A teoria econômica do Silvio Santos

Vamos começar com uma abstração. Imagine um ponto na história nacional, em que três fatos bastante interessantes se interceptam, sendo eles: a Copa do Mundo, a aprovação na Câmara de 10% do PIB para a educação e a crise da USP. Você, caro leitor, deve estar pensando qual a relação da Copa, os 10% do PIB para educação e a USP. A conexão é meio óbvia entre os dois últimos pontos, nem tanto com o primeiro. Mas calma, tudo vai fazer sentido até o final, eu prometo.

A Copa do Mundo custou no total algo em torno de R$ 26 bilhões , segundo diversas estimativas da imprensa e do portal transparência pública [1]. E mesmo sendo uma das copas mais caras do mundo, de acordo com estudo da KPMG, reportagens de projetos não concluídos e de estádios entregues a poucos dias antes da abertura foram muitas vezes o destaque nos noticiários. Faltou dinheiro? Não, os componentes faltantes nessa equação foram eficiência e planejamento que, por consequência, gerariam um andamento satisfatório das obras.

A USP precisa de no mínimo R$ 1 bilhão de adicional de caixa anual , segundo estimativas feitas pelo Terraço (veja aqui). A educação receberá 10% do PIB anualmente (hoje na casa dos 5,5%). Em termos nominais, isso representa uma elevação de R$ 280 bilhões para R$ 500 bilhões. De onde surgirão esses R$ 220 bilhões? Ou seja, todos os três pontos custaram ou precisam de valores substanciais. O problema da USP e de qualquer outra instituição pública de ensino é a falta de eficiência. Assim como nas obras da Copa, caso um modelo de gerência mais inteligente fosse adotado, desperdícios poderiam ser evitados, reduzindo consideravelmente os custos. Basta comparar uma obra similar realizada pela iniciativa privada e outra pelo governo (em qualquer esfera, federal, estadual e municipal), e a diferença é evidente. O privado custa menos.

Segundos dados da ONG Todos pela Educação, retirados no do anuário brasileiro da educação básica, o Brasil gasta em média US$3.000,00 anualmente por aluno desde a educação básica até o ensino superior, apenas 33% da média dos países desenvolvidos. Ou seja, o Brasil precisaria triplicar esse investimento por aluno para se equiparar. Caso fizéssemos isso hoje, duvido que triplicaríamos os resultados: provavelmente sequer chegaríamos a dobrar a qualidade. Outro exemplo clássico de ineficiência pública é a demora para se licitar e se iniciar uma obra, vencer as licenças ambientais, fora execução da obra, quase sempre marcada por atrasos, adiamentos do orçamento e corrupção.

Não basta descarregar dinheiro nos serviços públicos para eles magicamente se tornarem os melhores do mundo. Um governo que possui em sua estrutura 19 mil cargos de confiança, no qual não existe o menor pensamento de longo prazo, em que os gastos sempre visam a resultados num horizonte máximo de quatro anos. Sem planejamento no investimento, não existe resultado satisfatório e a desculpa é sempre a mesma: “faltou grana”. Isso acaba criando um terrível ciclo vicioso, em que se coloca mais dinheiro em um modelo falido.

Princípios básicos da educação financeira se aplicam ao investimento público, não basta ter dinheiro é preciso saber gastar.

[caption id="attachment_836" align="aligncenter" width="676"]Quem quer dinheiro? Fonte: SBT Quem quer dinheiro? Fonte: SBT[/caption]

Afinal de contas se isso fosse verdade bastava colocar o Silvio Santos jogando aviõezinhos de bilhões de reais nas repartições públicas, escolas e hospitais que a mágica da eficiência iria acontecer, e poderia se jogar fora toda a teoria econômica.

Notas:

[1] http://www1.folha.uol.com.br/infograficos/2014/05/82605-o-mundial-e-as-despesas-do-governo.shtml

Victor Candido de Oliveira

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Victor Candido

Mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB). Economista pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Foi economista-chefe de uma das maiores corretoras de valores do país, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento e atualmente é sócio e economista de uma gestora de fundos de investimento. Foi pesquisador do CPDOC (O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da FGV-RJ. Ajudou a fundar o Terraço Econômico em 2014.

2 Comentários

  1. Uma ressalva às cifras apresentadas: “A educação receberá 10% do PIB anualmente (hoje na casa dos 5,5%). Em termos nominais, isso representa uma elevação de R$ 90 bilhões para R$ 165 bilhões.”
    Os gastos atualmente correspondem de fato a aproximadamente 5,5% do PIB (em 2000 era apenas 3,5%), mas em termos nominais isto equivaleria a R$ 280 bi. Um dos índices mais altos do mundo que, em comparação aos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), deixa o Brasil no quesito à frente de Reino Unido, Suíça, Canadá e Alemanha, por exemplo.
    Investir um décimo de toda a riqueza produzida no país, aliás, é algo que nem o primeiro lugar do ranking da OCDE, a Islândia, o faz: por lá são investidos 7,8% do PIB em educação hoje. Na verdade, apenas Lesoto, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e Cuba destinam pelo menos 10% do PIB para educação, sendo os três primeiros países pequenos o bastante para distorcer as estatísticas, ou com peculiaridades comunistas, como é o caso do último.
    Em termos nominais, por fim, isso significa que teríamos um gasto em 2014 da ordem de R$ 500 bilhões de R$ 585 bilhões. Esse número é ainda mais representativo quando se observa que ele equivaleria a não menos que 34% das despesas totais do governo federal, que em 2013 foram de R$ 1,47 trilhões.
    Apesar disso, nosso gasto por aluno de fato é baixo em comparação ao de outras nações mais desenvolvidas, mas não o é à toa: temos mais gente para educar que a maior parte deles e um PIB per capita muito menor do que todos para dividir. O que você sugeriria? Aumentar os impostos para gastar mais por aluno?
    De acordo com números desta reportagem de 2013 (http://goo.gl/FxofYm), para ajudar a pagar esta conta serão destinados 75% dos royalties do petróleo do pré-sal, o que deve render à educação algo em torno de R$ 134,9 bilhões em 2022. Só que esses recursos serão insuficientes para o país investir 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na área – valor necessário para cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE). Para chegar ao montante, o governo precisaria aplicar os lucros dos royalties, manter o crescimento atual do gasto no setor e injetar mais R$ 165 bilhões.
    Assim, parece que o planejamento de fato está sendo feito para dar conta desse grande investimento, inclusive com a preocupação de se estabelecer metas para a aplicação das novas reservas, fases de implementação, e objetivos que norteiam todo o Plano. Portanto, por mais que ele pareça ser difícil de ser levado à cabo, é admirável que no governo haja vontade e ousadia para colocar tal plano em prática tendo em vista os resultados que ele deve gerar em termos de desenvolvimento e crescimento econômico.
    Planejamento, aliás, que me faz refletir sobre sua colocação: “…não existe o menor pensamento de longo prazo, em que os gastos sempre visam a resultados num horizonte máximo de quatro anos.” Apesar da óbvia virtude de se ter maior eficiência e planejamento no setor público, não dá pra generalizar o governo dessa forma: existem muitas iniciativas louváveis dentro do governo federal, do qual o PNE é só um dos exemplos. Enfim, me pareceu sobrar lugares comum e faltar argumentos mais robustos para defender a tal “Teoria Econômica do Silvio Santos”.

    1. Laurent, obrigado pela correção. Eu peguei os dados do PIB nominal para o texto do Victor Candido e puxei a serie errada do site do BC (a do PIB nominal acumulado do ano e não a do PIB de 12 meses). De fato, o PIB em 12 meses a valores correntes é de cerca de R$ 5 tri. 10% desse total chega nos seus R$ 500 bi.
      Mais uma vez, obrigado pela participação e pela correção!
      Abs,
      Victor Wong

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