Um ano após o ápice da crise hídrica: previsões catastróficas e a doce realidade dos fatos

“Deus criou os economistas para os meteorologistas não se sentirem tão burros.” Autor Desconhecido

Dias atrás me lembrei sobre as previsões catastróficas de ditos “especialistas” a respeito do nível dos reservatórios em São Paulo. A situação era dramática, o nível do sistema Cantareira – o principal reservatório que abastece a cidade de São Paulo – acabou atraindo a maior parte da atenção dos estudiosos e especialistas de plantão:

“Especialistas consultados (…) preveem um desastre ambiental com a decisão do governo do Estado de iniciar a retirada de 400 milhões de metros cúbicos da água que fica abaixo do sistema de captação dos reservatórios. Se a seca se repetir no próximo ano e o governo optar apenas pelo uso do volume morto, a Cantareira vai entrar em colapso e demorar de dez a 15 anos para se recuperar”. [1] “Se voltar a chover a média, o Sistema Cantareira, principal fonte de abastecimento da região metropolitana de São Paulo, levará cinco anos para atingir 70% de sua capacidade de armazenamento de água, nível considerado bom”. [2] “Cantareira pode secar em julho com chuvas abaixo da média” [3]

O frenesi com a situação chegou a índices inimagináveis e conspiratórios: alguns começavam a estudar a migração de parte da população paulista para outros locais, devido à escassez de água, proeza dos nossos amigos do Pragmatismo Político [4]; outros diziam que era melhor morar perto de hospitais e escolas, pois a probabilidade de cortes no fornecimento de água era inferior nesses locais.

Pipocavam aqui e acolá páginas na internet com a contagem regressiva para a escassez plena de água. Um que era bastante interessante era o Faltou Água [5], um site colaborativo que mapeava onde falta água em São Paulo. Infelizmente, o portal colaborativo não está mais no ar… por que será?

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O dedo do governo paulista e da colaboração da sociedade

Verdade seja dita que, em um certo momento, mais precisamente em 02 de fevereiro de 2015, quando a Cantareira atingiu 5% da capacidade já contando os dois volumes mortos utilizados nos meses anteriores, a situação era mais do que preocupante.

Sistema-Cantareira-agua-sao-pauloCrise Hídrica: como lidar? Foto: Pragmatismo político

Contudo, essas projeções armagedônicas desconsideravam um fato importante: a capacidade da gestão pública dos recursos e esforço da sociedade entrarem em ação.

A reação do governo estadual foi extremamente lenta, não vamos esquecer. No começo da crise, ainda em 2014, quando os holofotes já começavam a escancarar as represas secas, Geraldo Alckmin só pensava na reeleição de outubro. A reeleição ficou em primeiro plano. Contudo, é importante ressaltar que, em nenhum momento, Alckmin negou a situação; disse que o momento era delicado e disse, para a lembrança de qualquer um que acompanhou de perto as eleições uma de suas frases mais famosas: “Não vai faltar água em SP”.

Ao mesmo tempo que reconhecemos o atraso na adoção de medidas para minimizar os efeitos da crise hídrica em 2014, quando elas iniciaram em 2015, foram extremamente efetivas [6]. Combinado com uma chuva acima da média em 2015 – 2016, medidas adotadas pelo Governo do Estado de São Paulo trouxeram um alívio considerável para a questão da água na metrópole paulista.

São algumas políticas que merecem destaque: (i) Redução da Pressão para economizar água; (ii) Redução do número de pessoas atendidas pelo Sistema Cantareira, passando de 9 milhões para pouco mais de 5; (iii) Interligação entre represas Billings e Alto Tietê, além do início antecipado da interligação da represa Atibainha/Jaguari; (iv) Bônus na conta de água para quem economiza e multas para quem gasta além da conta, política realizada pela SABESP e; (v) Programas estruturados para redução da perda por vazamento, atualmente em 36%. [7]

Claro que a chuva ajudou, mas, olhando dessa forma, o prêmio recebido por Geraldo Alckmin, em 22/09/2015, pela gestão na crise hídrica não foi tão injusto assim…

Mas afinal, como está o nível dos reservatórios hoje?

A seguir, a evolução histórica dos 6 principais reservatórios da cidade de São Paulo e de sua região metropolitana desde 2003 até o dia 28/02/2016.

imag2imag3imag4Fonte: Sabesp, dados extraídos de http://mananciais.tk/ . Gráficos: Elaboração própria

Notem que fevereiro de 2015 foi, de fato, o mês de menor índice histórico de 4 dos 6 reservatórios analisados. Contudo, já no início de 2016, os reservatórios já estão no seu nível médio, exceção apenas do Alto Tietê, que ainda está um pouco abaixo do observado nos últimos anos, mas vem se recuperando com as últimas chuvas na região.

Além disso, outro comportamento observado nos gráficos é o padrão de cheias e secas nos reservatórios. Vejam que, se 2005 a 2010 foi um período de chuvas intensas e reservatórios em sua capacidade máxima, os anos seguintes, 2011 – 2015 foi um período de secas prolongadas e reservatórios vazios. Quem sabe 2016 não é o inicio de um novo período favorável de chuvas? O ciclo da natureza, ao menos no médio ou longo-prazo é bastante imprevisível…

O que tiramos disso tudo? A idade da pedra não acabou por falta de pedra, tampouco a era do petróleo acabará por falta de combustível fóssil. O caso da água não é diferente: os seres humanos são inovadores, tem a capacidade de modificar um comportamento regular ou iniciar processos que solucionam algum problema identificado. Apostar contra a capacidade de transformar e inovar é, no mínimo, uma afronta a inteligência humana.

arthur-assin     Notas [1] Sem racionamento de água, Cantareira pode levar até 15 anos para se recuperar. Mais detalhes em:  goo.gl/0m6FxH [2] Se voltar a chover a média, Cantareira levará 5 anos para se recuperar. Ver: goo.gl/PpwDF5 [3] Dá-lhe sensacionalismo: goo.gl/ZvnnxT [4] Quem não acredita basta ver este artigo: goo.gl/QRkjWc [5] Para ler um pouco mais sobre o Faltou Água, ver essa reportagem: goo.gl/Cdelt8 [6] Embora as políticas voltadas para a atenuação da crise hídrica tenham obtido sucesso, o Governo Alckmin ainda patina politicamente em outras questões como: reorganização escolar, (falta de) diálogo com professores, violência policial, entre outros. [7] Quem tiver interesse, ver o Programa de Redução de Perdas na Região Metropolitana de São Paulo, disponível para visualização neste link: goo.gl/ph3Ekg

 

Arthur Solow

Economista nato da Escola de Economia de São Paulo da FGV. Parente distante - diz ele - do prêmio Nobel de Economia Robert Solow, que, segundo rumores, utilizava um nome artístico haja vista a complexidade do sobrenome. Pós graduado na FGV em Business Analytics e Big Data, pois, afinal, a verdade encontra-se nos dados. Fez de tudo um pouco: foi analista de crédito e carteiras para FIDCs; depois trabalhou com planejamento estratégico e análise de dados; em seguida uma experiência em assessoria política na ALESP e atualmente é especialista em Educação Financeira em uma fintech. E no meio do caminho ainda arrumou tempo para fundar o Terraço Econômico em 2014 =)

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