Mais Chile, por favor

Semana passada, aqui no Terraço, publicamos um texto (Mais Chile e menos Argentina para o Brasil) comparando a economia brasileira com a chilena e a argentina. As conclusões do texto são muito claras: as medidas neoliberais adotadas pelo Chile ainda que de maneira dolorosa (como toda medida liberal) deram ganhos de longo prazo ao país e que deveríamos seguir os mesmos passos.

No entanto, o Brasil preferiu se aproximar da Argentina e de suas medidas heterodoxas. O controle dos preços administrados, a política industrial visando à proteção do setor através de forte taxação das importações e subsídios via BNDES, o aumento excessivo dos gastos públicos (muitos deles mascarados para que o superávit primário fosse alcançado) e a falta de comprometimento com o centro da meta de inflação de 4,5% fizeram com que o Brasil enfrentasse hoje um cenário péssimo de estaginflação e falta de credibilidade.

Caso alguém ainda discorde desse raciocínio e acredita que o Brasil tomou o rumo certo, tentarei mostrar que não há motivos para acreditar nisso, começando com uma breve apresentação de alguns indicadores econômicos no Chile.

Um panorama da economia chilena

Atividade – Segundo o indicador mensal de atividade do banco central chileno (IMACEC), a economia chilena atualmente cresce 2,3% ao ano abaixo da média recente de 4%). Além disso, como vemos no gráfico os investimentos têm caído, o que acentua  a preocupação com o crescimento.

Texto 7 - Imagem 1 Fonte: Banco Central do Chile

Texto 7 - Imagem 2 Fonte: Banco Central do Chile

Emprego – A taxa de desemprego, por sua vez, é de 6,1%, perto do menor nível histórico, com ganhos salariais de 6,2% ao ano que são acima da inflação.

Texto 7 - Imagem 3 Fonte: Banco Central do Chile

Texto 7 - Imagem 4Fonte: Banco Central do Chile

Inflação – Em relação à inflação propriamente dita, ela está em 4,8% ao ano, segundo a última divulgação de maio, bem acima da meta estipulada pelo banco central chileno, 3% com banda de 1%.

Texto 7 - Imagem 5 Fonte: Banco Central do Chile

Parece a economia brasileira.. mas não é

Feito essa tempestade de informações e números, vamos refletir por um momento e pensar o que esses dados podem nos dizer: esse cenário não é parecido com o que vivemos no Brasil? Ainda estamos falando da economia chilena? Sim, estamos.

Atualmente o Chile apresenta o mesmo problema da estaginflação que o Brasil e em ambos os casos, o mercado de trabalho se mostra apertado. Apesar das semelhanças com a situação econômica brasileira, elas param por ai, pois os motivos são bem diferentes.

Pelo lado da inflação, o principal motivo para ela estar alta foi a recente depreciação do peso chileno. Como o Chile é uma economia anos luz mais aberta, o repasse dos preços internacionais afeta com mais intensidade a inflação chilena, como, por exemplo, os preços da gasolina e do cobre. No entanto, essa alta é transitória, e, portanto, as expectativas não subiram apesar das recentes surpresas negativas em relação à inflação. Justamente o oposto ocorre no Brasil, onde preços de itens como a gasolina não são reajustados. Com isso a inflação brasileira ainda está dentro da banda (apesar de acima da meta), mas as expectativas de inflação sobem a cada nova sondagem, piorando o processo inflacionário.

Em relação à atividade, as soluções parecem mais fáceis para a economia chilena. O Banco Central do Chile já cortou em 100 bps a taxa de juros básica (TPM)[1] para estimular a economia. Na outra ponta, temos o Banco Central do Brasil que subiu a Selic em 375 bps, o que resultará em efeitos negativos para a atividade.

Política Fiscal: principal diferença

A política fiscal talvez seja o principal fator de divergência entre os dois países. No Chile, o fiscal tem um papel secundário. Há uma regra que estabelece como o governo pode gastar as receitas advindas do cobre e dos impostos, principalmente sobre a renda. Como grande parte das receitas é cíclica, a regra visa atenuar essas oscilações de forma a garantir um fiscal contracíclico. Nos relatórios do Banco Central do Chile pouco se menciona a política fiscal, uma vez que ela é basicamente uma variável exógena dada pela regra estabelecida.

Já no Brasil, a preocupação com o fiscal é gigantesca. Os gastos por parte do governo brasileiro são mais flexíveis e subjetivos (vide a política de subsídios do BNDES). O sistema tributário também não coopera para a transparência dos resultados. Diante de tanta complexidade, o governo não tem muitas dificuldades de mascarar os resultados, mas é melhor nem entrar nesse mérito.

A importância das instituições

Além dos fatores econômicos, um ponto relevante são as instituições. Devido ao histórico de combate a inflação, o Banco Central chileno adquiriu credibilidade e a confiança do mercado. Isso faz com que os agentes econômicos confiem na instituição e em relatórios e projeções quase que cegamente. Já o Banco Central brasileiro até desfrutava da mesma credibilidade no governo Lula e Henrique Meirelles no BC, apesar de ser em menor grau que no caso chileno. Contudo, as recentes decisões da instituição e do governo na era Dilma transformaram essa credibilidade em pó. Isso significa que na prática o mercado procura adivinhar a decisão da próxima reunião de política monetária quando deveria  se preocupar com as projeções num horizonte maior.

Por isso não é de se estranhar que, diante de um cenário de estaginflação, o Chile possa reduzir ainda mais a taxa de juros como está precificado no mercado e estimular a economia, enquanto que o Brasil seja obrigado a elevar os juros para readquirir a credibilidade perdida e, com isso, contribuir ainda mais com uma desaceleração da economia.

Brasil x Chile

Diante das medidas mencionadas acima, é fácil concluir que o Chile tem um futuro mais promissor que o Brasil. Todos os fatores levam a crer que, ainda que não esteja nos seus melhores dias, o primeiro tende a voltar a normalidade e dispõe de mais ferramentas para isso que o Brasil. Com as duas mãos atadas, o Brasil não tem nem a política fiscal nem a política monetária para estimular a economia.

Capturar

Ontem foram definidos alguns confrontos das oitavas de final da Copa do Mundo. Após a vitória do Brasil diante de Camarões e a derrota do Chile para a Holanda, nossa seleção enfrentará os chilenos na próxima fase. Apesar de torcer para a seleção canarinho dentro do campo, espero que haja uma goleada chilena no âmbito econômico daqui para frente. Mais Chile, por favor. Ah, e claro, Argentina nem dentro nem fora de campo!

Victor Wong 10150315_10203286615669938_2080093610_o

[1] TPM – Tasa de Política Monetaria

Victor Wong

Mestrando pela Escola de Economia de São Paulo da FGV. Já trabalhou no mercado financeiro na área de Pesquisa Econômica. Interessa-se pelas questões fiscais e monetárias, além do fator político de cada uma das decisões tomadas no âmbito nacional e internacional. Em outras palavras, a "macro" é com ele! Porém, bons argumentos nem sempre são suficientes para ganhar discussões. Dessa forma, utiliza-se de suas (poucas) habilidades de barman para embriagar as contrapartes: nada como saber o ponto fraco de seus adversários. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2015.

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