Temer finge que corta, fingimos que acreditamos.

Em seu discurso de posse em 12 de Maio de 2016, Michel Temer reconheceu o problema fiscal e afirmou:

“De imediato, precisamos também restaurar o equilíbrio das contas públicas, trazendo a evolução do endividamento no setor público de volta ao patamar de sustentabilidade ao longo do tempo. Quanto mais cedo formos capazes de reequilibrar as contas públicas, mais rápido conseguiremos retomar o crescimento”

Passados quase dois meses da posse de Michel Temer, o principal problema econômico brasileiro ainda não conta com uma solução definitiva, muito pelo contrário.

Aos que acompanham as mazelas econômicas brasileiras, é sabido que o maior problema que enfrentamos está nas contas públicas. Problema muito bem identificado por Temer e sua equipe econômica. Porém, as medidas necessárias para sanear as contas públicas no curto prazo passaram longe do gabinete de Michel Temer.

O tamanho do rombo que devemos tapar: R$ 170 bilhões de reais em 2016 e R$ 150 bilhões de reais em 2017. Além disso, para voltarmos a ter um endividamento público mais razoável, devemos não somente zerar o déficit primário, mas revertê-lo em superávit, ou seja, mais uma ou duas centenas de bilhões de reais.

Por ora, estão para ser aprovadas duas medidas que ajudam na nossa tarefa, mas que sozinhas não nos garantirão contas públicas sanadas. O famoso teto para o crescimento da despesa pública (estendido aos entes federados que renegociaram suas dívidas com a união) introduz certa disciplina no gasto público, que não poderá crescer acima da inflação do ano anterior. Mas vejamos: essa não é uma bala de prata que deixará as contas públicas sanadas. Imaginemos a seguinte situação:

1 – Inflação do ano 1 fica em 8%;

2 – Tanto o gasto público quanto a receita do governo do ano 1 ficam em 100 unidades monetárias;

3 – De acordo com a regra, o gasto público do ano 2 poderá ser 108;

4 – Agora o pulo do gato: imaginemos que a receita pública cresça em linha com o PIB real e com a inflação do ano corrente.

5 – No ano 2 o PIB real cresce 1% somente e a inflação fica em 5%.

6 – Gastos públicos poderão crescer 8% em termos nominais e ir a 108, enquanto a receita crescerá 6% e chegará a 106. Não equilibramos a conta.

Naturalmente a regra vale para o longo prazo e caso o PIB cresça normalmente a 2%-3% ao ano e a inflação esteja estabilizada perto da meta perseguida pelo Banco Central, no longo prazo iremos equilibrar as contas. Essa é a esperança da equipe econômica, e parece que boa parte dos agentes econômicos comprou a ideia. Mas ainda estamos contando muito com a sorte para sanarmos as contas.

E para o próximo ano, a situação descrita no nosso passo a passo pode ocorrer. Teremos uma inflação em 2016 de aproximadamente 7,5% e se tudo der certo, ela deve fechar 2017 em 4,5%. Assim, para que a regra automaticamente gere um resultado primário positivo, precisaremos de um crescimento real do PIB de mais de 3%. Pouco provável.

Assim, o equilíbrio das contas públicas no curto prazo deve vir de outro lado, correto? Um aumento da receita poderia reestabelecer alguma sanidade, mas não parece uma boa ideia aumentar impostos agora. Resta a obtenção de receitas não permanentes… privatizações devem vir com força em 2017, mas não deve ser suficientes para zerar nosso déficit.

Para finalizar, os controversos pacotes de aumento de remuneração do poder judiciário e a renegociação das dívidas dos estados ainda geram mais gastos ao governo. Ou seja: nenhuma medida concreta ainda foi tomada para fechar a conta no curto prazo. Reza a lenda que os pacotes de benesses servem para ganhar apoio na aprovação de medidas mais amargas que ainda virão, não descartando aí aumento de impostos. Sacrifica-se o peão na esperança de salvar a rainha?

Mas o que mais surpreende é a calmaria no mercado após a posse de Temer e o anúncio das medidas para estancar a sangria das contas públicas, com visível redução dos juros de longo prazo e que nos conduz a duas possíveis conclusões:

  1. ou o que interessa mesmo nas finanças públicas é a trajetória do resultado do governo no longo prazo, mesmo que nos primeiros anos haja resultados negativos;
  2. ou vivemos a síndrome de Vampeta, que quando jogava no Flamengo disparou: eles fingem que me pagam e eu finjo que jogo.

E ai, estamos fingindo que acreditamos em Temer enquanto ele finge que corta gastos?

palhuca

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.

Um Comentário

  1. Pergunta. Uma forma de resolver a questão além dos ajustes fiscais, não seria através de uma reforma tributária séria?

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