômico da Prússia e constatou que, pelo menos para a Alemanha, Weber estava certo sobre a ética protestante do trabalho: os protestantes eram mais propensos a ser empreendedores do que os católicos, e mais propensos a criar empresas maiores. Becker argumenta, entretanto, que a causa não seria própria crença religiosa, mas um desdobramento acidental dos protestantes a necessidade de ser alfabetizado o suficiente para ler a Bíblia. Consequentemente, os protestantes teriam um nível maior de produtividade. Em um trabalho mais recente, os economistas Filipe Campante e David Drott, ambos de Harvard, utilizaram dados de 87 países para estimar os efeitos de uma prática religiosa – o jejum durante o ramadã muçulmano – não apenas sobre o crescimento econômico, mas também sobre a felicidade de seus praticantes (medida por um questionário que perguntava o quão felizes as pessoas se sentiam). Os autores concluíram que caso o jejum diário ao qual os muçulmanos devem se submeter aumentasse das atuais 12 horas (em média), o crescimento econômico diminuiria consideravelmente. Porém, há um efeito positivo, a felicidade tende a aumentar com o ramadã deixando os muçulmanos mais satisfeitos com suas vidas.

Se a crença religiosa tem efeitos importantes sobre a prosperidade, levanta uma questão difícil para quem se preocupa com o desenvolvimento econômico: o que devemos fazer com esse conhecimento? Faz sentido de pregar a existência do inferno em países em dificuldades, ou nomear um ministro da crença? Provavelmente não, a religião é apenas um entre muitos fatores que afetam as economias.Este conhecimento é importante para podermos entender novos fenômenos, como a recente expansão dos neopentecostais no brasil, simbolizada pelo novo templo da Igreja Universal.

 

João Guilherme Santos Lazzaro
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4 Comentários

  1. Caro João Guilherme, eu acho muito perspicaz a observação de Ha-Joon Chang (como sempre, claro) que o confucionismo era utilizado para explicar o atraso da China quando era atrasada, e o sucesso da China de hoje. Sem deixar de reconhecer a influência das religiões, talvez seja mais relevante entender como as religiões respondem às mudanças socio-econômicas do que o oposto. Abração.

      1. C. Dawson escreve: A interpretação marxista da história não é senão uma fórmula divorciada da história. Pretende levar-nos ao coração do problema e mostra-nos um vácuo» («Ensaios sobre a ordem, New York 1931, pág. 165).
        Outro autor contemporâneo observa:Marx… não se deteve a estudar a História… Ignora o exem¬plo crucial do seu próprio povo, a história da grandeza de Israel, que destrói toda a sua teoria. A grandeza de Israel não foi econômica; neste aspecto, pouco diferia da dos povos circunvizinhos. A grandeza dos judeus do Velho Testamento e o estabelecimento do Cristianismo na história estão fora do campo econômico. O que Marx fez, foi formular uma generalização apressada das condições e do espetáculo do seu tempo, e ainda aqui errou gravemente» (M. d’Arcy, «Moral Cristã». Londres 1937, pág. 169).

    1. Religião x marx.
      O marxismo ensina que a forma da religião de determinada sociedade é produto direto da estru¬tura econômica respectiva. O homem, consciente ou incons¬cientemente, adota a religião que proteja o seu tipo de pro¬dução. Ora mais uma vez a história desmente. Tenham-se em vista, por exemplo, a religião dos judeus (estritamente mono¬teísta) e a dos pagãos anteriores a Cristo (exuberantemente politeísta); é certo que os sistemas econômicos de judeus e pagãos eram estritamente afins entre si, de modo a não jus¬tificar tamanha diferença no campo religioso. Pergunta-se mais: qual o cataclisma econômico que sacudiu o mundo judeo¬-pagão para que nele surgisse o Cristianismo? Paganismo, Judaísmo e Cristianismo coexistiram dentro das mesmas estruturas econômicas do Império Romano. – E que mu¬dança de produção acarretou a conversão do Império Romano ao Cristianismo? – E que alteração repentina no sistema econômico produziu o Islamismo na Arábia? – E, por último, como explicar o fato de que o Cristianismo tenha florescido durante tantos séculos em todo o mundo sob sistemas de pro¬dução tão variados que vão da escravatura romana ao capi-talismo norte-americano?

      A filosofia marxista não pode responder a tais pergun¬tas. Por isto quem estuda sinceramente a história, vê-se obri¬gado a procurar outra interpretação dos acontecimentos. Observam os comentadores de Marx que, de modo geral, a teoria marxista concernente à história não se deriva da aná¬lise da própria história; é, antes, um esquema preconcebido que faz violência à realidade dos fatos.
      Religião x marx.
      O marxismo ensina que a forma da religião de determinada sociedade é produto direto da estrutura econômica respectiva. O homem, consciente ou inconscientemente, adota a religião que proteja o seu tipo de produção. Ora mais uma vez a história desmente. Tenham-se em vista, por exemplo, a religião dos judeus (estritamente monoteísta) e a dos pagãos anteriores a Cristo (exuberantemente politeísta); é certo que os sistemas econômicos de judeus e pagãos eram estritamente afins entre si, de modo a não justificar tamanha diferença no campo religioso. Pergunta-se mais: qual o cataclisma econômico que sacudiu o mundo judeo-pagão para que nele surgisse o Cristianismo? Paganismo, Judaísmo e Cristianismo coexistiram dentro das mesmas estruturas econômicas do Império Romano. – E que mudança de produção acarretou a conversão do Império Romano ao Cristianismo? – E que alteração repentina no sistema econômico produziu o Islamismo na Arábia? – E, por último, como explicar o fato de que o Cristianismo tenha florescido durante tantos séculos em todo o mundo sob sistemas de produção tão variados que vão da escravatura romana ao capitalismo norte-americano?

      A filosofia marxista não pode responder a tais perguntas. Por isto quem estuda sinceramente a história, vê-se obrigado a procurar outra interpretação dos acontecimentos. Observam os comentadores de Marx que, de modo geral, a teoria marxista concernente à história não se deriva da análise da própria história; é, antes, um esquema preconcebido que faz violência à realidade dos fatos.

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