Repercussão e significados do “não” escocês

Rafael de Heredia Em votação histórica para a história recente do Reino Unido, a Escócia rejeitou no dia 18 de Setembro de 2014 a possibilidade de independência como país. Em uma votação relativamente apertada (55% de votos válidos para o «Não» e 45% para o «Sim»), mais de 2 milhões de escoceses votaram contra a independência completa e decidiram o destino do país «por pelo menos uma geração», conforme disse o Primeiro Ministro da Grã-Bretanha na última sexta-feira.

Ainda que a maioria dos eleitores escoceses tenha se expressado claramente em favor de permanecer parte do Reino Unido e manter, neste particular, o status quo, uma análise mais profunda do processo mostra que foi muito modificada a teia de relações institucionais e políticas da Ilha. E esta mudança, que já é dada como certa para a Grã-Bretanha, deve também trazer implicações para a Europa.

Ao passo que as pesquisas de opinião evidenciaram os altos e baixos da campanha «Better Together» (em favor da não-independência) e chegaram a um empate técnico duas semanas antes do pleito, o nível de desconforto do establishment no Parlamento atingiu o paroxismo. Se por muitos anos as pesquisas indicavam quase sempre que o apoio à independência nunca se aproximava de níveis competitivos (entre 2007 e 2012, por exemplo, o apoio variou entre 28 e 38%¹), este cenário mudou dramaticamente nas últimas semanas – e demandou que muitas concessões (e ameaças sutis) fossem feitas pelos partidos britânicos.

Esta inflexão do eleitorado no sentido do empate técnico em uma pesquisa de opinião em 6 de Setembro, fez com que interesses diversos (e até opostos) caminhassem à convergência durante as duas semanas que antecederam o Referendo do dia 18 – quando provou-se que, de fato, foi por pouco. Em algumas regiões, como em Glasgow (maior cidade da Escócia), o «Sim» chegou a ganhar. Equivale a dizer: foram o interior, as áreas menos urbanizadas e mais próximas da Inglaterra as que preferiram permanecer.

Em razão deste cenário de «pesadelo» (para os políticos de Westminster), acontecimentos pouco usuais foram vistos nas últimas semanas.  O primeiro-ministro David Cameron, do Partido Conservador, que estava em dedicada campanha em favor da união, foi visto em raro acordo e cooperação com o líder do Partido Trabalhista. E por motivos evidentes: ambos tinham muito a perder (em diferentes aspectos) caso os escoceses tivessem se decidido pelo «voo solo».

Questões econômicas e políticas

Entre diversas outras consequências da independência, uma das mais proeminentes seria uma mudança radical do panorama político do Reino Unido. O primeiro-ministro teria, com toda probabilidade, de deixar seu cargo antes das eleições de 2015 – quando, paradoxalmente, os oposicionistas do Partido Trabalhista não estariam em melhores lençóis. Em 2010, das 49 cadeiras escocesas no Parlamento Britânico, nada menos que 41 ficaram com os Trabalhistas – que portanto teriam grandes chances de perder relevância no Reino Unido nas eleições gerais de 2015.

No campo das consequências econômicas, seriam tantos os impactos que resta difícil imaginar (como exercício teórico) qual seria a feição desta nova Escócia. Não se sabia sequer qual seria a moeda corrente de uma Escócia independente. A própria União Europeia, possivelmente na intenção de evitar a «balcanização» do bloco também em outros países (como na Espanha), já havia dito que uma Escócia independente não necessariamente seria aceita no bloco e certamente não poderia adotar o Euro imediatamente.

[caption id="attachment_1718" align="aligncenter" width="454"]The face of British Scotland Foto: http://skilt.co.uk/union-flag-kilt-union-jack-kilt-british-kilt-great-britain-kilt/ The face of British Scotland
Foto: http://skilt.co.uk/union-flag-kilt-union-jack-kilt-british-kilt-great-britain-kilt/[/caption]

Ainda que a organização «Yes Scotland» tenha afirmado que uma área comum monetária que mantivesse a Libra como moeda poderia beneficiar tanto ao Reino Unido quanto à Escócia, só os custos de transação no comércio saltariam para 500 milhões de libras ao ano².

Mas é na área bancária, no entanto, que uma Escócia independente poderia enfrentar problemas ainda mais graves. Um estudo do Tesouro do Reino Unido demonstrou que os bancos escoceses têm ativos totais da ordem de 1200% o Produto Interno Bruto da região – o que só não é fonte de preocupação atualmente pois se diluem estes ativos na economia e no sistema financeiro do Reino Unido como um todo (que tem ativos totais da ordem de 500% do PIB, já contabilizada a Escócia). Por essas e outras razões, o Royal Bank of Scotland chegou ao extremo de afirmar, antes da votação, que teria de mudar sua sede para Londres caso o «Yes» vencesse.

Implicações amplas para o Reino Unido e Europa

É leviano, no entanto, acreditar que a vida segue a mesma no Reino Unido e na Europa já que estas nuvens carregadas não se precipitaram. Muitos assuntos já estão em outro curso: na sexta-feira, apenas horas depois dos resultados oficiais serem conhecidos, Cameron afirmava que era sua intenção encaminhar já no início de 2015 sua maior promessa ao povo escocês – o projeto de lei que  prevê maior autonomia financeira, política e orçamentária para a Escócia, Irlanda, País de Gales e Inglaterra.

Para uma região como a Escócia, em que a maioria dos votos ao Parlamento só coincidiu em duas ocasiões (nos governos de Tony Blair e Gordon Brown) com o partido que efetivamente levou a coalizão na Grã-Bretanha como um todo, isto já é uma grande vitória.

De maneira mais ampla, a recente experiência escocesa deve dar o tom e novo impulso a outras regiões na Europa que possuem ambições de independência, como no caso da Catalunha, do País Basco, da Irlanda do Norte, etc. A iminência, naturalmente, está na briga entre o presidente da região da Catalunha, Artur Mas, e o governo central da Espanha. A região autônoma prepara um Referendo similar ao escocês para o dia 9 de Novembro, mas a legalidade desta votação ainda está sob análise da Corte Constitucional⁴ da Espanha. Esta promete se ruma questão explosiva, especialmente frente às dificuldades atuais da Espanha.

Por fim, para a União Europeia, o fato de que mais de 2 milhões de escoceses tenham dito «Não» à secessão pode ter um significado muito mais imediato e prático. O primeiro-ministro David Cameron propôs em 2013 uma votação britânica sobre se o Reino deve permanecer ou sair da União Europeia. Ainda que os escoceses tenham apenas 5 milhões de habitantes num universo de mais de 64 milhões de britânicos, eles podem ser o voto de minerva em um cenário que se insinua: nas últimas pesquisas de opinião⁵ a respeito há uma divisão praticamente perfeita entre os britânicos que apoiam ou renunciam à União Europeia.

Sendo a Escócia a região do Reino Unido com a maior aderência à UE (mais de 61% dos votos válidos são favoráveis), seria irônico que, ao fim e ao cabo, esta região que flertou tão proximamente com a independência seja a que pode definir o destino do Reino. Caso isto aconteça, no entanto, seria o caso de reconhecer-lhes a coerência: os escoceses querem apenas estar unidos, com o Reino e com a Europa.

Rafael de Heredia Colunista na Revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, Administrador Público pela FGV-SP, estuda Economia na Universidade de Tilburg (Holanda)

Referências ⁰ http://www.bbc.com/news/uk-scotland-29096458 ¹ http://www.bbc.co.uk/news/uk-politics-16473265 ² http://www.walesonline.co.uk/news/wales-news/snp-warns-uk-businesses-could-6719298 http://www.heraldscotland.com/politics/referendum-news/salmond-sticks-to-plan-a-the-pound-is-scotlands-too.1392620409 ³ http://www.bloomberg.com/news/2013-05-18/u-k-treasury-says-banks-too-big-to-save-in-independent-scotland.html ⁴ http://www.bbc.com/news/world-europe-29274849 ⁵ https://d25d2506sfb94s.cloudfront.net/cumulus_uploads/document/ylfpbtmctf/YG-Archive-Pol-Sun-results-260814.pdf

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