Por Victor Candido
Terminamos o primeiro texto (caso não tenha lido, clique aqui) analisando o sucesso inicial do plano real, agora veremos os ajustes subsequentes e o seu quase fracasso em 98/99. Podemos dividir o plano em duas partes, o Real 1 aconteceu em 94/95 com a troca da moeda e a desindexação e o Real 2 com os ajustes feitos para que a inflação não retornasse com a crise internacional.
Nos primeiros anos da década de 90 a inflação que chegou a 2000%a.a[1] voltou para o incrível patamar de apenas um dígito, culminando em uma taxa de 1,7% a.a. em 1998. Após 15 anos de inflação e contas públicas descontroladas, o Brasil novamente caminhava para estáveis fundamentos macroeconômicos, sem arroubos desenvolvimentistas e loucuras orçamentárias. O rio corria para o mar pela primeira vez em décadas.
Porém uma pororoca (onda criada quando o mar vence a força do rio) atingiu o ‘rio’, uma série de crises internacionais criaram uma conjuntura adversa a economia brasileira, e soma-se uma política fiscal frágil mesmo após os sucessivos ajustes feitos em conjunto com o lançamento do real. A crise internacional começou na Tailândia em 1997 e afetou todos seus vizinhos do sudeste asiático, acendendo uma luz vermelha em relação as nações emergentes, o México já havia quebrado em 95. Mesmo com os problemas externos, existia um otimismo com a economia no campo fiscal: o governo tinha acabado de privatizar com sucesso a Telebrás, uma das maiores estatais, o que melhorou as expectativas quanto a condução fiscal. Criou-se também um otimismo a perspectiva de reeleição de FHC em 98, e que caso confirmado nas urnas ‘faria algo’ para ajustar a casa e as contas externas a partir de 1999.
Até que a Rússia aplicou um default sobre a sua dívida, quebrou. E os mercados internacionais praticamente se fecharam, e todo o dinheiro aplicado nas nações emergentes começou a ir embora, o medo de que outros países, inclusive o Brasil, pudessem quebrar era altíssimo. O risco país explodiu, e as taxas de juros acompanharam na tentativa de segurar o capital externo que fluía para fora do país. Ficou claro que as contas externa para 1999 não fechariam, um terror, e para piorar perdemos em 50 dias US$ 50 bilhões em reservas internacionais ficando apenas com US$ 30 bilhões, um nível bastante perigoso.
[caption id="attachment_1933" align="aligncenter" width="660" class=" "] Taxa de Juros Overnight: Banco Central[/caption] [caption id="attachment_1934" align="aligncenter" width="650" class=" "] Reservas Internacionais Fonte: Banco Central[/caption]Para o leitor não economista a lógica é a seguinte: Para que a paridade real dólar fosse garantida, um grande fluxo de capitais deveria entrar para compensar a balança comercial deficitária devido ao grande volume de produtos importados. Esse fluxo era atraído com o diferencial da taxa de juros, por isso taxas tão elevadas no período, caso este último pare de ingressar no Brasil, o câmbio fixo só é mantido caso gastássemos as reservas internacionais de forma a manter o sistema funcionando.
“ Foi nesse contexto que, a poucas semanas das eleições presidenciais, o Governo anunciou oficialmente que estava negociando com o FMI um acordo para enfrentar a situação, envolvendo quatro pilares: i) um forte ajuste fiscal; ii) uma política monetária dura as taxas de juros aumentaram novamente para aproximadamente 40% em meados de setembro; iii) um pacote de ajuda externa do FMI, organizações multilaterais e dos Tesouros dos países centrais de US$ 42 bilhões; e iv) a manutenção da política cambial, tema esse considerado “tabu” pelas autoridades.”[2]
Mesmo com o alívio vindo do FMI a situação continuava crítica, Gustavo Franco o então presidente do Banco Central, não conseguiu manter a manutenção da política cambial e o real passou a flutuar, pediu demissão, seu sucessor Francisco Lopes adotou um novo regime cambial a ‘banda diagonal endógena’, fracassou, com as reservas internacionais em níveis perigosamente baixos não foi possível manter o teto de R$1,32 determinado pela banda. No começo de 1999 o real é de fato forçado pelo mercado a flutuar e chega a R$2,16.
Com o câmbio flutuante o medo da inflação voltar é imenso, com uma possível subida devido ao aumento de preço de importados e ao fato de a economia estar relativamente aberta, as expectativas de inflação para 1999 ficaram entre 20 e 50%, um cenário de puro caos.
[caption id="attachment_1935" align="aligncenter" width="639" class=" "] Risco Brasil Fonte: Banco Central[/caption]Assume o posto de presidente do Banco Central, Armínio Fraga, aqui começa o REAL 2, e para o controle da inflação e a salvação do esforço estabilizante surge a ideia de um sistema de metas para a inflação, seguindo o exemplo de economias bem mais robustas que a brasileira, tais como Nova Zelândia e Reino Unido (Terraço já discutiu amplamente o regime de metas de inflação, confira aqui). O sistema foi escolhido após se excluírem alternativas tais como a volta do câmbio fixo, a caixa de conversão (currency board), uso de metas de agregados monetários (de difícil aplicação e instável) ou apenas conduzir o barco sem meta clara para a inflação. [3]
A opção pelo sistema de metas é um dos movimentos de política monetária mais estratégicos quando se trata em manter a estabilidade, com a desconfiança do mercado sobre a inflação naquele momento, um sistema que cria um alvo claro em conjunto com uma autoridade monetária comprometida em cumprir a meta, cria-se um poderoso sentimento de confiança. Em um país como o nosso, com um pavoroso histórico inflacionário, o medo do retorno das indexações e o fim do plano real, pediam medidas robustas e transparentes. O Banco Central trouxe o câmbio para R$1,76, ainda visitou diversos bancos e investidores internacionais para mostrar o nosso arcabouço monetário e cambial, para mostrar transparência na condução da economia brasileira aumentando nossa credibilidade internacional em um momento extremamente difícil. Resultado fechamos o turbulento 1999 com uma taxa de inflação de 8,9% sendo a meta prevista de 8%, uma vitória, e um PIB de 0,79%, driblando a recessão anunciada.
[caption id="attachment_1925" align="aligncenter" width="660" class=" "] Mesmo com a turbulência de 1999 o Brasil sobreviveu aos choques e segurou bravamente a inflação.[/caption] [caption id="attachment_1936" align="aligncenter" width="660" class=" "] Armínio Fraga, Ex-Presidente do Banco Central do Brasil, mostrando na foto o tamanho da inflação caso não fosse adotado o sistema de metas para a inflação.[/caption]Deixando a esfera monetária de lado, uma das mais importantes medidas fiscais nesse REAL 2 foi a lei de responsabilidade fiscal implantada em maio de 2000, ela impede maluquices orçamentárias por prefeitos e governadores e condiciona o gasto público a capacidade de arrecadação dessas localidades. Um grande avanço a coerência fiscal.
É claro ver como o plano real foi um enorme esforço intelectual, sua engenhosa concepção e depois sua difícil aplicação com a primeira parte sendo um moeda indexada e a paridade real-dólar em conjunto com um aperto fiscal, atacaram de forma estrutural um dos principais problemas da economia brasileira. Antes do plano real o Brasil teve uma inflação abaixo de 10% em apenas 3 anos: 1947, 1948 e 1957. De fato mudamos pra melhor, muito melhor. Somos uma nação estável macroeconomicamente graças ao intervalo 1995-2000 que colocou de fato a casa em ordem e criou a prancha (e passou parafina nela) que usamos para surfar a onda externa entre 2003-2008. Qualquer tentativa de desqualificar as ações tomadas no período é terrorismo eleitoral e grave desprezo à história.
Em um país como o nosso é bastante complicado ouvir uma Presidente dizer que uma inflação beirando o teto da meta está sob controle, um perigo, para o jabuti subir na árvore não precisa de muito e para tirar ele de lá ou é gente ou enchente.
Notas:
Peço desculpas sinceras caso tenha tratado com leviandade algum ponto, é um assunto demasiadamente extenso para dois textos, aos interessados às tecnicidades recomendo as leituras abaixo e estamos sempre abertos ao debate!
[1] Todas as medidas de inflação citadas usaram o IPCA
[2] Averbug e Giambiagi, “A crise brasileira de 1998/1999 – origens e consequências” BNDES Textos para discussão, nº77 – 2000. (http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/td/Td-77.pdf)
[3] Armínio Fraga “Dez Anos de Metas para a Inflação” – Banco Central do Brasil – 2011 (http://www.bcb.gov.br/?LIVRO10ANOSMI-C)
“surge a ideia de um sistema de metas para a inflação” hahahahaahaha
Bela piada, campeão… O sistema de metas e todo o tripé macroeconômico foram exigências do FMI para emprestar dinheiro para o Brasil. (aliás, praticamente o plano todo veio do FMI, o Brasil só aderiu à dolarização da moeda e do câmbio fixo para sair da moratória).
O texto também “esquece” de citar que o plano Real foi implantado em dezenas de países anteriormente, não é invenção brasileira. Nem citou o Consenso de Washington e as dezenas de cagadas do Armínio Fraga que acabaram com a economia brasileira.
“Qualquer tentativa de desqualificar as ações tomadas no período é terrorismo eleitoral e grave desprezo à história.” hahahahahah
O autor mente e já se blinda contra críticas… patético.
Reidson
O sistema de metas era é o mais indicado para aquele momento, se você de fato leu o texto vai perceber que é citada as demais alternativas que poderiam ser utilizadas, mas não se encaixavam tecnicamente e criavam distorções nos horizontes de expectativas dos agentes, o que era essencial em uma crise cambial.
A idéia da moeda indexada, foi aprimorada por brasileiros (André Lara e Pérsio Arida) para um problema particular da nossa economia, que era a inflação inercial.
Recomendo os links que se encontram abaixo nas notas para uma maior clareza.
Abraço.
Victor C.