Coronavírus no Brasil: um paralelo com a crise imobiliária de 2008

Algumas considerações entre as políticas econômicas adotadas pelo governo na crise de 2008/9 e da atual gestão no combate aos efeitos do coronavírus

O novo coronavírus foi descoberto em 31/12/2019 na China e recebeu o nome de COVID-19. A estimativa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que a maioria dos pacientes não irão apresentar os sintomas da doença , sendo considerados assintomáticos cerca de 80%, por sua vez, cerca de 20% dos casos poderá demandar assistência hospitalar, por manifestar dificuldade respiratória. 

A transmissão do vírus é feita pelo simples contato entre pessoas e superfícies contaminadas . Diante disso os especialistas propuseram o distanciamento social como a forma mais eficiente de restringir a disseminação da COVID-19, até o momento. O objetivo da aplicabilidade do distanciamento é levar à uma redução da transmissão da doença e achatar sua curva de contágio, ou seja, provocar uma contração de novos contaminados ao longo do tempo. Essa redução é muito importante para o tratamento dos pacientes, assim o sistema de saúde terá tempo e profissionais disponíveis para enfrentar a crise. Por conseguinte, o distanciamento social deve ser o primeiro exemplo a ser seguida para o combate à crise epidemiológica. 

Dessa maneira o governo deve se atentar em resguardar a população e tomar como prioridade a segurança e o bem-estar social. No entanto para isso acontecer inevitavelmente deverá haver gastos discricionários fora do 

previsto, gerando assim um possível descontrole das contas públicas, complicando ainda mais o provável cenário de crise no pós-pandemia. 

Comumente o sistema capitalista é assolado por crises em seu modus operandi , as causas são múltiplas e alguns episódios marcaram a história global negativamente. É o caso da “bolha imobiliária americana”, a crise ocorreu após a queda expressiva do índice Dow Jones em julho de 2007, quando as autoridades econômicas identificaram um possível colapso hipotecário, ligado aos empréstimos hipotecários de grande risco, subprime mortage, distribuídos de maneira deliberada para terceiros — que rapidamente infectaram com sua podridão o sistema financeiro. No Brasil, foi defendido uma espécie de imunidade aos efeitos da crise imobiliária, mas a tese desaba quando é observado os efeitos na balança comercial no período (derivado da queda das commodities agrominerais), no desemprego de 9% em março de 2009 e nas diversas empresas que sucumbiram. 

“A coruja de Minerva levanta o seu voo apenas quando as sombras da noite estão a se reunir (G.W.F. Hegel, Berlin, 1820).

A analogia acima do filósofo Hegel, expressa o caráter elucidativo de olhar para os acontecimentos após sua consumação. Possivelmente algumas políticas econômicas depois da crise mundial de 2008, podem se assemelhar àquelas necessárias para mitigar os efeitos da COVID-19.O texto analisará o arcabouço de medidas econômicas na crise financeira e na atual crise. 

Desonerações 

Partindo pelas medidas fiscais em 2008/9, foram realizadas várias desonerações nos setores automobilístico, de eletrodomésticos de linha branca e moveleiro, por sua vez contra a COVID-19 foram desonerados 41 produtos médicos e hospitalares . As renúncias fiscais nos setores citados foram importantes para desenvolvimento da produção face à crise financeira, ao passo que no combate ao coronavírus incentiva a importação de insumos materiais e hospitalares. 

Meta fiscal 

Em janeiro deste ano o Governo anunciou o primeiro superávit , no valor de R$ 44 bilhões, o maior em 24 anos para o período. Um questionamento válido a ser feito é sobre a real efetividade do superávit primário para conter a evolução da dívida pública, tendo em vista que o pagamento de juros e a valorização do câmbio é fundamentalmente importante para o crescimento da dívida. Para que o superávit primário realmente produzisse o efeito desejado de conter o crescimento da dívida líquida seria necessário impor um crescimento excessivamente elevado, mas em períodos de menor 

dinamismo econômico é sacrificante para população o alto custo social de preservação da meta primária. 

O aperto fiscal pode anular de certa forma os efeitos de outras políticas macroeconômicas ligadas ao crédito, investimento público e amparo à população. Tal concepção foi importante no enfrentamento da crise em 2008/9, pois para viabilizar o pacote de desonerações fiscais foi modificada a meta de superávit primário de 4,3% para 2,5% do PIB em 2009. As contas públicas para 2020 seguem com meta fiscal deficitária em R$ 124,1 bilhões conforme o PDLO ( Projeto de Lei e Diretrizes Orçamentárias) de 2020. 

Compulsório 

Em relação às políticas monetárias na crise de 2008 — começando pelo compulsório — houve pelo menos dez mudanças no período , o Banco Central do Brasil (BC) visava a solidez bancária e com as alterações estimular as instituições financeiras de maior porte a adquirir as de menor porte, por serem mais afetadas pela crise. O BC no mês passado anunciou a redução temporária da taxa de compulsório de 25% para 17% , além de outras medidas para aumentar a liquidez no mercado financeiro e de capitais. 

Mudanças na SELIC 

Uma importante saída monetária para o controle da crise instaurada em 2008 foi a redução da taxa de juros referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) para títulos federais a partir de janeiro de 2009, saindo da marca de 13,75% ao ano, para 8,75% em julho, sendo o menor patamar da história no período. Vale ressaltar porém que no ano anterior à eclosão da crise financeira o Banco Central promoveu um novo ciclo de alta da SELIC, passando de 11,25% ao ano para a faixa de 13,75%, com a finalidade de reter a ameaça inflacionária proveniente da alta dos preços, justificada em suma à elevação dos preços das commodities agrícolas. 

Do mesmo modo a atual gestão também utilizou-se desse recurso para minimizar os efeitos desse cenário receoso. Em sua 229° reunião o Comitê de Política Monetária (COPOM) anunciou no dia 18 de março uma queda na SELIC, saindo do patamar de 4,25% ao ano para 3,75%, e enfatizou os desafios das economias emergentes devido ao desaceleramento do crescimento global, queda dos preços das commodities e pelo aumento da volatilidade dos ativos financeiros. Um aspecto a ser ressaltado referente à crise passada seria uma maior agilidade em baixar a taxa de juros e o histórico da mesma também. Diferentemente da crise de 2008 que contou com uma alta da taxa para depois uma queda, o momento presente retrata um movimento de contínua queda da taxa SELIC nos últimos anos. 

Crédito 

Com a baixa do consumo e as dificuldades na produção impostas pelo isolamento social, as empresas se encontram em um cenário complexo na busca por saídas rápidas. Os bancos públicos (BB, CAIXA e BNDES) remontam a mesma trajetória na atual situação em paralelo à crise financeira em 2008 — são chamados a suprir o mercado de crédito, tornando-se os principais canais financeiros na propagação das políticas governamentais de empréstimo. 

Cenário Internacional 

A conjuntura internacional foi muito importante para a recuperação do Brasil no pós-crise de 2008, tendo em conta a atividade manufatureira global e o comércio internacional que em agosto de 2009 apresentaram crescimento de 14,7% e 7,2% respectivamente (Ipea,2011,p.24). No mesmo período diversos países desenvolvidos e subdesenvolvidos tiveram taxas positivas do PIB, por conseguinte dando início ao começo da recuperação global. Já o panorama posto pela COVID-19 é da perda gigantesca de dinamismo econômico e na modificação das cadeias globais de valor . O quadro em 2008/9 não foi moderado em comparação ao período vigente, porém o cenário internacional foi essencial e continua sendo para que a retomada aconteça o mais célere possível. 

As políticas anticíclicas efetuadas após eclosão da crise imobiliária americana vieram com retardo e baixa intensidade, tanto no que se refere ao juros que apresentou rigidez a queda, em certo patamar, quanto ao montante do superávit primário. Embora o cenário internacional foi vultoso para que as políticas econômicas adotadas em 2008/9 tenham sido exitosas em mitigar um mal maior, no que se refere à crise vigente — a incerteza que paira em relação ao coronavírus acaba deixando os agentes econômicos relutantes — à economista Monica Baumgarten de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economic , expressa da seguinte forma a situação: 

‘’Esse tipo de reação não chega a ser um pânico, mas essa sensação de ansiedade extrema perante à incerteza bloqueia consumo, investimento e produção. Não é muito diferente do que acontece quando há uma crise financeira que paralisa as economias’’. 

Com tudo expresso, afirmar que as políticas econômicas usadas na crise de 2008 são idênticas às utilizadas até o momento, além de ser forçado, não pode ser feito perante as idiossincrasias apresentadas por ambas no cenário externo e interno. 

O momento anterior à pandemia da COVID-19 retratava um cenário de instabilidade econômica maior do que a pré-crise em 2008 , para a maioria dos países em desenvolvimento. As estatísticas preliminares do Grupo Banco Mundial indica uma queda em recessão definitiva para 2020 antes de um recomeço do crescimento no próximo ano. 

As contrações econômicas agudas comumente encaminham-se para danos mais duradouros nas economias emergentes, por limitar o crescimento potencial por um período maior após a crise e agravar os níveis de pobreza e desigualdade. Diante disso os formuladores de políticas têm uma limitada margem para atuar no encurtamento da crise e não devem medir esforços nesse momento, a sociedade carece de uma atuação efetiva na contenção dos danos. Portanto o caminho a ser seguido deve se figurar principalmente na manutenção da vida, no resguardo da população, na asseguração dos meios de subsistência, na ajuda às empresas e na garantia dos serviços públicos essenciais. A atenção dada à esses aspectos constituirá os alicerces necessários para uma recuperação imponente no futuro. 

Notas 

G.W.F.HEGEl. Princípios da Filosofia do Direito . 1a edição.São Paulo: Martins Fontes, 1997a. 

IPEA, Avanços, recuos, acertos e erros:uma resposta da política econômica brasileira à crise financeira internacional . Texto para Discussão , no 1602, Brasília: Ipea, março.2011a. 

PAZARBASIOGLU, Ceyla & KOSE, Ayhan. Scaling up the COVID-19 crisis response now will avoid higher costs later. World Bank Blogs , 24 abr. 2020. Disponível em: < https://blogs.worldbank.org/voices/scaling-covid-19-crisis-response-now-will- avoid-higher-costs-later >. Acesso em: 25 abr. 2020 

Copom reduz a taxa Selic para 3,75% a.a . Banco Central do Brasil , 18 mar. 2020. Disponível em: < https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/17003/nota >. Acesso em: 24 abr. 2020 

Renzo Heli Pereira Rodrigues
Estudante da Universidade Federal de Juiz de Fora
Gustavo Joseph Ribeiro Soares
Estudante da Universidade Federal de São João Del Rei

Terraço Econômico

O seu portal de economia e política!
Yogh - Especialistas em WordPress