Messianismo inflacionista e dissonância cognitiva

Os Seekers tinham certeza que o mundo acabaria no dia 21 de dezembro de 1954. A profecia tinha sido revelada a Dorothy Martin (1900-1992), uma dona de casa do subúrbio de Chicago, que recebia as mensagens e sinais diretamente de um planeta chamado Clarion. Os membros dos Seekers conseguiram formar um sistema sofisticado de crenças. Detalhes de como seria o apocalipse, as razões para seu acontecimento e como escapar do desastre quando o dia chegasse. Esperavam que uma grande astronave viesse à Terra para o resgate dos membros do grupo. Neste dia, deveriam remover todas as peças metálicas do corpo, como zíperes e botões, e esperar para que enfim fossem salvos.

Passado o dia final, nada do que acreditavam aconteceu. Diante de um grupo atônito de crentes, sua líder logo informou que acabara de receber uma nova mensagem vindo do planeta Clarion explicando que, devido à fé inabalável do grupo, decidiu-se que todos seriam salvos e que por isso o mundo inteiro fora poupado de seu fim trágico. A refutação da profecia, ao invés de gerar a descrença e a reanálise pelo grupo, tornou-o mais forte e coeso.

O caso dos Seekers foi usado como material de estudo pelo psicólogo Leon Festinger (1919-1989) e seus colegas para explicar o fenômeno da dissonância cognitiva. Para que grupos e indivíduos não percam sua coerência interna, quando uma forte crença é confrontada com evidências contraditórias e provada errada, ao invés de ser reformulada, ela se torna mais forte. Sua conclusão é que refutação não gera o abandono e a revisão das crenças, mas sim sua reestruturação e consolidação.

Os Seekers eram, até certo ponto, inofensivos. O problema ocorre quando grupos políticos e religiosos messiânicos se apropriam do aparato estatal para impor uma visão de mundo irrefutável. Pensei nos Seekers e nas explicações do Dr. Leon quando vi o novo produto que acaba de ser lançado no mercado de ideias brasileiro. Se chama Manifesto Brasil Nação e promete tornar o Brasil great again, ou, em suas palavras, “ajudar a refundar o Brasil” e “unir os brasileiros em torno da ideia de nação e desenvolvimento”.

O Manifesto será vendido e distribuído com mais força na arena política de 2018, mas já foi lançado no 55º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), devidamente subscrito por intelectuais e figuras públicas[1]. Parece novo, mas não passa da compilação de algumas ideias antigas embrulhadas com uma cara nova. Um documento que mistura a descrição de uma realidade apocalíptica com a promessa de um futuro grandioso.

Seus cinco pontos fundamentais são paráfrases de tudo que já foi testado em nosso solo em matéria de política econômica. Só não chamaram de Nova Matriz Econômica porque este nome é muito 2010 ou talvez porque seu principal implementador, Guido Mantega, esteja enfrentando problemas para explicar por que, nos seus investimentos privados, acreditou na matriz econômica muito velha da Suíça ao depositar US$ 600 mil num banco de lá.

Agora que seu dono celebrou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal, a JBS parou de imprimir o nome da marca na etiqueta de seus produtos. Compreensível. Depois de anos construindo a marca Friboi, sua carne agora vem com o gosto da boca fechada de Eduardo Cunha. Mas o que fazer com uma ideia política quando é refutada e perde seu apelo inicial? Não é possível simplesmente encontrar uma embalagem nova, como foi feito no caso da JBS.

Durante algum tempo, a nova matriz tinha ficado órfã e não encontrava palanque quando a própria Dilma Rousseff constatara seu fracasso. Mas estava incubada, esperando alguém para adotá-la e colocar-lhe uma roupa nova. Querem baixar os juros sem explicar como isso não geraria mais inflação; querem aumentar os impostos para “mais ricos” sem entender a complexidade de nosso sistema tributário; querem controlar os gastos públicos, sem mexer nos altos salários e nas aposentadorias da elite do funcionalismo público. Querem, no fim, embalar com uma roupagem nova uma ideia velha e que não deu certo. Evitam falar em mudanças estruturais e com um alto custo político.  Não se engane, quem subscreve ao Manifesto só está tentando vender mais um pacote novo de ideias vencidas.

Guilherme Bandeira – Bacharel em direito pela FGV-SP, filosofia pela USP e mestre (LLM) pela Universidade de Nova Iorque. Notas: [1] http://bhaz.com.br/2017/06/16/manifesto-brasil-nacao/    

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