Tão roubando a gente: como controlar a corrupção (parte 3)

O então candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, chegou a dizer durante a campanha eleitoral que a sua vitória significaria um fim para o “establishment corrupto de Washington”. Ele não foi o primeiro, e provavelmente não será o último, político a prometer acabar com a corrupção. No Brasil, o próprio Lula fez promessa semelhante na campanha presidencial de 1989 “nós mataremos a cobra (da corrupção) e vamos mostrar a cobra morta (…) vamos acabar com a impunidade e colocar os corruptos no chilindró”, chegou a dizer em vídeo.

Parece uma promessa bonita, mas na prática é inviável. Prometer acabar com a corrupção é a mesma coisa que prometer acabar com a violência, com as drogas ou com o crime. Não existe. Mas é possível, sim, diminuir ou controlar a corrupção. É sobre isso que trataremos neste terceiro e último artigo dessa série que estou escrevendo sobre corrupção (leia aqui o primeiro, sobre porque é importante estudar a corrupção e o segundo, sobre como a corrupção afeta o crescimento econômico).

Segundo o professor Philip Nichols da Universidade da Pensilvânia existem duas teorias sobre como podemos diminuir a corrupção, a primeira fala da importância de fortalecer as instituições, a segunda sobre mudar a forma como as pessoas pensam.

Quando falamos em fortalecer as instituições, expressão que está na moda, estamos querendo dizer que é importante criar um arcabouço legal e uma estrutura (que inclui recursos humanos, estrutura física e dinheiro) voltada para controlar o crime de corrupção. É inegável que o Brasil avançou muito nesse setor nos últimos anos, e foram esses avanços (ironicamente criados durante o governo do PT) que possibilitaram a existência da Lava Jato e outras ações de combate a corrupção.

No livro Guerra à Corrupção – Lições da Lava Jato, o professor Sérgio Praça mostra em detalhes como as mudanças na legislação realizadas em 2013 que permitiram as delações premiadas (feitas por pessoas físicas) e os acordos de leniência (feitos por pessoas jurídicas) assim como o fortalecimento das instituições de controle (com recursos e autonomia) como Polícia Federal, Ministério Público, Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União e a coordenação entre esses órgãos foram fundamentais para começar a punir os grandes empresários e políticos corruptos do país.

Além de fortalecer as instituições de controle contra corrupção, também é importante mudar como as pessoas pensam, isso passa por alterar a percepção da sociedade especialmente no que tange a impunidade. Em um paper clássico Crime and Punishment: An Economic Approach o economista Gary Becker (vencedor do prêmio Nobel de economia em 1992) propõe uma fórmula para explicar como o corrupto pensa.

O problema, segundo ele próprio explica em entrevista foi inspirado em um “dilema” pessoal: valeria mais a pena estacionar seu o carro em um lugar proibido na rua mais perto, ou pagar um estacionamento mais longe? Segundo Becker, como “criminoso” ele calculou os custos financeiros, de distância e de tempo de estacionar o carro mais longe, versus a probabilidade de estacionar da rua e tomar uma multa ou ter o seu carro guinchado. Ele resolveu deixar o carro na rua e passou a pergunta aos seus alunos. Insatisfeito com as respostas, decidiu estudar o problema mais a fundo.

Ao ponderar os custos e os benefícios de agir de maneira corrupta, Becker então propôs a seguinte fórmula:

BP> Cpsic + pp (Ccriminal + Csocial) + Cfavor

Onde

BP: Benefício da ação fraudulenta

Cpsic: Custo psicológico (“culpa”) da ação

pp : Probabilidade de ser pego

Ccriminal: custo penal (anos de prisão, multa, etc)

Csocial: custo social (perda de status pessoal, credibilidade, etc)

Cfavor: custo de realizar a ação corrupta (pagamento de propina, favores, etc).

Ou seja, na fórmula de Becker vale a pena ser corrupto se o benefício da corrupção for maior do que os seus custos e o risco de ser pego.

Ele mostra, assim, o corrupto como um agente econômico racional que, como qualquer outro agente racional, age em função dos incentivos econômicos ou pessoais para realizar ou não determinado delito. Supondo que o benefício da ação corrupta (BP) e o seu custo direto (Cfavor) constantes, o que pode-se influenciar é o outro lado da fórmula, ou seja, quanto maiores as penas (econômicas e sociais) e quanto maior a probabilidade de ser pego, menores serão os incentivos para que atos corruptos sejam cometidos.

Por isso é tão importante diminuirmos a sensação de impunidade que sempre permeou o nosso sistema penal. Até recentemente tínhamos no Brasil a ideia de que os figurões, fossem eles grandes empresários ou políticos importantes, nunca seriam punidos. Isso gerava um enorme incentivo para que crimes de corrupção fossem realizados, já que a pp (probabilidade de ser pego) era minúscula.

Assim, mesmo que seja impossível punir todos, punir alguns corruptos importantes é uma forma de dissuadir novos atos de corrupção no futuro e criar assim um ambiente de negócios entre setor público e setor privado mais saudável.

Renata K. Velloso Médica, formada em administração pública, vive e trabalha na Califórnia

Referências Essa série de artigos é baseada no curso Corruption, ministrado pelo professor Philip Nichols da Universidade da Pensilvânia oferecido gratuitamente através do Coursera.

https://www.coursera.org/learn/wharton-corruption/home/welcome

Renata Velloso

Se de médico e louco todo mundo tem um pouco, Renata tem muito. Logo após se formar em Administração Pública pela EAESP-FGV, trabalhou no mercado financeiro com passagem pelo Citibank, Chase e JPMorgan. Certo dia, cansada da vida boa e rica no ar condicionado, resolveu abandonar tudo para ir estudar Medicina na Unicamp, onde se formou em 2010. Atualmente, além de ser bela e recatada, trabalha com projetos de inovação na área de saúde no Vale do Silício na Califórnia e também é autora do Criando Unicórnios, um livro de empreendedorismo para jovens e adolescentes.
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