Falta pouco tempo para irmos às urnas eleger aqueles que nos governarão pelos próximos quatro anos e isso não será uma decisão fácil. Este texto refere-se à eleição presidencial. Dedico-me aqui à tarefa hercúlea! Defender a candidatura de um homem amado e odiado: Luiz Inácio Lula da Silva. Candidatura esta, que devido ao casuísmo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), terá de ser sustentada por Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo.
Ao defender esta candidatura, por mais que tente fazê-lo de forma racional, serei identificado com os “mortadela”, como “lulo-petista” e “bolivariano” ou, por outro lado, como oponente dos “coxinhas” e combatente do avanço “fascistóide” que nos ameaça. Pouco importa. Prezo pelo bom combate de ideias!
A candidatura do PT é a opção mais arriscada do páreo. Lula é cavalo velho e vencedor! Impõem tanto medo aos adversários, que os leva a escancarar sua falta de apego às regras do jogo democrático. Mesmo com sua substituição por Haddad, que é desconhecido por grande parte dos brasileiros, o PT pode chegar a vitória por meio da força do Lulismo.
Estou ciente de que nova vitória petista pode elevar ainda mais a temperatura do conflito político! Isto não ocorreria porque os petistas são uns bolivarianos radicais – como não se cansam de afirmar os comentaristas hidrofóbicos da velha mídia, o que não tem qualquer respaldo na realidade dado a moderação que caracterizou os governos do PT – mas sim porque houve uma ruptura do pacto democrático pelas forças liberais conservadoras, que não aceitaram a derrota nas urnas em 2014. Logo, o centro político, que permite a cooperação entre adversários, se esfacelou depois daquele pleito. E ainda mais com o GOLPE DE 2016!
Há dois projetos em curso que são claramente antagônicos. Um mais à direita do espectro político, caracterizado por uma mescla temerosa de conservadorismo nos costumes e liberalismo radical no campo econômico, que visa limitar ao máximo o insuficiente, mas relevante aparato de bem-estar social que construímos a partir de 1988 (vide o formato da lei do teto de gastos aprovada pelo governo Temer), e desmontar os órgãos que capacitam o Estado brasileiro a conduzir estratégias de desenvolvimento mais autônomas, como a Petrobras e o BNDES.
O outro, mais à centro-esquerda, tem como horizonte continuar a expansão do Estado de bem-estar social capaz de reduzir a pobreza e, espero eu, atenuar as desigualdades abissais que caracterizam nossa sociedade. Entendo que a candidatura de Lula, que, é quase certo, será encarnada por Haddad, é a única com força suficiente para se contrapor a sanha golpista que se instalou no país desde 2014. A vitória do PT gerará um empate! Um empate que, no melhor do cenários, nos levará um rearranjo de forças que, ao meu ver, é o único modo de fazermos um novo pacto social. Nada disso será simples e tudo levará tempo!
Vejamos se consigo me fazer claro para arrebanhar alguns votantes para o curral dos “mortadela”. Vamos às peças do quebra-cabeça.
Peça 1 – Lula X Sistema Judiciário: uma sentença previamente anunciada
Por que deveríamos deixar que um “bandido, chefe do maior esquema de corrupção da história do Brasil, e atualmente presidiário” volte a se candidatar à Presidência? Mas você não acha que ele está onde merece, por ser o ladrão que é? Não mesmo! Quem acompanhou o caso do famigerado tríplex sabe bem que não há provas contra Lula. Até o outrora raivoso Reinaldo Azevedo, por anos líder do jornalismo grotesco da revista Veja, gritou aos quatro ventos que Lula foi condenado politicamente. O impoluto Sérgio Moro, que não disfarça seu pendor por um convescote empresarial, de preferência bem frequentado por políticos tucanos, usou a ideia de um “fato indeterminado” para estabelecer uma sentença estapafúrdia!
Aumentada pelos seus colegas do TRF-4, que correram para julgar o ex-presidente. A sentença foi condenada por juristas do mundo todo. E convenhamos, as arbitrariedades cometidas pela Lava-Jato neste e em muitos outros processos são gritantes! Para ficarmos apenas em um dos abusos referente ao caso de Lula: até o ramal telefônico do escritório de seus advogados foi grampeado! Há quem diga que é bom que a justiça de exceção se estenda aos ricos, pois ela sempre foi parte da vida dos pobres. Eu preferiria que a plenitude de direitos fosse expandida aos pobres do que vermos o Estado de exceção se instaurar para todos.
Dado o destacado até aqui, está claro que entendemos como legítima a estratégia do PT. Compreendemos assim não porque Lula é um “coitado”. Mas sim porque a perseguição a ele engendra algo muito mais grave: a tentativa de anular os únicos candidato e partido de esquerda eleitoralmente competitivos! Mas o que fazer tendo em vista que o TSE desrespeitou os prazos estipulados pela Lei, e mais uma vez acelerou um processo judicial referente a Lula, caçando a candidatura do mesmo? Não acredito que a cúpula petista, depois de tantas arbitrariedades cometidas pela justiça, seja tão ingênua ao ponto de ter esperanças de que o STF permita a candidatura de Lula.
Logo, teremos que apostar na força do Lulismo fenômeno sociológico legítimo que demonstra o reconhecimento por parte de uma parcela significativa do eleitorado dos avanços ensejados pelo governo Lula e que tem sido sinalizado, frequentemente, pelo ótimo desempenho do ex-presidente nas últimas pesquisas eleitorais. Não menos importante será explorar as qualidades particulares daqueles candidatos que buscam dar continuidade a este fenômeno sociológico, Fernando Haddad e Manuela D’ávila, sua vice.
Peça 2 – A resiliência do Lulismo não é mero acaso
No dia 22 de Agosto de 2018, o DataFolha anunciou que Lula, o “presidiário”, tem 39% das intenções de voto! “Isto só confirma que o povo é burro mesmo”, diriam os mais sábios. Não acredito nessa balela de que o povo foi comprado pelo Lulo-petismo. Isso pressupõe que o Lula seja um líder populista com poderes quase mágicos, para enganar uma massa de idiotas. Nada mais tosco para quem conhece um pouco de política!
O governo Lula promoveu um conjunto de políticas públicas que impactou diretamente a vida dos mais pobres e satisfez também os anseios de parcelas da sociedade que, embora menos dependentes do sistema de proteção social, acreditam que uma democracia sólida e desenvolvida no plano econômico não pode se consolidar em meio a miséria e a desigualdade extremas! As realizações do torneiro mecânico não foram banais para um país que tem índices de pobreza e desigualdade que chegam a equiparar-se com aqueles encontrados nos países mais pobres da América Latina, da África e da Ásia. Estariam os mais pobres equivocados em votar em um líder político que lhes permitiu um status de cidadania que outros nunca lhe concederam? Creio que não!
O governo Lula foi um governo democrático – lembremos aqui apenas das conferências nacionais e estaduais de políticas públicas – e bastante preocupado com os mais pobres. O Luz para Todos, o Programa de cisternas no Nordeste, o Minha Casa Minha Vida, a valorização do Salário Mínimo (saltou de 76 dólares em 2002 para 320 dólares em 2010), o Bolsa Família, o crédito consignado, o Fies etc. todos esses programas mexeram, mesmo que um pouco, nas estruturas profundas da sociedade brasileira. Os avanços foram importantes, mas certamente limitados. Principalmente por causa da opção de Lula, ao meu ver equivocada, em fugir dos grandes conflitos que poderiam advir de propostas reformistas mais fortes. Logo, enquanto o cenário econômico internacional foi favorável, Lula conduziu um jogo de ganha-ganha, onde os muito ricos e mais pobres ganharam mais. Dilma não contou com a mesma fortuna (sorte) e nem teve muita virtú (habilidade política).
Os limites dos avanços dos governos petistas ficam evidentes também quando percebemos que eles foram desmontados rapidamente a partir de 2015. Entretanto, entendo que o governo Lula nos deixou um horizonte, apontou-nos um caminho e é por isso que mesmo preso continua sendo o favorito da maioria do povo. Este caminho é o investimento no mercado interno, na ascensão social dos mais pobres e na busca de uma política externa soberana que aproveite as oportunidades que surgem da intensa competição entre a China e os Estados Unidos e das relações amistosas entre os países do sul global.
Por fim, perguntariam os mais céticos: mas apenas o Lula pode nos conduzir por um caminho mais próspero?
Peça 3: O Brasil e a esquerda para além do Lula
Certamente o Lula não tem a chave prosperidade do país e a esquerda brasileira não pode e nem se encerrará com ele. Contudo, Lula é o símbolo maior deste campo político, pois logrou reunir uma ampla base social, cerca de 40% do eleitorado brasileiro, em torno de um projeto que entende o papel do Estado como um elemento central para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.
Dado o momento caótico em que vivemos, onde o campo adversário partiu para um vale-tudo que ameaça pilares fundamentais de qualquer projeto civilizacional, não apenas as políticas que caracterizam o Estado de bem-estar social, mas também as premissas básicas dos direitos humanos, aqueles que têm como ideal uma sociedade minimamente igualitária e que, portanto, se identificam com o ideário das esquerdas, não podem abrir mão do trunfo simbólico representado pela candidatura de Lula ou por sua “reencarnação” na dupla de jovens políticos, Fernando Haddad e Manuela D’ávila. Não estamos com isso dizendo que Lula deve ser santificado. Isto é outra balela reproduzida pela intransigência conservadora.
A história demonstra que os grandes avanços vividos pelas sociedades modernas foram impulsionados por grandes líderes. Logo, não estamos aqui defendendo um “monoteísmo político”, o “Deus Lula”, mas sim o projeto de país que ele liderou durante décadas e que gerou alguns bons frutos na década passada.
Haddad demonstrou no Ministério da Educação e na prefeitura de São Paulo que seu capital intelectual, sua postura democrática e seu “humanismo cosmopolita” podem ajudar arejar o conservadorismo que caracteriza no Brasil as políticas de combate às drogas, lembremos aqui do programa de Braços Abertos que buscou resgatar a dignidade das pessoas viciadas em crack em São Paulo; de Educação, com a expansão do número de vagas no ensino superior; e de urbanismo, destaquemos luta que Haddad enfrentou para implementar o plano diretor na capital paulista em oposição aos interesses dos grandes especuladores imobiliários.
Manuela D’ávila, por sua vez, já foi vereadora de Porto Alegre, deputada federal e deputada estadual pelo Rio Grande do Sul. Atuando, sobretudo, em temáticas que dizem respeito às minorias, mulheres, negros e população LGBT, e em prol das políticas de juventude, Manu terá a oportunidade de colocar no centro do debate nacional as demandas de grupos historicamente discriminados e poderá fortalecer o crescente movimento feminista, que é, talvez, o principal avanço civilizatório que vivenciamos nos últimos anos, tão marcados por retrocessos.
Entendo que somente a vitória do PT poderá bloquear, ao menos parcialmente, a agenda reacionária que ameaça agravar as condições precárias em que vive grande parte de nosso povo. Se esta vitória, na pior das hipóteses, der ensejo a um novo golpe, isto desvelará, mais uma vez, o caráter antipopular e antidemocrático que caracteriza o projeto e o comportamento político de setores da direita brasileira.
Francisco Duarte Doutor em Política Social pela UFF. Foi professor visitante de Políticas Públicas no Instituto de Economia da UFRJ e atualmente é pós-doutorando do INCT-PPED junto ao Departamento de Ciência Política da UFF.