“E daí que as contas públicas não fecham?” – Você tem mais a perder do que imagina

O atual tempo de reformas na economia suscita algumas suspeitas nas pessoas. A primeira delas costuma ser a pergunta que o governo tem respondido apenas parcialmente: “qual a necessidade dessas reformas?”. A atual equipe econômica é competente e tem ideias que condizem com a realidade de adequação das contas públicas. Entretanto, falha em não evidenciar adequadamente o que ocorre para a vida dos cidadãos quando as contas não fecham – e isso resulta em questionamentos análogos aos do título.

Peguemos três aspectos diretos que afetam diretamente a sua vida quando o governo não consegue manter o orçamento dentro de suas possibilidades, por ordem de proximidade direta: inflação, taxa de juros e expectativa dos agentes sobre o que virá a seguir.

O primeiro, a inflação, faz parte do dia-a-dia do brasileiro, basicamente porque o país já passou por momentos complicados e aprendeu que seus efeitos não são desprezíveis. Quando o governo não consegue fazer caber seus gastos dentro do orçamento, ele tem três maneiras de se financiar: emitindo títulos de dívida, imprimindo dinheiro ou aumentando a carga tributária. Aumentar a base monetária através da impressão desvaloriza de imediato o valor do dinheiro, emitir títulos de dívida o faz ao longo do tempo e, quanto a aumentar a carga tributária, os efeitos começam a ser sentidos pelos indivíduos logo que entram em operação. Os efeitos advindos dessas três medidas acabam por gerar inflação [1]. E você é quem acaba sentindo (e pagando por) isso.

O segundo, a taxa de juros, costumeiramente recebe a alcunha de “só existe para sustentar uma elite que vive de renta (os tais rentistas)”. Porém, tem muito a ver com a sua vida: taxa de juros nada mais é do que o custo do dinheiro, o valor que o dinheiro passa a ter, em adicional, quando da decisão de uma pessoa em antecipar um ato de consumo ou investimento. O Banco Central, que é quem define essa taxa básica de juros (a Selic), tem como um de seus objetivos zelar pela estabilidade do nível de preços no chamado regime de metas de inflação – e, quando não consegue deixar a inflação abaixo do teto da meta, precisa enviar uma carta ao Ministro da Fazenda explicando todos os motivos de falhado em sua missão [1]. Pois bem: com o descontrole das contas vem então a inflação e o aumento na taxa de juros buscando suavizar o efeito da variação de preços sobre a economia.

O terceiro, a expectativa dos agentes econômicos, é mais geral e aberto a discussões. Mas em suma representa o conjunto de anseios que as pessoas tem sobre o que virá a seguir. As expectativas por si só não mudam as situações, mas sinalizam como elas serão ao longo do tempo – logo, é através delas por exemplo que tentamos enxergar a situação futura da inflação e das taxas de juros. Este fator é mais geral porque pode estar sujeito a grandes choques como o impeachment de um presidente ou uma grande mudança na política econômica, por exemplo. Mas, de qualquer maneira, de modo geral quando estas expectativas melhoram, aos poucos a economia vai melhorando, mais empregos são gerados, mais produção ocorre e mais trocas comerciais. O inverso também é verdadeiro: quando estas são ruins, significam que os agentes estão mais avessos a novos investimentos, e todo o oposto acaba por ocorrer. Com o descontrole das contas, os dois fatores anteriores acabam por se atrapalhar e, assim, as expectativas ficam negativas.

Em resumo: embora pareça ser algo distante e completamente separado da realidade das pessoas a princípio, sim, as contas do governo fecharem ou não é algo que faz diferença na sua vida. Sendo assim, para que algum debate sério sobre melhorias por meio de reformas, pense sempre que deixar de lado o fator “como a conta irá fechar” não faz muito sentido. Porque, afinal de contas, todos os brasileiros pagam quando se pensa no gasto público de maneira séria – e pagam uma conta mais salgada quando não se pensa adequadamente nisso.

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

Notas

[1] Este aprendizado é tão direto que já esteve até em um gibi da Turma da Mônica: http://www.hypeness.com.br/2014/12/quadrinho-da-turma-da-monica-explica-o-conceito-de-inflacao-como-voce-nunca-viu/

[2] O papel do Banco Central é definido pela própria instituição aqui: https://www.bcb.gov.br/htms/novaPaginaSPB/PapelDoBancoCentral.asp ; as cartas abertas até então enviadas estão aqui: http://www.bcb.gov.br/pec/cartaaberta.asp

Caio Augusto

Formado em Economia Empresarial e Controladoria pela Universidade de São Paulo (FEA-RP), atualmente cursando o MBA de Gestão Empresarial na FGV. Gosta de discutir economia , política e finanças pessoais de maneira descontraída, simples sem ser simplista. Trabalha como diretor financeiro de negócios familiares no interior de São Paulo e arquiva suas publicações no WordPress Questão de Incentivos. É bastante interessado nos campos de políticas públicas e incentivos econômicos.
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