Investindo em música? Conheça os Royalties Musicais

O capitalismo é uma forma de organização da sociedade que premia a ação empreendedora, e, principalmente, a inovação. A busca pelo lucro é o motor que move a roda da economia capitalista, junto com algumas instituições importantes que permitem que o ato de inovar seja recompensador, como a proteção à propriedade privada, direito a patentes, preços livres, mercados competitivos, livre iniciativa, facilidade para fazer negócios, etc.

O ato de inovar é por si só arriscado, pois não se sabe se o produto/serviço terá aceitação no mercado, quanto tempo levará para que se chegue a versão final do produto, se os consumidores estarão dispostos a pagar o preço de venda, se os competidores estão investindo em produtos similares, entre outras preocupações igualmente relevantes. Ainda, é fundamental pontuar que inovação pode vir muito antes, desde a ciência, passando por tecnologia e também inovando em produto/serviço, ou mesmo uma nova forma de atendimento (processo).

Assim, o criador de um produto ou processo prefere ganhar menos no presente (investindo em um produto inovador) para ganhar mais no futuro. Pelo menos, é o que ele espera! 

No mundo das criações artísticas, a proteção à propriedade intelectual é fundamental como incentivo ao processo criativo. No caso da música, um compositor fica dias, meses e até anos para criar a sua nova canção ou álbum, sem qualquer garantia de que fará sucesso ou se será um grande fracasso. 

A lógica de criação artística

Anteriormente, os artistas do ramo musical dependiam quase que exclusivamente da venda dos CDs e ficavam nas mãos da grandes gravadoras (o filme do Queen, por exemplo, mostra essa dependência de forma explícita). 

Vale ainda fazer uma ressalva: há uma grande diferença entre direito autoral, que é a proteção a composição (conjunto de letra, harmonia, melodia e arranjo) e o direito conexo, ou seja, a proteção ao fonograma, que é o arquivo da música gravada. Quem cuida do direito autoral é a editora, enquanto que quem faz a gestão dos direitos conexos é a gravadora.

Agora, o cenário de dependência dessas gravadoras mudou consideravelmente. Com o advento do streaming, passou-se a consumir mais música ao longo do tempo. Com isso, as quantias pagas de royalties musicais – ou seja, uma compensação ao artista pela reprodução da sua música -, começaram a aumentar de forma progressiva. 

Mas ainda havia a questão do risco: como saber se a nova empreitada do artista seria um sucesso? 

Aí o capitalismo sempre dá a resposta: o mercado aceita participar desde que a remuneração esperada compense o risco incorrido. Bem vindos ao mercado de compra e venda de royalties musicais!

Como funciona esse mercado?

É importante dizer que o direito por receber proventos em decorrência da reprodução de uma música pode ser considerado um ativo. 

Lembre-se que um ativo, ou seja, um bem/direito que possui um fluxo de caixa e/ou expectativa de apreciação pode ser um bom investimento. 

E como qualquer outro, este ativo pode ser transacionado em mercado secundário, isto é, o detentor desse direito pode repassá-lo a terceiros mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro ou em troca de outro bem. 

Essa é a lógica por trás de sites como o Royalty Exchange e Vezt. Essas plataformas funcionam como um intermediário entre interessados em vender seus royalties para potenciais compradores desses ativos. No jargão das finanças, as plataformas dão liquidez para esses ativos. Além disso, vale ressaltar que o royalty a ser negociado pode estar vinculado com uma nova produção de um artista ou pode ser uma coletânea antiga, no qual o dono queira dar liquidez ao seu bem. 

“Quê? Não entendi bulhufas de como funciona o mercado!” Se esse é o seu caso, sugiro esse vídeo aqui, da Forbes, que explica bem a lógica por trás desse tipo de investimento. Ah, e tem também essa descrição super completa sobre o processo de investimento em royalties musicais no mercado americano.

Mas quais são as condições para investir?

Há vários condicionantes que estão ligados a negociação desses royalties nas plataformas. São definidos na oferta: 

(i) o número de composições vinculadas (pode ser uma só ou uma coletânea, inclusive de artistas diferentes); 

(ii) o período que esses royalties ficarão sob posse do comprador (pode ser 10 anos, ou a vida toda);

(iii) quais direitos estão incluídos na oferta (reprodução em streaming, rádio, filmes, entre outros). 

Um exemplo de negociação de royalties musicais do site Royalty Exchange. O link para essa oferta é: https://bit.ly/38bcZHK

Obviamente, quanto maior é o potencial de ganhos vinculados a esses royalties, mais elevado tende a ser o preço negociado. Aliás, sobre o preço da oferta, valem três observações fundamentais.

Em primeiro lugar, é importante mencionar que a plataforma disponibiliza uma série de informações que ajudam o investidor a tomar a melhor decisão, como por exemplo a receita gerada nos últimos anos; em caso de coletâneas de músicas, qual é o “carro-chefe” de receita; divisão dos proventos por canal de reprodução, como streaming e rádio, entre outros dados. Assim como qualquer outro investimento, são essas as informações que balizam a decisão de alocar ou não capital nessa modalidade. 

O segundo ponto está relacionado com a repartição desse direito em partes menores, acessíveis ao pequeno investidor. Antes desse mercado dos royalties, era possível comprar esses direitos, mas os preços inibiam a participação de quem não tinha tanto dinheiro. Com o passar do tempo, esses direitos começaram a ser particionados, o que permitiu a entrada de pequenos investidores nesse mercado.

Por fim, um ponto positivo nesse mercado, ao menos aos olhos dos investidores, é que os fluxos provenientes dos royalties musicais não são correlacionados com o mercado acionário. Afinal, ninguém para de ouvir música em uma crise econômica, não é mesmo? Em um momento de turbulência, esse tipo de investimento pode servir inclusive como um hedge para a performance da carteira.

E no Brasil, esse mercado existe?

Aqui no Brasil, começamos a dar os nossos primeiros passos na direção da popularização dos investimentos alternativos, como é o caso dos royalties, capitaneados por plataformas como a Hurst. Nesse ambiente de juros baixos, a busca por opções com maior rentabilidade será cada vez mais observada, inclusive para o pequeno investidor.

Quanto a negociação de royalties musicais, estamos ainda muito atrasados em relação aos americanos. Contudo, eis uma parte “meio cheia” do copo: nosso sistema de proteção e remuneração dos autores/artistas é um dos mais avançados e eficazes do mundo. O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), que faz a gestão desse sistema, distribuiu em 2019 um total de R$ 986,5 milhões para 383​ mil artistas e outros titulares.

O pequeno investidor brasileiro ainda está muito distante desse mercado. Contudo, tudo indica que isso pode mudar já nos próximos anos (ou serão meses?). Quem sabe, em um futuro próximo, possamos ter na carteira de investimentos os royalties musicais dos nossos artistas favoritos?

 

 

 

Arthur Solow

Economista nato da Escola de Economia de São Paulo da FGV. Parente distante - diz ele - do prêmio Nobel de Economia Robert Solow, que, segundo rumores, utilizava um nome artístico haja vista a complexidade do sobrenome. Pós graduado na FGV em Business Analytics e Big Data, pois, afinal, a verdade encontra-se nos dados. Fez de tudo um pouco: foi analista de crédito e carteiras para FIDCs; depois trabalhou com planejamento estratégico e análise de dados; em seguida uma experiência em assessoria política na ALESP e atualmente é especialista em Educação Financeira em uma fintech. E no meio do caminho ainda arrumou tempo para fundar o Terraço Econômico em 2014 =)
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