Nobel 1977: Bertil Ohlin e James Meade | por Henrique Castilho e Renan Torres

Projeto Nobel: Bertil Ohlin e James Meade

Os laureados com Prêmio Nobel são reconhecidos por quebrarem paradigmas da economia, avançarem em frentes de estudos acadêmicos e impactarem na vida de bilhões de pessoas em todo o globo. 

Assim, a medida em que os estudos avançam e vão se tornando consenso entre os acadêmicos, eles passam a inspirar não somente a academia: eles influenciam a formatação de políticas públicas em diversos países.

Foi então que, no ano de 1977, Bertil Ohlin e James Edward Meade foram laureados com o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel por pesquisas de impacto nas áreas da teoria do comércio internacional e movimento de capital entre diferentes países.

O comércio internacional e os economistas

Em 2018, o mundo todo produziu bens e serviços valendo cerca de US$ 86 trilhões a preços correntes. Desse total, 35% foram vendidos cruzando fronteiras nacionais: o comércio mundial de bens e serviços excedeu os US$ 30 trilhões.

Vale ressaltar, porém, que os estudos em comércio internacional não são de hoje. Desde a época dos pensadores clássicos, David Hume, Adam Smith e David Ricardo foram os primeiros a nortearam o debate nessa área, durante os séculos XVII e XVIII.

Foi Ricardo, porém, que desenvolveu o primeiro grande modelo na tentativa de entender o comércio entre diferentes países. O modelo de Ricardo, então, é baseado em uma ideia central: às vantagens comparativas. Embora esse conceito seja simples, a experiência mostra que ele é surpreendentemente difícil para muitas pessoas entenderem. 

Contudo, a teoria do comércio internacional de Ricardo passou a ser questionada entre o final do século XIX e meados do século XX. As principais questões estavam relacionadas à ausência de explicação para as diferenças tecnológicas e quando o processo produtivo também envolve o capital.

O divisor de águas: o modelo Heckscher-Ohlin

Apesar de ser um modelo relativamente simples, Ricardo contribuiu para construção de uma base sólida para o estudo do comércio internacional. Não à toa, suas contribuições servem de insumo para inúmeras teorias mais recentes acerca dessa área.

Nesse sentido, dois economistas suecos foram revolucionários à época. Em 1919, Eli Heckscher, publicou um artigo intitulado The Effect of Foreign Trade on the Distribution of Income (1919), no qual apresentou o esboço do que se tornaria a “teoria moderna do comércio internacional”. 

O artigo passou despercebido por vários anos, até Bertil Ohlin, afiliado a Escola de Economia de Estocolmo e ex- aluno de Heckscher, trabalhar e desenvolver novas conjecturas acerca do artigo de seu professor. Assim, em 1933, Ohlin publicou seu artigo “Interregional and International Trade”. 

O produto dessa publicação foi, então, o que conhecemos hoje por modelo (ou teorema) de Heckscher-Ohlin. Como qualquer outro modelo, a construção de Heckscher-Ohlin utiliza-se de algumas hipóteses simplificadas. Para isso, o modelo é considerado do tipo 2x2x2: isto é, dois países, dois fatores de produção (capital e trabalho) e dois bens. 

O resultado básico do modelo Heckscher-Ohlin mostra que uma nação exportará o bem que requer o uso intensivo de seus recursos relativamente abundantes e dos fatores mais baratos, dentro de seu território. 

Por outro lado, a tendência é que ele importe os bens cuja a produção requer uso intensivo dos recursos menos abundantes e aplicação dos fatores caros em sua economia. Mas o que os dados e evidências têm a dizer sobre o teorema?

Antes de tudo, é importante ressaltar que os testes empíricos para o modelo são limitados. Na prática, isso não significa que as diferenças na abundância dos fatores não ajudam a explicar os padrões de comércio entre os países, mas que atualizações em relação aos pressupostos melhoram a capacidade preditiva para o modelo. 

Wassily Leontief, economista laureado com o prêmio Nobel em 1973, é responsável por um dos testes mais importantes em relação a esse modelo. Ele detectou que nem sempre o teorema é válido.  

Usando alguns dados da economia americana após a Segunda Guerra Mundial, Leontief  demonstrou que país com um capital maior por trabalhador tem uma relação capital por trabalho menor nas exportações do que nas importações. Essa relação ficou conhecida como o Paradoxo de Leontief.

Contudo, outros testes demonstraram que os resultados são heterogêneos. Observou-se, então, que um dos principais pontos de previsibilidade desse modelo se encaixa no comércio entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. 

A principal contribuição de Ohlin para a economia é sem dúvida o seu modelo do comércio internacional. Contudo, o economista sueco também contribuiu para outros ramos, como a macroeconomia. Em várias publicações, por exemplo, ele antecipou algumas das idéias que formaram os alicerces da revolução keynesiana no pensamento macroeconômico.

James Meade: a política econômica e o movimento internacional de capital 

Antes de James Meade, era comum analisar que o pleno emprego com estabilidade e equilíbrio de preços na balança de pagamentos poderia ser alcançado por meio de mecanismos de ajuste automáticos. 

Nesse cenário, o economista inglês, afiliado a Cambridge, foi um dos principais responsáveis por mudar essa perspectiva de análise de ajustes automáticos para políticas de ajuste.  Algumas delas são: políticas fiscal, monetária e controles diretos sobre tarifas e fluxos de capital internacional.

Nesse sentido, as influências de John M. Keynes sob Meade são notória e ele  é conhecido como um dos primeiros a formalizar a Teoria Geral keynesiana. Como os mecanismos de ajuste automático podem gerar efeitos não muito desejáveis para a economia, em certos casos, as políticas de ajuste compõe um papel importante para estabelecer o equilíbrio interno e externo de uma economia.

Dessa forma, os objetivos dessa política são focadas no pleno emprego e na estabilidade de preços (equilíbrio interno). Por outro lado, o equilíbrio eterno faz referência a políticas de ajuste no balanço de pagamento. 

Nesse contexto, James Meade trabalhou em uma de suas pesquisas mais importantes, que teve como resultado a obra The Theory of International Economic Policy, publicada em dois volumes The Balance of Payments (1951) e Trade and Welfare (1955).

No primeiro volume, Meade sintetizou a Teoria Geral keynesiana, com aplicações dos métodos neoclássicos, num modelo que avaliou os efeitos da política monetária e fiscal sobre o balanço de pagamentos. 

Já no segundo volume, o economista britânico se concentrou nos efeitos de vários tipos de política comercial sobre bem-estar econômico, fornecendo uma análise detalhada na regulamentação do comércio.

Sendo assim, a contribuição principal de James Meade para a economia foi na área de economia internacional. Com o ferramental da economia keynesiana e do modelo neoclássico de equilíbrio geral, o britânico estendeu a teoria tradicional do balanço de pagamentos e incluiu os movimentos internacionais de capital. 

Analisando a relação entre o equilíbrio interno (pleno emprego) e equilíbrio externo (equilíbrio da balança geral de pagamentos), Meade demonstrou a necessidade de usar dois instrumentos, a demanda agregada e a taxa de câmbio, a fim de atingir os dois objetivos de equilíbrio interno e externo. 

Meade também fez várias outras contribuições para o campo da economia internacional, incluindo o desenvolvimento de uma representação geométrica do comércio internacional usando curvas de oferta em uma extensão do trabalho do economista canadense Jacob Viner, que tomou como base a influências de uniões aduaneiras na criação e nos desvios do comércio. 

De forma geral, seus trabalhos promoveram uma base forte e fértil para a teoria das trocas internacionais e política econômica. Contudo, apesar de ser conhecido pelas suas contribuições na área da economia internacional, Meade, como um bom cientista, também cooperou em inúmeras outras áreas. 

Entre as áreas, estão a teoria do crescimento econômico, economia do bem-estar e elaboração das contas nacionais de “dupla entrada” com Richard Stone, laureado com o Nobel de Economia em 1984. 

O passado e o futuro da economia internacional

Como toda ciência, a teoria econômica, naturalmente, evolui com o tempo. Essa evolução, contudo, certamente não diminui as contribuições dos grandes economistas.

O Teorema de Stolper-Samuelson, aplicado ao modelo de Hecksher-Olhin, é um grande exemplo. Esse teorema diz que, com o comércio internacional, os fatores de produção relativamente abundantes verão seus rendimentos aumentarem, enquanto que os fatores de produção relativamente escassos verão seus rendimentos diminuírem. 

Na prática, essa ideia, formulada por Paul Samuelson, Nobel em 1970, mostrou formalmente que nem todos saem ganhando com o comércio internacional. Um exemplo ainda mais atual está no economista Paul Krugman, Nobel em 2008: o comércio intra-indústria, isto é, o comércio que ocorre entre bens de um mesmo setor explica grande parte do comércio internacional.

Assim, se pensamos hoje em nomes de grandes economistas na área de comércio internacional e no avanço metodológico e ferramental dessa área, certamente devemos isso a economistas do passado como Ohlin e Meade.

Por Henrique Castilho e Renan Torres

Notas:

VANE, Howard R.; MULHEARN, Chris. The Nobel Memorial laureates in economics: an introduction to their careers and main published works. Edward Elgar Publishing, 2005.

SALVATORE, Dominick. Introduction to international economics. Wiley, 2012.

OBSTFELD, Maurice; KRUGMAN, Paul R. International Economics: Theory and Policy. Pearson Education, Inc, 2003.

 

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