As leis fundamentais da estupidez humana

Esquerda, direita, centro, liberal, conservador. São tantas definições, tantos espectros para tentar definir e enquadrar o viés ideológico dos agentes, em especial quando queremos definir nossos opositores e encontrar um nexo causal para eventos ocorridos, crises econômicas, debates, ideias e rebater propostas. É evidente que tal arcabouço faz sentido para essas situações, mas é interessante notar como no Brasil essa rotulação é muito mais latente e até mesmo empobrecedora da capacidade de argumentação crítica. Contudo, caro leitor, existe vida lá fora, existem outras formas de se analisar os efeitos e comportamentos dos agentes, e no meio desse grande nevoeiro que é o debate em nosso país, apresento-lhes um de nossos maiores vilões: o estúpido.

Entretanto, antes de lançarmos luz sobre nosso principal ator, é importante apresentarmos o seu estudioso e pai da teoria da estupidez humana, o italiano Carlo Cipolla (1922 – 2000). Historiador econômico e medievalista, dedicou anos de sua pesquisa para encontrar padrões nas sociedades, tipos sociais comuns e os danos causados ao coletivo por esta figura. Interessante também é notar que sua principal obra, The Basic Laws of Human Stupidity,[1] não fora traduzida para nossa língua e continua completamente desconhecida por aqui. Seu ensaio é bem-humorado, sarcástico, irônico, casuístico e crítico, tentando simplificar e sistematizar, de um ponto de vista utilitarista, a estupidez humana.

Cipolla era um observador nato, historiador capaz de analisar os pequenos comportamentos e peculiaridades da vida cotidiana. Foi em um belo dia de sua vida de professor universitário que percebeu que independente do círculo social que estivesse inserido – fosse este o da comunidade acadêmica, dos economistas, jovens, pobres, ricos, estrangeiros -, encontraria o que ele julgava como o indivíduo mais perigoso que existe. Em suas palavras:

“Esse grupo é muito mais poderoso do que a Máfia, o complexo militar-industrial ou a internacional comunista; se trata de um grupo desprovido de estatuto, sem estrutura nem constituição, sem chefe nem presidente, que consegue, no entanto, funcionar de maneira perfeitamente coordenada, de tal maneira que a atividade de cada membro contribui para ampliar e tornar mais forte e mais eficaz a de todos os outros.” (p. 13-14).

Eureka! Então por que não tentar estimar o número de estúpidos dentro de uma sociedade? Tal métrica poderia ser essencial para tentar controlá-los ou ao menos promover ações que mitiguem seus efeitos perversos, certo? Ledo engano. Cipolla rapidamente constatou que mesmo que lançasse mão dos mais modernos métodos analíticos, estatísticas e modelos, não obteria sucesso. Os resultados encontrados eram consistentemente subestimados em relação a realidade, se tornando uma grandeza impossível de ser calculada, de existência apenas no campo teórico e tornando-se uma constante definida pela letra grega α.

[caption id="attachment_10548" align="aligncenter" width="480"] O distinto Sr. Carlo Maria Cipolla[/caption]

O italiano então define a sua primeira regra, derivada da sua primeira constatação:

Sempre e inevitavelmente, todos subestimam o número de indivíduos estúpidos em circulação.

Essa lei parece muito vaga e simplista, mas o fato é que pessoas que julgávamos racionais e inteligentes se revelam espantosamente estúpidas. Frequentemente somos surpreendidos por pessoas estúpidas. Logo em seguida, Cipolla invoca a sua segunda lei:

A probabilidade de que uma pessoa seja estúpida não depende de suas outras qualidades.

Anos de observação confirmaram que as pessoas não são iguais: umas são estúpidas e outras não. Segundo o autor, é uma característica originada pela natureza e não por fatores culturais, estes que seriam claramente influenciados por leis determinísticas. Ser uma pessoa estúpida é um fator que se tem ou não se tem, como o tipo sanguíneo, a cor da pele ou do cabelo.

O grau de escolaridade não tem nada a ver com encontrar mais ou menos estúpidos em um círculo social determinado. Isso foi confirmado por meio de muitos experimentos realizados em universidades com cinco grupos de pessoas: estudantes, funcionários de escritório, funcionários de serviços em geral, executivos e professores. Ao analisar o grupo de trabalhadores com baixo grau de escolaridade, o número de estúpidos observado foi maior do que eu pensava (primeira lei); em seguida, ele classificou as pessoas de acordo com as condições sociais: pobreza, segregação, educação. Ao analisar níveis mais altos, verificou que a mesma proporção de pessoas inteligentes e estúpidas era encontrada em executivos e estudantes. Resultado: a mesma quantidade de estúpidos cujo número (como vemos na primeira lei) sempre vai superar as expectativas.

Eis então que Cipolla faz uma parada técnica para definir de forma categórica e gráfica uma de suas maiores contribuições, seu famoso diagrama que define suas descobertas, distribuindo os seres humanos em quatro grandes categorias entre o eixo vertical e horizontal. Basicamente, afora os estúpidos, temos outras três categorias:

  1. Os inteligentes, seres que agem em benefício próprio e geram resultados positivos também para sociedade.
  2. Ingênuos, que tendem a beneficiar os próximos e causar malefícios a si próprios.
  3. Bandidos são aqueles que ganham prejudicando a sociedade.

Estes são os principais alicerces da teoria de Cipolla, o diagrama possibilita uma visão ampla da relação de custo-benefício entre os agentes dentro de uma sociedade:

No quadrante inferior esquerdo temos a definição categórica dos estúpidos: são aqueles causam danos aos demais sem gerar ganhos privados. Ao final do presente artigo voltaremos a tal ilustração e suas consequências, mas seguimos definimos as leis de Cipolla, e em sua terceira lei encontramos a regra de ouro que coroa sua teoria:

É estúpido aquele que causa danos a um outro indivíduo ou um grupo de indivíduos, ao mesmo tempo em que não retira de sua ação nenhum benefício para si mesmo, podendo inclusive incorrer em prejuízos.

Uma pessoa inteligente é capaz de entender a lógica de um bandido, porque o bandido é movido pela lógica racional e sua única intenção é conseguir mais benefícios, mas não é suficientemente inteligente para conseguir a riqueza de maneira correta. O bandido possui comportamentos previsíveis e por isso é possível se defender dele, seja por meios físicos como regulatórios. Agora, não é possível prever as ações de um estúpido, porque ele age sem razão, sem um objetivo definido, sem lugar ou hora apropriada. Se torna impossível prever quando um estúpido dará o próximo passo. Ao enfrentar um estúpido, uma pessoa inteligente fica à mercê da estupidez do seu rival, que age de maneira extremamente perigosa. As pessoas estúpidas são perigosas porque, para as pessoas racionais, é muito difícil compreender a lógica de comportamento irracional.

Chegamos então a nossa quarta lei fundamental:

Os não-estúpidos sempre subestimam a potência destruidora dos estúpidos. Em especial os não-estúpidos esquecem sempre que em todos os tempos, em todos os lugares, em quaisquer circunstâncias, tratar ou se associar com pessoas estúpidas se revela ser, inapelavelmente, um erro custoso.

E para concluir chegamos a Quinta Lei Fundamental:

O indivíduo estúpido é o tipo de indivíduo o mais perigoso.

E o corolário dessa lei é:

O indivíduo estúpido é mais perigoso que o bandido.

Pois bem, após estas longas definições, espero que tenha ficado claro ao leitor que todos os lugares sofrem com os efeitos das atitudes dos estúpidos. Contudo, se retornarmos aos quadrantes desenhados, nota-se as regiões I1 e I2, que seriam definidos por uma fatia de ingênuos com maiores traços de estúpidos ou inteligentes. Mas como Cipolla define, não existe uma grande quantidade de pessoas inteligentes dentro de uma sociedade e também a categoria de bandidos é predominantemente localizada na região B2 (estes seria bandidos que por vezes também possuem atitudes estúpidas), o que torna o sistema ainda mais instável.

Sendo assim, o sucesso de uma sociedade fica à mercê essencialmente dos ingênuos, especialmente dos que possuem traços de inteligência, situados na região I1. A escassez de seres com boas atitudes, dispostos a fazer sacrifícios em prol do bem comum e minimamente letrados para não serem alvos de bandidos, pode condenar um país à perdição.

Vale citar o recente texto de Celso Toledo, sócio da LCA Consultores, que também resgatou a teoria de Cipolla e suas consequências:

“Note-se que, muitas vezes, a existência de uma fatia grande de ingênuos com traços de estupidez – categoria comum entre professores universitários, artistas e os mais jovens, por exemplo – é insuficiente para bloquear o avanço dos bandidos porque estes ingênuos são mais complacentes e propensos a serem iludidos pelas artimanhas retóricas da bandidagem. Felizmente, a experiência sugere que parte não desprezível desses ingênuos com traços de estupidez (I2) migram, mesmo que temporariamente, para a região I1 quando percebem com algum atraso os estragos perpetrados pelos bandidos. Esse é o motor dos ciclos de avanço e retrocesso tão comuns em regiões atrasadas como a América Latina porque, ao menor sinal de alívio, eles voltam de I1 para I2. A força centrípeta da estupidez faz o trabalho. [2]”

Por fim, os resultados das ações de um bandido são, no limite, apenas uma transferência de riqueza entre os agentes, fato que recorrentemente acontece em uma sociedade, por mais triste e cético que possa parecer. Agentes corruptos (normalmente políticos) e cidadãos complacentes são fatores bem recorrentes, certo? O jogo muda quando os estúpidos entram em cena, eles prejudicam tudo sem nenhum tipo de benefício. A riqueza se destrói e a sociedade empobrece. Já vimos esse filme, não é mesmo? [3]

A história confirma que, não importa em que período, um país evolui sempre e quando há pessoas inteligentes no poder que saibam manter os estúpidos fora da tomada de decisão. Em um país com a economia em recessão, existe a mesma quantidade de estúpidos, mas a elite (seja ela qual for) conta com mais estúpidos e malvados, enquanto o resto da sociedade é formado por incautos conformados. E você, após toda essa teoria, qual primeiro estúpido vem a sua cabeça?

       

[1] Acesso ao link completo de Carlo Cipolla: http://harmful.cat-v.org/people/basic-laws-of-human-stupidity/

[2] Artigo completo de Celso Toledo, da LCA Consultores: http://exame.abril.com.br/blog/celso-toledo/as-leis-fundamentais-da-estupidez-e-o-futuro-da-democracia-brasileira/

[3] Outro artigo do Terraço sobre a estupidez: https://terracoeconomico.com.br/estupidez-lei-que-rege-humanidade

 

Pedro Lula Mota

Economista pela UNICAMP, como passagem pela Universidade do Porto - Portugal. Admirador da arte da fotografia, principalmente de lugares extremos e excêntricos.
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