Crise econômica e empreendedorismo no Brasil

No início de 2016, foi divulgada a Pesquisa Global Entrepreneurship Monitor [1], a GEM, estudo realizado em vários países que tem como objetivo compreender o papel do empreendedorismo [2] no desenvolvimento econômico e social. A pesquisa apresenta dados válidos para o ano de 2015, e que mostram, de forma assertiva, como a crise econômica afeta o empreendedorismo.

A via do empreendedorismo é, sem sombra de dúvidas, um caminho interessante para o desenvolvimento econômico e a redução das desigualdades sociais. Contudo, como será mostrado a seguir, até mesmo as iniciativas das pessoas são impactadas por uma crise econômica, como essa que vivemos; aliás, a maior da recente história brasileira:

im1Crescimento do PIB desde 1900 no Brasil: a crise de 1929 é logo ali. Fonte: The Economist.

Taxa de Empreendedorismo

Na Pesquisa GEM são calculados alguns indicadores de empreendedorismo. A primeira delas, a taxa total de empreendedorismo (TTE), foi calculada em 39,3% em 2015. Ou seja, estima-se, portanto, que em 2015, 52 milhões de brasileiros com idade entre 18 e 64 anos estavam envolvidos na criação ou manutenção de algum negócio, na condição de empreendedores. Além disso, na pesquisa, ainda são calculados os índices de empreendedores iniciais (com menos de 36 meses de existência) e de empreendedores estabelecidos. [3].

Um ponto interessante é que, quando comparada à TTE de 2014 (34,4%), observa-se que essa taxa sofreu um aumento significativo, intensificando a trajetória de crescimento observada desde 2011.

Contudo, como também define o estudo, há duas motivações para empreender: por necessidade e por oportunidade. Trocando em miúdos, quando um indivíduo empreende por necessidade, o negócio tem como função complementar a renda familiar, é caracterizado por baixa inovação e o potencial de lucro nos anos iniciais é menor. Por outro lado, o empreendedor por oportunidade é aquele que vislumbra um potencial em um mercado, abre o negócio sem a obrigação de complementar sua renda e o grau de inovação do novo empreendimento é alto.

Pois bem, quando avaliada a proporção de empreendedores motivados por oportunidade em relação ao total de empreendedores iniciais, observou-se, em 2015, uma alteração em relação aos anos de 2012 a 2014. Enquanto nesses três anos a proporção manteve-se próxima dos 70%, em 2015 ocorreu uma significativa redução, chegando a 56,5%, conforme gráfico abaixo:

im2Empreendedorismo por Oportunidade x Necessidade. Fonte: GEM. Elaboração própria

 Motivações para empreender e desemprego

Um ponto interessante é a correlação [negativa] entre a taxa de empreendedorismo por oportunidade e a taxa de desemprego. Notem como a queda da taxa de desemprego nos anos de 2003 – 2014 foi acompanhada pelo aumento da parcela de empreendedores que iniciavam o seu negócio vislumbrando alguma oportunidade. Pensando bem, faz sentido que essas duas variáveis caminhem juntas, não é mesmo?

im3Quanto menos desempregados tínhamos, mais gente se arriscava por oportunidade. Fonte: GEM e IBGE. Elaboração Própria.

A explicação pode ser feita pensando na lógica da renda. Imagine uma família com 4 pessoas, das quais 3 estavam empregadas e 1 estava estudando. Este último indivíduo tem maior probabilidade de iniciar um negócio por oportunidade considerando o fato que a complementação da renda da família é pequena perante a soma dos salários/lucros dos outros membros. Este cenário provavelmente aconteceu de 2010 a 2014.

Contudo, com a onda de demissões provocadas pela recessão econômica iniciada em 2015, algum(ns) membro(s) da família pode ter perdido o emprego e, nesse caso, a necessidade de aumento da renda familiar é condição primordial para o bem-estar desses indivíduos. Note que, assim, a probabilidade de “se arriscar” ou “tentar criar um negócio inovador” pode ficar no papel e a família ser obrigada a buscar algo simples, sem muita inovação, com o objetivo de manter apenas seu padrão de vida. Este parece ser o caso de 2015.

im4Quem saberia dizer qual seria a foto que representa o empreendedorismo por necessidade e outro por oportunidade? Fotos: https://goo.gl/Jeuhfr e https://goo.gl/9dLB6T

Década perdida: qual a situação do empreendedorismo nacional?

As perspectivas para o ano de 2016 não são nada animadores. A indefinição política empurra a economia ladeira abaixo, e isso afeta diretamente os empreendedores e os pequenos negócios. A expectativa é de inflação na casa dos 7%, desemprego rondando os 12% e PIB caindo mais 3%, além dos 3,8% negativos do ano passado.

Segundo o Sebrae, 99% dos estabelecimentos são micro e pequenas empresas (MPEs). As MPEs respondem por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado, compõem 40% da massa salarial do país e correspondem a 27% do PIB. Desde o início de 2015, o faturamento das MPEs vem caindo mês a mês e isso desencoraja a abertura de novas empresas. [4]

O aumento do empreendedorismo por necessidade é um aspecto preocupante, ainda mais considerando o aumento significativo observado em 2015, depois de anos de queda. Obviamente, um ano de amostra é muito pouco para se tirar a conclusão que a qualidade dos novos negócios caiu, mas esse fato não poder ser negligenciado. Aliás, tudo indica que em 2016, podemos ter uma reversão da série, isto é, mais de 50% dos empreendedores iniciando por necessidade, fato que não era observado desde 2002. Vamos torcer para que esse prognóstico esteja equivocado.

Notas

[1] Todas as pesquisas GEM desde 2007 estão disponíveis neste link: http://goo.gl/PtPwG9

[2] No conceito adotado pelo GEM, o empreendedorismo consiste em qualquer tentativa de criação de um novo empreendimento, como, por exemplo, uma atividade autônoma, uma nova empresa ou a expansão de um empreendimento existente.

[3] Para mais detalhes da metodologia de mensuração, ver Capítulo “1 – PRINCIPAIS CONCEITOS E METODOLOGIA”.

[4] Para os números das MPEs no Brasil, ver http://goo.gl/Dfzidx. Sobre o faturamento das MPEs, confira este artigo que falamos sobre o péssimo ano que os pequenos negócios atravessaram em 2015 [e continua em 2016]: http://goo.gl/qQCYjd

Arthur Solow

Economista nato da Escola de Economia de São Paulo da FGV. Parente distante - diz ele - do prêmio Nobel de Economia Robert Solow, que, segundo rumores, utilizava um nome artístico haja vista a complexidade do sobrenome. Pós graduado na FGV em Business Analytics e Big Data, pois, afinal, a verdade encontra-se nos dados. Fez de tudo um pouco: foi analista de crédito e carteiras para FIDCs; depois trabalhou com planejamento estratégico e análise de dados; em seguida uma experiência em assessoria política na ALESP e atualmente é especialista em Educação Financeira em uma fintech. E no meio do caminho ainda arrumou tempo para fundar o Terraço Econômico em 2014 =)

2 Comentários

  1. Ser empreendedor no Brasil apesar da evoluçao é muito dificil, por conta da burocracia governamental,que entrava a tramitacao das empresas, pela demanda do tempo gasto para se regularizar e ou abrir novos empreendimentos.

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