Uma ponte para o futuro: analisando os seus pilares

O programa do PMDB intitulado Uma Ponte Para O Futuro foi lançado no final de outubro de 2015 e esperamos que seja o norte dos programas de um eventual governo Temer. Com muito mais coragem do que os programas de outros partidos que se dizem liberais, “Uma Ponte Para O Futuro” aborda o que se tem de mais consensual dos estudos econômicos sérios, com buscas à eficiência estatal, liberdade, crescimento econômico e enriquecimento da nação.

Assim, para que todos fiquem minimamente informados do que pode vir pela frente (caso o governo seja forte e aprove os planos deste documento), vamos elencar e traçar comentários breves de cada pilar dessa ponte que pode levar ao Brasil para um novo ciclo virtuoso e sustentável.

Os principais pontos do Plano:

a) construir uma trajetória de equilíbrio fiscal duradouro, com superávit operacional e a redução progressiva do endividamento público;

Acredito que este pilar da ponte é o mais urgente e tem sido tratado como tal pela ampla maioria dos economistas sérios. Os recentes déficits primários levam a uma trajetória insustentável da dívida bruta, que é muito alta considerada a capacidade pagadora do país, a poupança, a sua riqueza, e a sua taxa de juros. A questão do rombo previdenciário e sua trajetória igualmente insustentável será o maior desafio, dado o risco político envolvido. Dentro da reforma fiscal, é o pilar mais importante, que dará a base para o equilíbrio das contas públicas. Qualquer deslize nesta questão pode derrubar esta ponte logo de início.

b) estabelecer um limite para as despesas de custeio inferior ao crescimento do PIB, através de lei, após serem eliminadas as vinculações e as indexações que engessam o orçamento;

Estratégia inteligente, limitando o crescimento da despesa de custeio à evolução do PIB e não deixando a despesa ter uma dinâmica própria. A arrecadação governamental é tão dependente do ciclo econômico (seja ele recessivo ou expansivo), por que a despesa não o seria?

c) alcançar, em no máximo 3 anos, a estabilidade da relação Dívida/PIB e uma taxa de inflação no centro da meta de 4,5%, que juntos propiciarão juros básicos reais em linha com uma média internacional de países relevantes – desenvolvidos e emergentes – e taxa de câmbio real que reflita nossas condições relativas de competitividade;

O mais importante é a trajetória da dívida e da inflação. Obviamente quanto mais rápido essas duas variáveis atingirem um patamar civilizado, melhor. Mas a mensagem da mudança de tendência já é poderosa e tira a pressão sobre a divisa brasileira e também da sua taxa de juros, dada a redução do Risco País.

d) executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio de transferências de ativos que se fizerem necessárias, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura, parcerias para complementar a oferta de serviços públicos e retorno ao regime anterior de concessões na área de petróleo, dando-se à Petrobras o direito de preferência;

O Estado está falido. Mas é um Estado que tem propriedades.

Infelizmente ele reluta em vender sua casa de campo, suas propriedades desnecessárias à sua gestão. Além disso, o país ainda vergonhosamente teme a palavra “privatização”. O plano “Uma Ponte Para O Futuro” é um documento advindo de um partido com a coragem política de tocar no assunto, muito embora sabemos que se trata do partido mais pragmático do país, e que é altamente moldável ao sabor do momento. O Estado não precisa direcionar seus recursos para áreas onde a iniciativa privada se mostra mais eficaz, como o caso da infraestrutura. É só verificar o caso das estradas gerenciadas pelo setor público em relação ao setor privado, ou então os ganhos com as privatizações do setor de telecomunicações.

Uma menor preocupação com gastos nessas áreas abre espaço para o governo cuidar de coisas que são, naturalmente, de sua alçada: educação básica, saúde e segurança pública, além das agências reguladoras.

e) realizar a inserção plena da economia brasileira no comércio internacional, com maior abertura comercial e busca de acordos regionais de comércio em todas as áreas econômicas relevantes – Estados Unidos, União Europeia e Ásia – com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles. Apoio real para que o nosso setor produtivo integre-se às cadeias globais de valor, auxiliando no aumento da produtividade e alinhando nossas normas aos novos padrões normativos que estão se formando no comércio internacional;

Este pilar soa como música aos ouvidos. Depois de tanto tempo fechado e olhando seu próprio umbigo, o Brasil pode ter mais uma vez a chance de adentrar as cadeias produtivas do mundo. As economias mais ricas detêm grande participação da chamada corrente de comércio (exportações somadas às importações) em seu PIB. O Brasil apresenta desempenho contrário, é muito fechado. Além de não incentivarmos as exportações, abomina-se as importações, num ato quase que mercantilista, minando a produtividade e o acesso às novas tecnologias.

O Mercosul tem tem atrapalhado com isso, quando muito tem pouco colaborado, como é o caso do impasse da Argentina (antes de Macri) em fazer um acordo do bloco com a União Europeia.

Os Tigres Asiáticos optaram pela abertura comercial lá em meados da década de 80, ao passo que o Brasil escolheu o modelo de substituição de importação. É só olhar a diferença da renda per capita hoje entre esses países e ver quem se deu bem.

f) promover legislação para garantir o melhor nível possível de governança corporativa às empresas estatais e às agências reguladoras, com regras estritas para o recrutamento de seus dirigentes e para a sua responsabilização perante à sociedade e às instituições;

As agências estatais foram o motor gerador de riqueza para o chamado capitalismo de quadrilha que parasitava no país. Uma melhor seleção dos membros destas e uma fiscalização adequada deve pelo menos dificultar esses eventos e aumentar a responsabilidade daqueles que cometerem algum crime contra a nação. O próprio PMDB começaria a ser mais bem vigiado nos diversos cargos que ocupa e que ocupará, benefício este que não preciso nem justificar.

É preciso, sobretudo, reconquistar a confiança nas estatais do país.

g) reformar amplamente o processo de elaboração e execução do orçamento público, tornando o gasto mais transparente, responsável e eficiente;

Já estávamos trilhando esse caminho, a passos lentos. Mas uma intensificação na transparência nunca é demais e novamente inibe o surgimento de parasitas do Estado.

h) estabelecer uma agenda de transparência e de avaliação de políticas públicas, que permita a identificação dos beneficiários, e a análise dos impactos dos programas. O Brasil gasta muito com políticas públicas com resultados piores do que a maioria dos países relevantes;

O gasto do Estado (em proporção do PIB) com algumas áreas é similar ao de países nórdicos, com elevado bem-estar social. Mas o retorno claramente não é o mesmo para a sociedade. O caso exemplar é a saúde. Gasta-se muito nessa área, mas ainda se vê pessoas diariamente definhando nos poucos leitos dos hospitais públicos. A ideia que fica é que se gasta muito mas gasta-se mal. É preciso reavaliar tecnicamente o direcionamento dos recursos.

i) na área trabalhista, permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos;

Este pilar defende que o acordo entre o patrão e o trabalhador, ou grupo de trabalhadores, se sobressaia ao que o sindicato ou as leis trabalhistas estabelecem. Por exemplo, por que uma pessoa deve trabalhar 8 horas diretas e ter uma hora de almoço? E se ela deseja trabalhar 4 horas, fazer outra coisa e após duas horas ir completar o restante de suas 4 horas? Se o seu chefe estiver de acordo com isto, por que não efetuar?

j) na área tributária, realizar um vasto esforço de simplificação, reduzindo o número de impostos e unificando a legislação do ICMS, com a transferência da cobrança para o Estado de destino; desoneração das exportações e dos investimentos; reduzir as exceções para que grupos parecidos paguem impostos parecidos;

A complexidade do sistema tributário brasileiro, com suas diversas interpretações e benefícios restritos, implica em enormes gastos com contabilidade pelas empresas e um elevado tempo necessário para o pagamento de impostos. A própria carga tributária não parece justa, por ser muito ligada ao consumo, tributando mais a classe baixa do que a alta renda. Não à toa, o ambiente burocrático é hostil às novas iniciativas, levando o Brasil a permanecer nas piores posições internacionais nos rankings de facilidade de fazer negócio, o conhecido Doing Business [1]

k) promover a racionalização dos procedimentos burocráticos e assegurar ampla segurança jurídica para a criação de empresas e para a realização de investimentos, com ênfase nos licenciamentos ambientais que podem ser efetivos sem ser necessariamente complexos e demorados;

Assim como a dificuldade de entender o sistema tributário, a alta burocracia também inibe o investimento e a competividade, com a grande demora que se dá para abrir ou fechar uma empresa, ou para exportar ou importar algo. A melhora destes dois pilares deve ajudar na redução do Custo Brasil.

l) dar alta prioridade à pesquisa e o desenvolvimento tecnológico que são a base da inovação.

Aumento no incentivo e nos gastos com Pesquisa e Desenvolvimento (o chamado P&D) é que dará a chance de o país ter empresas nacionais competitivas internacionalmente, além de estimular a formação de profissionais de ramos não burocráticos (hoje formam-se mais advogados e contadores que engenheiros), aumentando a produtividade do país. Deve-se ter em mente que este pilar não será alcançado num país de economia tão fechada, pois inicialmente o aumento do P&D deve ser liderado pelas empresas multinacionais, que estarão pensando na concorrência dos mercados internacionais.

Em suma, a agenda de país que o programa “Uma Ponte Para O Futuro” traz é de melhor eficiência da despesa pública, um ambiente mais convidativo para os negócios, sejam eles nacionais ou internacionais e um aumento da escala comercial brasileira, abrindo espaço para o maior desenvolvimento tecnológico dos nossos produtos. O saldo líquido desta agenda, daqui alguns anos, será de uma nação mais rica e democraticamente mais madura.

Arthur Editor do Terraço Econômico

[1] http://data.worldbank.org/data-catalog/doing-business-database

Arthur Lula Mota

Mestre em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP/ESALQ) e Bacharel em Economia pela Universidade Federal de São Paulo. Já trabalhou no mercado financeiro, auxiliando mesa de operações de fundos institucionais e departamento econômico com análises macroeconômicas.

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