Nobel 1995: Robert Lucas Jr | por Bruno de Paula Rocha

Robert Lucas Jr possui uma enorme importância para o debate macroeconômico. Muitas das discussões contemporâneas em macroeconomia são influenciadas pela pesquisa iniciada pelo autor na virada dos anos 60 e começo da década seguinte. Ao se discutir política monetária, por exemplo, é impossível escapar dos elementos relacionados às expectativas dos agentes econômicos para o entendimento dos impactos reais da política, custos e efetividade no controle da inflação ou sobre a melhor forma de condução de um regime monetário. Em todos os casos, os insights produzidos pelo autor mostram-se relevantes para o tratamento desses tópicos, ou pela influência que tiveram em contribuições de destaque de outros economistas que lidaram com o assunto, como Gordon (1978), Kydland e Prescott (1977), e Sargent e Wallace (1981).

Lucas foi laureado com o Prêmio Nobel de Economia (Sveriges Riksbank Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred Nobel) em 1995, “for having developed and applied the hypothesis of rational expectations, and thereby having transformed macroeconomic analysis and deepened our understanding of economic policy“. Com efeito, Lucas foi responsável por uma revolução na teoria macroeconômica, impactando profundamente a forma como os economistas atuavam nessa área.

Lucas é a principal figura da macroeconomia novo-clássica. Junto com outros importantes nomes, como Robert Barro, Edward Prescott e Thomas Sargent, esses dois últimos também vencedores do Prêmio, Lucas apresentou um forte ataque ao pensamento prevalecente à macroeconomia da época, questionando a falta de fundamentação microeconômica dos modelos da Síntese Neoclássica e o tratamento inadequado dado às expectativas tanto por keynesianos quanto por monetaristas.

Uma de suas contribuições centrais, reconhecida na descrição do Prêmio, foi a adoção da hipótese de expectativas racionais como forma de modelagem das expectativas subjetivas formuladas pelos agentes em um modelo. Antes de Lucas desenvolver seu trabalho, a área era dominada por modelos com expectativas estáticas ou do tipo adaptativas, em que a expectativa corrente sobre o valor de uma variável econômica de interesse é ajustada em relação à expectativa feita no passado, dependendo de quão efetiva foi essa expectativa. Assim, suponha, por exemplo, que, no período anterior, a expectativa para a taxa de inflação havia sido de 5% e o valor efetivo para a taxa de inflação acabou se confirmando um patamar um pouco acima, digamos 8%. Neste cenário, a próxima expectativa para a taxa de inflação seria adaptada em relação à taxa esperada anteriormente, incorporando uma fração do erro de 3 p.p. cometido. Na prática, esse procedimento considera apenas a trajetória passada da variável, ignorando as possíveis causas desse nível inflacionário. Se esse quadro persistir, a expectativa seria subestimada e parcialmente ajustada para cima durante algum período de tempo. Mesmo se houver seguidas demonstrações de que a trajetória de inflação não condiz com o esperado, os agentes seguiriam errando sistematicamente as suas expectativas para baixo. Este padrão de adaptação é relevante para conferir rigidez no ajuste de preços da economia, sendo central para os resultados de eficácia de política econômica derivados dos modelos keynesianos que adotam tal concepção para a formulação das expectativas.

Com a introdução das expectativas racionais, os economistas da escola novo-clássica trouxeram maior variedade aos possíveis efeitos de mudanças nos níveis de demanda agregada. Um pouco antes do estabelecimento da escola novo-clássica, Muth (1961) apresentara em seu artigo o conceito de expectativas racionais como “previsões informadas” sobre o futuro, tendo como base as predições estabelecidas pelo modelo teórico relevante. A popularização da hipótese de expectativas racionais viria ocorrer, porém, apenas com a adoção do princípio pelos autores da escola novo-clássica, sobretudo com a sequência de trabalhos de Lucas em 1972 e 1973.

De forma simplificada, trata-se do uso eficiente da informação disponível ao agente, conforme o modelo econômico considerado. A expectativa subjetiva do agente com respeito a uma variável econômica será dada pela expectativa condicional objetiva da mesma, de acordo com a informação disponível no modelo relevante. Pensando no processo inflacionário descrito anteriormente, suponha que, no modelo analisado, a taxa de inflação seja determinada de acordo com a taxa de expansão monetária. Neste contexto, todo componente sistemático da política de condução monetária será considerado para a formulação da expectativa da taxa de inflação. Não importa quão acertada tenha sido a expectativa no passado, se há nova informação sobre a taxa de expansão monetária, o agente levará tal fato em consideração ajustando a sua expectativa aos novos parâmetros.

É importante notar que isso não quer dizer que o agente faça previsões necessariamente acertadas (perfect foresight) e que não cometa erros. Nas palavras de Lucas, “rational expectations is the principle that the agents in an economic model use the correct conditional expectations, given their information” (Snowdon et. al, 1994, pp.222). Comportamentos não sistemáticos por parte das autoridades competentes ou choques, que desviem do equilíbrio estabelecido pelo modelo considerado “correto” pelo agente, podem levar a erros nas expectativas.

Com essas contribuições dos teóricos novos-clássicos, as expectativas racionais ganham nova roupagem e são responsáveis por trazer uma nova gama de possibilidades teóricas e de resultados de prescrição de política econômica. Em particular, a adoção da hipótese de expectativas racionais trouxe um novo entendimento em termos de prescrições dos efeitos de políticas econômicas de expansão de demanda.

O clássico modelo apresentado por Lucas em 1972 é um importante exemplo dessa mudança. Nesse artigo, Lucas formula uma economia do tipo gerações sobrepostas com indivíduos localizados em mercados informacionalmente isolados. O autor, então, supõe a existência de dois choques: um choque com efeitos locais (relativos) sobre os preços e um choque geral de preços. Como o indivíduo não é capaz de separar perfeitamente os choques a partir das informações disponíveis, uma elevação geral de preços acaba por impactar as decisões de oferta de trabalho. Com esse resultado, Lucas deriva uma curva de Phillips, em que choques gerais, puramente monetários, causam flutuações no emprego.

O modelo de Ilhas de Lucas, como ficou conhecido, resume alguns dos resultados canônicos da escola novo-clássica, no que se refere à prescrição de política econômica e possibilidades de emprego do tradeoff da Curva de Phillips. Por um lado, apenas políticas não-antecipadas pelos agentes são eficazes em afetar o nível de emprego da economia. Qualquer mudança de preços que seja parte do componente sistemático da condução de política será prontamente incorporada pelo agente como uma mudança geral em todos os preços da economia, resultando em efeitos nulos sobre as suas decisões de oferta de trabalho. Nesse ambiente com falhas informacionais, mudanças não-esperadas no preço serão interpretadas, ao menos parcialmente, como advindas de uma mudança relativa de preços, em uma estratégia de hedge, e implicará uma alteração na oferta de trabalho. Posteriormente, o agente poderá verificar se a mudança de preços foi efetivamente resultado de uma mudança geral ou relativa de preços. A persistência no uso de choques, que provoquem mudanças gerais nos preços como forma de influenciar a atividade econômica, será percebida pelo agente racional, fazendo com que a eficácia de novas tentativas de políticas expansionistas fique reduzida.

Esses resultados são bastante distintos daqueles apresentados pelos modelos keynesianos que eram majoritários à época. Friedman (1968) e Phelps (1968) introduziram a hipótese de taxa de desemprego natural, o que trouxe mais complexidade para a relação entre inflação e desemprego. Na versão aceleracionista da Curva de Phillips apresentada por esses autores, a tentativa de manutenção de uma taxa de desemprego abaixo da taxa de desemprego natural resultaria em uma elevação da taxa de inflação, o que precipitaria um ajuste de expectativas, tornando a taxa de inflação crescente ao longo do tempo.

Ainda que a inclusão desse processo de ajuste de expectativas tenha sido importante para o entendimento dos efeitos das políticas de demanda, apenas com o modelo de Lucas passamos a ter uma formalização teórica para os efeitos de curto e longo prazo em bases mais satisfatórias. Além disso, como dito acima, o uso de políticas de demanda aumentaria a variabilidade de preços, o que geraria uma mudança na inclinação da curva de oferta de longo prazo, visto que os indivíduos alterariam a forma como reagem às mudanças não-esperadas de preços. Neste novo cenário, a persistência no uso dessas políticas resultaria em resultados menos efetivos sobre o nível de produto. Em modelos com expectativas racionais, os parâmetros dos modelos dependem das expectativas e, por consequência, da forma como os agentes percebem as políticas governamentais. Com isso, mudanças nas políticas serão percebidas pelos agentes, o que impacta as relações relevantes do modelo e os resultados possíveis da própria política implementada.

Essa é a essência da chamada “Crítica de Lucas”, desenvolvida em Lucas (1976). Nesse importante trabalho, Lucas apresenta uma crítica ao uso, comum à época, de modelos macroeconométricos de grande escala para a avaliação dos impactos de políticas econômicas. O principal problema com esses modelos é que eles se baseiam na hipótese de que os parâmetros estimados se mantêm inalterados após as mudanças de política. Lucas argumenta que esta invariância de parâmetros pode não ser verificada, dado que os indivíduos tendem a ajustar o seu comportamento às novas políticas. A Crítica de Lucas teve um profundo impacto sobre a formulação de avaliação de políticas públicas, e a sua intuição ainda segue útil, com a prescrição de que estas análises devem ser derivadas de modelos dotados de parâmetros estruturais invariantes às mudanças de política.

A contribuição de Lucas para a teoria macroeconômica não deve ser subestimada. Além de ter sido figura central dentro do debate de ciclos econômicos na virada dos anos sessenta e setenta, Lucas teve importantes contribuições em outras áreas, como a teoria de investimento (Lucas e Prescott, 1971), asset pricing (Lucas, 1978) e crescimento econômico (Lucas, 1988). Este último trabalho, em especial, vale menção. Nos anos 80, os estudos em crescimento econômico ocupavam um espaço secundário dentro da agenda de pesquisa macroeconômica. O quadro se altera com uma série de trabalhos baseados na ideia de externalidades e crescimento endógeno. Nesse contexto, Lucas (1988) desenvolve um influente modelo com a inclusão de capital humano, em que a alocação de recursos à ampliação de habilidades aumenta a taxa de crescimento de longo prazo, contribuindo de forma decisiva para a expansão desse campo.

Nas últimas décadas, os estudos em macroeconomia têm convergido metodologicamente para o uso de modelos que combinem uma abordagem dinâmica, em ambientes com incerteza e equilíbrio geral. Os modelos de Equilíbrio Geral, Estocásticos e Dinâmicos (DSGE) constituem hoje a base fundamental para a o tratamento teórico em macroeconomia, em uma contribuição herdada da escola de Ciclos Reais de Negócios (RBC). Nessa perspectiva, equações comportamentais agregadas seriam substituídas por condições de primeira ordem derivadas dos problemas intertemporais enfrentados por agentes dotados de expectativas racionais. Mesmo os populares modelos novos-keynesianos apoiam-se em uma estrutura do tipo DSGE, adicionando elementos de falhas de mercado, como a possibilidade de competição imperfeita e ajustamento incompleto de preços (Galí, 2008).

A contribuição de Lucas para a construção de modelos agregativos em equilíbrio é um dos pilares da abordagem RBC, sendo, dessa forma, parte importante na construção dos modelos empregados na fronteira da macroeconomia. Em nível teórico, Lucas e Rapping (1969) descrevem o mecanismo de escolha intertemporal básico para a formulação de uma oferta de trabalho em modelos macroeconômicos. Lucas estabelece, ainda, um marco metodológico ao propor as bases para o uso de modelos macroeconômicos micro-fundamentados. Nessa linha, o autor defende o uso de modelos teórico como abstrações ou pequenas “economias artificiais”, que deveriam imitar o comportamento das variáveis das economias reais em certas dimensões (Lucas, 1977). Dentro desse pensamento, as propriedades quantitativas dos modelos macroeconômicos seriam exploradas com a calibração de parâmetros e simulações, a partir das quais diferentes opções de políticas poderiam ser avaliadas.

O programa metodológico de Lucas influenciou fortemente a geração de economistas engajados na pesquisa de ciclos econômicos nos anos 80. Sua contribuição segue influente e com impacto em diferentes campos, fazendo do autor, sem dúvida, um dos macroeconomistas mais influentes do século passado.

Bruno de Paula Rocha

Professor da UFABC.

Notas

Friedman, M. (1968). “The Role of Monetary Policy”. American Economic Review. 58:1-17.

Galí, J. (2008). Monetary Policy, Inflation, and the Business Cycle: An Introduction to the New Keynesian Framework. Princeton University Press.

Gordon, R. (1978). “What Can Stabilization Achieve”. American Economic Review. 68: 335-341.

Kydland, F. e Prescott, E. (1977). “Rules Rather than Discretion: The Inconsistency of Optimal Plans”. Journal of Political Economy. 85: 473-492.

Lucas, R.E. (1972). “Expectations and the Neutrality of Money”. Journal of Economic Theory. 4: 103-124.

______. (1973). “Some International Evidence on Output-Inflation Tradeoffs”. American Economic Review. 63: 326-334.

______. (1975). “An Equilibrium Model of the Business Cycle”. Journal of Political Economy. 83: 1113-1144.

______. (1976). “Econometric Policy Evaluation: A Critique”. Carnegie-Rochester Conference Series on Public Policy. 1: 19-46.

______. (1977). “Understanding Business Cycles”. Carnegie-Rochester Conference Series on Public Policy. 5: 7-29.

______. (1980) “Methods and problems in business cycle theory”. Journal of Money, Credit and Banking, 12: 696-715.

______. (1978). “Asset Prices in an Exchange Economy”. Econometrica. 46: 1429- 1445.

______. (1988). “On the mechanics of economic development”. Journal of Monetary Economics. 22: 3-42.

Lucas, R.E.; E.C. Prescott (1971). “Investment under Uncertainty”. Econometrica. 39: 659-681.

Muth, J.F. (1961). “Rational Expectations and the Theory of Price Movements”. Econometrica. 29: 315-335.

Phelps, E. S. (1968). “Money Wage Dynamics and Labor Market Equilibrium”. Journal of Political Economy, 76: 687-711.

Sargent, T.; Wallace, N. (1981). “Some Unpleasant Monetarist Arithmetic”. Federal Reserve Bank of Minneapolis Quarterly Review. 5: 1-17.

Snowdon, B.; Vane, H.; Wynarczyk, P. (1994). A modern Guide to Macroeconomics: An Introduction to Competing Schools of Thought. Edward Elgar, UK.

The Royal Swedish Academy of Sciences (1995), The Scientific Contributions of Robert E. Lucas, Jr.

The Royal Swedish Academy of Sciences (1995), The Scientific Contributions of Robert E. Lucas, Jr.

 

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