Revendo o desemprego brasileiro: uma análise à luz dos microdados (parte 2)

Mês passado, em artigo publicado aqui no Terraço, apresentei uma análise alternativa para a mensuração da taxa de desemprego brasileira. Conforme foi apresentado, a estatística elaborada pelo IBGE não considera como desempregados os milhões de brasileiros que não estavam trabalhando na semana de referência da pesquisa e que não procuraram emprego no mês anterior.

O estudo dos chamados microdados da PNAD Contínua (isto é, da extensa base de dados que contém as informações desagregadas respondidas pelos entrevistados) permite o levantamento e a inclusão destas pessoas na estatística de desemprego. Como apresentado no artigo anterior, estima-se que sejam cerca de 4,7 milhões de indivíduos que gostariam de estar trabalhando [1], mas que desistiram (ainda que temporariamente) de procurar emprego por motivos alheios à problemas de saúde, estudos ou cuidados com a família.

Este contingente é, sobretudo, um reflexo da falta de trabalho em muitas localidades pelo país e da baixa qualificação da mão-de-obra. De fato, os microdados do IBGE nos revelam que estas foram as principais razões apontadas pelos indivíduos para a desistência na procura por emprego, conforme ilustrado no gráfico abaixo (resgatado da primeira parte do texto).

[caption id="attachment_10224" align="aligncenter" width="617"] Fonte: Microdados – PNAD Trimestral (março/2017). Elaboração própria. Obs: Na definição ampla consideram-se os indivíduos que desistiram de procurar emprego.[/caption]

Para além desta ótica alternativa sobre o desemprego, o cálculo oficial do IBGE também não considera diversas outras faces que a desocupação pode assumir. Uma delas, bastante relevante para o entendimento do mercado de trabalho no país, é a subocupação (isto é, o conjunto de indivíduos que estão empregados, mas que trabalham menos horas do que gostariam e poderiam). Novamente, a análise dos dados desagregados revela um contingente expressivo de brasileiros que sofrem com os impactos da crise econômica e política, mas que não são levados em consideração na divulgação dos dados oficiais sobre o mercado de trabalho.

Para o primeiro trimestre deste ano, a estimativa é de que havia 5,3 milhões de pessoas com jornada de trabalho inferior a 40 horas semanais e que gostariam de que esta fosse maior. Deste montante, quase 75% (3,9 milhões) tinham jornada inferior a 30 horas por semana e cerca de 38% (2,0 milhões) trabalhavam menos do que 20 horas. O gráfico a seguir sumariza os resultados por faixa de horas trabalhadas na semana, apresentando também a jornada média de trabalho de cada grupo.

[caption id="attachment_10225" align="aligncenter" width="593"] Fonte: Microdados – PNAD Trimestral (março/17). Elaboração própria. Obs: Contempla apenas aqueles indivíduos que gostariam e poderiam trabalhar mais horas.[/caption]

Estes dados sugerem não apenas uma desocupação relativa de parcela da população empregada, como também a elevada ociosidade na qual a economia brasileira vem operando. É certo que, sob a ótica do desemprego, uma pessoa subocupada não pode ser equiparada a um indivíduo desalentado (nome frequentemente usado para designar aqueles que desistiram de procurar ocupação). Entretanto, ambas as estatísticas deveriam ser mais exploradas e divulgadas, tanto pelos órgãos oficiais como por analistas de mercado, uma vez que revelam que a situação do emprego no país é ainda mais preocupante do que o noticiado todos os meses.

As duas situações são características de períodos de crise acentuados. Como já dito, a subocupação sugere um alto grau de ociosidade na economia, ao passo em que a desistência da procura por emprego reflete um cenário crônico para inúmeras famílias, com efeitos perversos sobre a produtividade do país. Isto porque (neste último caso) o indivíduo não está adquirindo experiência ou se qualificando, o que dificulta ainda mais o seu retorno ao mercado de trabalho e a obtenção de ganhos de produtividade no agregado.

Por fim, e como mencionado na primeira parte do artigo, também é válido observar nos microdados o número de trabalhadores não remunerados (isto é, daqueles que ajudavam no trabalho de familiares ou que recebiam contrapartida em alimentos/moradia). Apesar de não gerarem renda direta na economia, estes postos de trabalho são considerados na estatística de emprego do IBGE. É claro que existem as mais diversas situações que implicam em uma atividade principal não remunerada. Entretanto, assim como no caso da subocupação, tal cenário pode ser indicativo dos efeitos da crise econômica – em que uma parcela da força de trabalho passa a se ocupar de atividades que garantam o mínimo de renda ou benefício à família.

A seguir, apresenta-se um gráfico resumo dos números aqui levantados e discutidos. Como pode ser visto, as diversas outras faces que o desemprego pode assumir – e que não estão contempladas nas estatísticas oficiais do IBGE – são de grandeza relevante e merecem maior atenção por parte do governo e divulgação à sociedade.

[caption id="attachment_10226" align="aligncenter" width="615"] Fonte: Microdados – PNAD Trimestral (março/17). Elaboração própria.[/caption]

Daniele Chiavenato – Editora do Terraço

Notas:

[1] Como discutido na primeira parte do texto, os microdados estão disponíveis apenas na versão trimestral da pesquisa. Assim, estes dados fazem referência ao trimestre encerrado em março de 2017 (última base disponível).

Daniele Chiavenato

Formada em Economia pela FEA-USP, é mestre na mesma área pela Universidade de Leuven (Bélgica). No Brasil, trabalhou em consultorias econômicas com pesquisa macro e com microeconomia aplicada. Atualmente, na boa companhia das cervejas e chocolates belgas, trabalha na Comissão Europeia com políticas de emprego e inclusão social.
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